Economia
Contas públicas têm déficit de R$ 7,3 bilhões em setembro
As contas públicas fecharam o mês de setembro com saldo negativo, resultado do déficit em todas as esferas: Governo Central, governos regionais e empresas estatais. O setor público consolidado – formado pela União, pelos estados, municípios e empresas estatais – registrou déficit primário de R$ 7,340 bilhões no mês de setembro.
O valor, entretanto, é menor que o resultado negativo de R$ 18,071 bilhões registrado no mesmo mês de 2023. Nessa comparação interanual, houve melhora nas contas do setor público consolidado em razão da melhora nas contas do Governo Central, ainda que continue com déficit. No caso dos governo regionais, houve piora no déficit.
As Estatísticas Fiscais foram divulgadas nesta segunda-feira (11) pelo Banco Central (BC). O déficit primário representa o resultado negativo das contas do setor público (despesas menos receitas), desconsiderando o pagamento dos juros da dívida pública.
No acumulado do ano, o setor público consolidado registra déficit primário de R$ 93,561 bilhões. Em 12 meses – encerrados em setembro – as contas acumulam o resultado negativo de R$ 245,605 bilhões, o que corresponde a 2,15% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma de todos os bens e serviços produzidos no país).
Em 2023, as contas públicas fecharam o ano com déficit primário de R$ 249,124 bilhões, 2,29% do PIB.
Esferas de governo
Em setembro último, a conta do Governo Central (Previdência, Banco Central e Tesouro Nacional) teve déficit primário de R$ 3,974 bilhões ante resultado negativo de R$ 16,506 bilhões em setembro de 2023. O montante do déficit difere do resultado divulgado no último dia 7 pelo Tesouro Nacional, de déficit de R$ 5,326 bilhões em setembro porque, além de considerar os governos locais e as estatais, o BC usa metodologia diferente, que leva em conta a variação da dívida dos entes públicos.
De acordo com o BC, a redução no déficit do Governo Central se deve ao aumento de 8% nas receitas, em magnitude maior do que as despesas, que cresceram 1,4% em setembro de 2024 em comparação ao mesmo mês de 2023.
Os governos estaduais também registraram déficit no mês de setembro de R$ 597 milhões, ante déficit de R$ 374 milhões em setembro do ano passado. Já os governos municipais tiveram resultado negativo de R$ 2,575 bilhões em setembro deste ano. No mesmo mês de 2023, houve déficit de R$ 691 milhões para esses entes.
Com isso, no total, os governos regionais – estaduais e municipais – tiveram déficit de R$ 3,173 bilhões em setembro de 2024 contra resultado negativo de R$ 1,065 bilhão no mesmo mês do ano passado.
Da mesma forma, as empresas estatais federais, estaduais e municipais – excluídas dos grupos Petrobras e Eletrobras – também contribuíram para o déficit das contas públicas, com déficit primário de R$ 192 milhões em setembro de 2024. No mesmo mês do ano passado, o déficit foi de R$ 500 milhões.
Despesas com juros
Os gastos com juros ficaram em R$ 46,427 bilhões em setembro deste ano, uma redução significativa em relação aos R$ 81,714 bilhões registrados em setembro de 2023. De agosto para setembro de 2024, também houve queda. No oitavo mês do ano, os gastos com juros foram de R$ 68,955 bilhões.
De acordo com o BC, não é comum a conta de juros apresentar grandes variações, especialmente negativas, já que os juros são apropriados por competências, mês a mês. Mas nesse resultado, há os efeitos das operações do Banco Central no mercado de câmbio (swap cambial, que é a venda de dólares no mercado futuro) que, nesse caso, contribuíram para a melhora da conta de juros em setembro. Os resultados dessas operações são transferidos para o pagamento dos juros da dívida pública, como receita quando há ganhos e como despesa quando há perdas.
Em setembro de 2023, a conta de swaps teve perdas de R$ 15,9 bilhões, enquanto no mesmo mês deste ano teve ganhos de R$ 20 bilhões.
Com isso, o resultado nominal das contas públicas – formado pelo resultado primário e os gastos com juros – caiu quase que pela metade na comparação interanual. No mês de setembro, o déficit nominal ficou em R$ 53,767 bilhões contra o resultado negativo de R$ 99,785 bilhões em igual mês de 2023.
Em 12 meses encerrados em setembro, o setor público acumula déficit R$ 1,065 trilhão, ou 9,34% do PIB. O resultado nominal é levado em conta pelas agências de classificação de risco ao analisar o endividamento de um país, indicador observado por investidores.
Dívida pública
A dívida líquida do setor público – balanço entre o total de créditos e débitos dos governos federal, estaduais e municipais – chegou a R$ 7,117 trilhões em setembro, o que corresponde a 62,4% do PIB. Em agosto, o percentual da dívida líquida em relação ao PIB estava em 62% (R$ 7,026 trilhões).
No mês de setembro deste ano, a dívida bruta do governo geral (DBGG) – que contabiliza apenas os passivos dos governos federal, estaduais e municipais – chegou a R$ 8,928 trilhões ou 78,3%, com redução em relação ao mês anterior, em termos de percentual do PIB (R$ 8,898 trilhões ou 78,5% do PIB). Assim como o resultado nominal, a dívida bruta é usada para traçar comparações internacionais.
Economia
Entenda como ficam exportações agrícolas após acordo Mercosul-UE
Assinado nesta sexta-feira (6) após 25 anos de negociações, o acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE) não sofreu modificações quanto ao comércio de produtos agropecuários, esclareceu o governo brasileiro no factsheet (documento com resumo) sobre o tratado. As condições para a entrada na UE de bens agrícolas exportados pelo Mercosul foram mantidas em relação ao texto original de 2019.
O texto final contrariou a expectativa de países como França e Polônia, que queriam restringir os produtos do continente sul-americano para não perderem competitividade. Existe a possibilidade de Itália, Países Baixos e Áustria se oporem ao acordo.
Pelo factsheet divulgado pelo governo brasileiro, café e sete tipos de fruta do Mercosul entrarão na União Europeia sem tarifas e sem cotas. Pela oferta do Mercosul aceita pela UE, as frutas com livre circulação são: abacate, limão, lima, melão, melancia, uva de mesa e maçã.
Outros produtos agropecuários terão cotas (volumes máximos) e tarifas para entrarem na União Europeia, porém mais baixas que as atuais. O acordo prevê a desgravação (retirada gradual da tarifa), de modo a zerar o Imposto de Importação entre os dois blocos e cumprir as condições de uma zona de livre-comércio. Os prazos para a eliminação de tarifas são de quatro, sete, oito, 10 e 12 anos, variando conforme o item.
As cotas definidas no acordo comercial serão posteriormente divididas entre os países do Mercosul. No caso de as exportações do Mercosul à UE ultrapassarem a cota, os produtos passarão a pagar as alíquotas atuais.
De acordo com o documento do governo brasileiro, a oferta da União Europeia, aceita pelo Mercosul, corresponde a aproximadamente 95% dos bens e 92% do valor das exportações de bens brasileiros à União Europeia. Produtos sujeitos a cotas ou tratamentos não tarifários (como barreiras ambientais ou sanitárias) representam cerca de 3% dos bens e 5% do valor importado pela União Europeia, com esses tratamentos aplicados principalmente a itens do setor agrícola e da agroindústria.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, a abordagem reflete o equilíbrio buscado entre a abertura de mercados e a proteção de setores sensíveis para ambas as partes.
Confira a situação por produto:
Café: exigência de que 40% do café verde e 50% do café solúvel sejam originários do Brasil. Para os três tipos de café (verde, torrado e solúvel), as tarifas, atualmente entre 7,5% e 11%, serão eliminadas de quatro a sete anos |
Uvas frescas de mesa: retirada imediata da tarifa de 11%, com livre-comércio |
Abacates: alíquota de 4% retirada em quatro anos |
Limões e limas: tarifa de 14% retirada em até sete anos |
Melancias e melões: alíquota atual de 9% eliminada em sete anos |
Maçãs: tarifa atual de 10% retirada em dez anos |
Etanol industrial: tarifas zeradas gradualmente, com cota de 450 mil toneladas sem tributo quando o acordo entrar em vigor |
Etanol combustível e para outros usos: tarifas zeradas gradualmente, com cota de 200 mil toneladas, com um terço da tarifa europeia (6,4 euros ou 3,4 euros a cada cem litros), com volume crescente em seis estágios até cinco anos após a entrada em vigor do acordo |
Açúcar: tarifas zeradas gradualmente, cota de 180 mil toneladas com tarifa zero e tarifas atuais, entre 11 euros e 98 euros por tonelada, sobre o que ultrapassar a cota. Cota específica de 10 mil toneladas para o Paraguai, com alíquota zero |
Arroz: tarifas zeradas gradualmente, com cota de 60 mil toneladas com alíquota zero a partir da entrada em vigor do acordo e volume crescente de seis estágios em cinco anos |
Mel: tarifas zeradas gradualmente, com cota de 45 mil toneladas com alíquota zero a partir da vigência do acordo e volume crescente em seis estágios em cinco anos. |
Milho e sorgo: tarifas zeradas gradualmente, cota de 1 milhão de toneladas com alíquota zero na entrada em vigor do acordo, com volume crescente em seis estágios anuais em cinco anos |
Ovos e ovoalbumina: tarifas zeradas gradualmente, com cota de 3 mil toneladas com alíquota zero a partir da vigência do acordo, com volume crescente em seis estágios anuais em cinco anos |
Carne bovina: cota de 99 mil toneladas de peso carcaça, 55% resfriada e 45% congelada, com tarifa reduzida de 7,5% e cota crescente em seis estágios. Cota Hilton, de 10 mil toneladas, com alíquota reduzida de 20% para 0% a partir da entrada em vigor do acordo |
Carne de aves: cota de 180 mil toneladas de peso carcaça com tarifa zero, das quais 50% com osso e 50% desossada e volume crescente em seis estágios |
Carne suína: cota de 25 mil toneladas com tarifa de 83 euros por tonelada e volume crescente em seis estágios |
Suco de laranja: redução a zero da alíquota em 7 e 10 anos e margem de preferência (redução de alíquota em relação à atual) de 50% |
Cachaça: liberação do comércio em quatro anos de garrafas de menos de 2 litros, cota de 2,4 mil toneladas com alíquota zero e volume crescente em cinco anos para cachaça a granel. Atualmente, a aguardente paga alíquota em torno de 8% |
Queijos: cota de 30 mil toneladas com volume crescente e com alíquota decrescente em 10 anos (exclusão de muçarela do acordo) |
Iogurte: margem de preferência de 50% |
Manteiga: margem de preferência de 30% |
Fonte: Ministério da Agricultura e factsheet do governo brasileiro |
Economia
Turismo de base comunitária transforma terras indígenas
Diante da emergência climática, o debate sobre formas de promover o desenvolvimento sustentável na Amazônia ganha força nos diversos setores econômicos, dentre os quais o turismo. Nas terras indígenas, um modelo de gestão tem se mostrado uma alternativa para os povos que querem receber visitantes e, ao mesmo tempo, manter a floresta em pé: o turismo de base comunitária.
No município de Feijó, no Acre, o povo da Aldeia Shanenawa vive a experiência de receber visitantes interessados na imersão junto aos povos originários e no aprendizado sobre a convivência harmônica com a floresta. “No passado, a gente já vinha fazendo a nossa festividade, quando os nossos parentes vinham de outras regiões, outras etnias vinham, e nós tínhamos a nossa festa cultural, mas a gente ainda não tinha essa experiência com o turismo. O turismo chegou mesmo na aldeia há três anos”, relembra o cacique Tekavainy Shanenawa.
Segundo o líder indígena, além da festividade, visitantes brasileiros e estrangeiros começaram a chegar à Terra Indígena (TI) Katukina Kaxinawa em busca do conhecimento ancestral da medicina da floresta, com o uso da ayahuasca, que permaneceu guardado por 30 anos durante um período em que a prática era proibida. “Os antigos guardaram a sabedoria da medicina durante todo esse tempo. A gente pôde voltar a consagrar quando eu já estava adulto e com filhos, a praticar o que meu avô me ensinou”, conta.
Antes da chegada do turismo, os Shanenawa tinham como base econômica a agricultura de subsistência, cultivando principalmente banana e mandioca, a caça e a pesca e a produção de artesanato.Antes da chegada do turismo, os Shanenawa tinham como base econômica a agricultura de subsistência, cultivando principalmente banana e mandioca, a caça e a pesca e a produção de artesanato.ta o feijão, o milho e a mandioca”.
De acordo com o cacique, o comércio desses produtos passou a financiar a compra de proteína animal e de outros bens necessários adquiridos na cidade. A chegada do turismo foi bem-aceita pelos integrantes da aldeia, que perceberam a possibilidade de agregar valor à produção e também de fortalecer a cultura e os ensinamentos para as próximas gerações.
“Quando consagramos a medicina, ela nos fortalece cada vez mais, principalmente a juventude, que está nesse aprendizado. Quando o visitante vem, a gente tem o prazer de mostrar como vive e como é consagrada a medicina. E, cada vez que nós consagramos, mais vamos nos aperfeiçoando”, diz Maya Shanenawa, filha mais velha do cacique.
Tradição
No povo Shanenawa, quem nasce primeiro dá continuidade ao cacicado, independentemente de ser filho homem ou mulher. A e a vocação também prevalece. Além de Maya, que aos 29 anos já é reconhecida como vice cacique, a segunda filha, Maspã Shanenawa teve a vocação reconhecida pela comunidade e já comanda o ritual de consagração da medicina.
Para os Shanenawa, toda essa tradição se fortalece com o turismo: os jovens escolhem ficar na floresta e dar continuidade à cultura, e os indígenas conduzem as próprias narrativas.
“Eu falo que o povo sempre via no livro, que contava a história mal contada. E hoje eu tenho essa oportunidade de cada pessoa que vem na vivência do turismo aqui na minha aldeia, tem oportunidade de levar essa história contada mesmo pela a gente, a história que eu ouvi do meu avô”, diz o cacique Teka.
Parcerias
Participação ativa da aldeia e repartição justa dos benefícios são princípios básicos para que o turismo de base comunitária aconteça nas terras indígenas, mas nem sempre ocorre dessa forma. Um diagnóstico traçado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços mostrou que, em muitos casos, a parceria ofertada aos povos indígenas desfavorece a comunidade.
O Povo Shanenawa está atento a essa questão e busca parcerias que fortaleçam o turismo na TI. Uma das empresas que atuam diretamente com os indígenas escolheu representantes da própria comunidade.
Tuwe Shanenawa, um dos que trabalham diretamente com os viajantes, diz que sente orgulho em mostrar a floresta e conduzir quem chega de fora pelos saberes ancestrais. “Eu sempre falo que ninguém chega aqui por acaso e, em especial, eu cito os viajantes. De alguma forma, é um chamado para a sua vida. Ou da medicina, ou só para o dia a dia mesmo da convivência. Mas ninguém chega aqui por acaso, não. Claro que vem com esse objetivo de turismo, de conhecer, mas vai muito além do que às vezes as pessoas estão esperando, por causa da conexão espiritual.”
Além de Tuwe, todos os que trabalham com o turismo na aldeia se esforçam para melhorar a experiência de quem chega, seja na alimentação natural colhida e cuidada ali na floresta, seja no passeio para conhecer as belezas da Amazônia e a majestosa samaúma, árvore que pode chegar até a 70 metros de altura e a 120 anos de vida, ou nos banhos de ervas e argila que preparam o espírito para a consagração da medicina.
Desafios
Na avaliação de Pedro Gayotto, cofundador da empresa de turismo social que desenvolve as atividades com o povo Shanenawa, ainda há uma demanda reprimida de turistas que buscam o etnoturismo, mas não sabem como chegar até ele.
“A grande maioria dos viajantes que fazem roteiros em terras indígenas com a gente, sempre chega com: ‘Eu estava procurando há muito tempo fazer uma viagem indígena e não sabia como, eu não sabia por onde começar, e achei vocês por indicação de alguém, achei vocês no Google’, enfim. Então assim, isso já demonstra que existe a procura e [que] as pessoas não estão sabendo como chegar lá”, destaca Pedro Gayotto.
Além do desafio de levar os viajantes a seus destinos, há muitos outros obstáculos a serem vencidos. As realidades de cada terra indígena são distintas, porém, existem questões coletivas que alcançam a maioria das aldeias. Um exemplo é o próprio resíduo gerado pela atividade turística. “A gente entende que queimar o lixo não é o melhor caminho e também não quer levar para outro lugar. Então, precisamos de ajuda para encontrar uma solução”, alerta Tuwe.
Força-tarefa
A questão foi um dos desafios apresentados durante o lançamento do diagnóstico encomendado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e desenvolvido pelo Instituto Samauma, que ocorreu na Aldeia Shanenawa sob os olhares de representantes dos ministérios da Cultura e do Turismo, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Durante a força-tarefa de quase cinco dias, entre os dias 2 e 6 de dezembro, os Shanenawa puderam apresentar suas demandas e dar encaminhamento junto às instituições de processos para regularização da atividade de turismo de base comunitária.
Orientado pela Instrução Normativa 3/2015, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, o turismo em TIs ainda é pouco documentado pelos órgãos federais. Apenas 39 roteiros são regularizados em todo o território nacional e, desse total, 14 com foco em pesca esportiva.
De acordo com a condenadora geral de Turismo Sustentável e Responsável no Ministério do Turismo, Carolina Fávero, essa deficiência de informação já foi identificada pelo órgão, que atualmente trabalha em um mapeamento dessas iniciativas. Com o trabalho ainda em andamento, mas de 150 aldeias com atividades turísticas já se cadastraram, destaca Carolina.
“A gente criou um projeto em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que é o Brasil Turismo Responsável, focado nas comunidades indígenas. E aí vai trabalhar exatamente na capacitação em turismo responsável, em turismo de base comunitária, apoiar nas comunidades o desenvolvimento do Plano de Visitação e, além disso, fazer cursos, capacitações, produzir materiais e o mapeamento, que já está em andamento”, conclui.
*A repórter viajou a convite do Instituto Samaúma e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços
Economia
Isenção de IRPF para até R$ 5 mil pode dobrar número de beneficiados
O número de trabalhadores com carteira assinada que não precisam pagar o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) deve dobrar em 2026, quando deverá estar em vigor a faixa de isenção para quem ganha até R$ 5 mil, conforme prometido pelo governo federal na “reforma da renda” que deverá tramitar no Congresso Nacional no próximo ano.
A projeção de contribuintes beneficiados é do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), fornecida à Agência Brasil. Segundo a entidade, atualmente 10 milhões de pessoas estão dispensadas do recolhimento do tributo. Com a proposta, a faixa de isenção deverá passar dos atuais R$ 2.824 (dois salários mínimos) para R$ 5 mil, assim serão adicionadas mais 10 milhões de pessoas dispensadas da tributação.
A isenção do imposto favorecerá os trabalhadores de menor rendimento e também alcançará assalariados da classe média em outras faixas de rendimento. “Entre os que têm renda mensal entre R$ 5 mil e R$ 7,5 mil, também há o impacto positivo da redução das tarifas, e este grupo representa por volta de 16 milhões de pessoas”, calcula Mariel Angeli Lopes, supervisora técnica do escritório regional do Dieese no Distrito Federal.
Crescimento econômico
Os dados do Dieese divergem dos números da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, a Unafisco. Em estudo feito em setembro, a associação estimou alcance maior: 30,6 milhões de contribuintes estariam desobrigados de pagar o IRPF se a tabela de tributação fosse atualizada com a correção integral da inflação. Nesse cálculo, o valor limite para ter isenção no recolhimento do imposto seria um pouco maior do que o proposto posteriormente pelo governo, R$ 5.084,04.
A Unafisco trabalha na atualização dos dados para dezembro, mas prevê ingresso de R$ 50 bilhões no bolso dos trabalhadores com a liberação do imposto de renda, aumento de consumo e crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). De acordo com o presidente da associação, Mauro Silva, 65% do PIB brasileiro vem do consumo das famílias.
Para ele, a isenção do IRPF acabará por dinamizar a economia. “Essa faixa de renda tem uma poupança muito pequena. Acaba consumindo tudo que ganha. Essas pessoas vão reformar suas casas e utilizar mais serviços. Vai haver um transbordamento para as famílias de menor poder aquisitivo também”.
Fora da meta
O economista João Leme, analista de contas públicas da Tendências Consultoria, concorda que haverá aceleração da atividade econômica. “A demanda mais alta acaba pressionando a oferta e faz com que a atividade gire”, explica. O especialista, no entanto, teme que o aumento de consumo possa pressionar a inflação.
“Algumas casas [de avaliação econômica] já estão olhando aqui o IPCA [índice de Preço ao Consumidor Amplo] de 2024 indo fora da meta, e para o ano que vem também já se vê [a inflação] descolando um pouco do centro da meta estabelecida pelo Comitê Monetário Nacional”, ressalta o economista. Para ele, eventual ciclo inflacionário poderá forçar “aperto monetário” e aumento da taxa de juros.
Outro temor de João Leme é o impacto da isenção do IRPF nas contas públicas, calculado entre R$ 35 a R$ 45 bilhões. Para ele, essas projeções levaram “à deterioração de expectativas, justamente porque o governo falava de um plano de corte de despesas de mais ou menos R$ 70 bilhões divididos em R$ 30 bi para 2025 e R$ 40 bi para 2026.”
Sobre os efeitos nas contas públicas, o governo argumenta que a compensação dos recursos não tributados com isenção serão compensados com a ampliação da contribuição efetiva para quem ganha acima de R$ 50 mil mensais (R$ 600 mil por ano).
“A nova medida não trará impacto fiscal, ou seja, não aumentará os gastos do governo. Porque quem tem renda superior a R$ 50 mil por mês pagará um pouco mais”, explicou o ministro da Fazenda Fernando Haddad, em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão no dia 27 de novembro.
Efeito distributivo
No pronunciamento, Haddad salientou que a reforma da renda, combinada com a reforma tributária, “fará com que grande parte do povo brasileiro não pague nem imposto de renda, nem imposto sobre produtos da cesta básica, inclusive a carne. Corrigindo grande parte da inaceitável injustiça tributária, que aprofundava a desigualdade social em nosso país.”
O economista Ricardo Gonçalves, do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE), e doutorando de Economia na Unicamp, salienta que a isenção do IRPF sem a compensação teria efeito concentrador, porque mesmo as pessoas de maior renda teriam um desconto de R$ 5 mil no pagamento do imposto.
“Toda vez que aumenta a faixa de isenção por si só, sem mudar a tabela progressiva de imposto de renda, gera um efeito concentrador. A minha preocupação é que, além das faixas de 27,5% [hoje alíquota máxima) tivesse outras taxas mais elevadas para as pessoas mais ricas, para ter essa compensação.”
A economista Clara Brenk, professora da UFMG e coordenadora da área de política fiscal do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP, concorda com a necessidade de combinar a isenção com o aumento da tributação sobre quem tem mais renda. “Isso faz com que a gente tenha uma redução da desigualdade”, pondera.
Brenk traçou os distintos perfis econômicos de quem se beneficia com a isenção e quem terá de pagar mais impostos. “A gente olhou aqui pelos dados da PNAD [Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar] e mais de 70% dessas pessoas que ganham até R$ 5 mil são trabalhadores. Ao contrário de quando a gente olha para quem ganha acima de R$ 50 mil por mês, quase a metade são donos de empresas”.
O economista João Leme concorda que a reforma da renda terá “efeito distributivo”. “A progressividade tributária não só é uma coisa que é boa por ser moralmente correta, mas também por ser uma determinação da própria Constituição. Ter uma estrutura de tributação progressiva faz com que, de fato, a gente consiga ter um maior bem-estar social. As pessoas que podem mais pagam mais.”
O presidente da Unafisco, Mauro Silva, ressalva que um número muito pequeno de pessoas tem renda acima de R$ 50 mil e terão de pagar mais IRPF. “Se eu for considerar aqueles que hoje declaram como rendimento tributável mais de R$ 50 mil, aí eu acho que não dá nem 100 mil pessoas”, estima.
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