Negócios
“Fusão com a Mobly é o abraço dos afogados”, diz fundador da Tok&Stok
Regis e Ghislaine Dubrule tinham o hábito de almoçar juntos todas as segundas-feiras na loja da Tok&Stok da marginal Pinheiros, em São Paulo. Ele, conselheiro, e ela, CEO, aproveitavam para circular pelo espaço e estreitar os planos para tentar recuperar a empresa de móveis e decoração fundada por eles em janeiro de 1978.
Mas essa rotina foi interrompida em 17 de julho quando o conselho de administração aprovou a destituição de Ghislaine Dubrule do comando da Tok&Stok. Votaram pela saída da CEO o chairman, Fernando Borges, que representa a controladora da empresa, a gestora SPX, e o conselheiro independente Roberto Szachnowicz.
A partir desse dia, a relação entre a família Dubrule e a SPX, que assumiu a operação de private equity do Carlyle no Brasil em 2021, entrou em rota de colisão. A implosão desse relacionamento ocorreu há um mês, em 9 de agosto, quando a Mobly e a SPX se acertaram para fusão com a Tok&Stok.
“A Mobly é uma empresa que, desde que ela existe, é um avião caindo. Nunca ganhou dinheiro”, diz Regis Drubrule, fundador da Tok&Stok, ao NeoFeed. “Somos contra o negócio porque a gente quer salvar a Tok&Stok, porque estamos convictos que conseguimos salvar com o aumento de capital, que é isso que foi a nossa divergência.”
A partir do anúncio da fusão com a Mobly, a família Dubrule, como acionista minoritária, entrou na Justiça para desfazer o negócio que o controlador vinha tentando há um ano. “Quando reunimos tudo, nessas três semanas, a Mobly estava ressuscitando. E a SPX disse: esquece o aumento de capital, vamos fazer a fusão”, afirma Dubrule.
Esse tudo a que o fundador da empresa de móveis e decoração se refere era um acordo com os bancos feito pela família para levantar R$ 100 milhões e fazer um aumento de capital na Tok&Stok, uma operação que Dubrule detalha o passo a passo nesta entrevista.
Ao conseguir a aprovação dos bancos, após anuência da SPX, segundo Dubrule, foi requisitada a assembleia para aprovação da capitalização. Ele e Szachnowicz aprovaram a proposta, mas a gestora não mandou representante.
A partir desse ponto, na visão da família Dubrule, começa uma série de irregularidades cometidas pela SPX. A assembleia para destituir o conselheiro independente, a convocação de outra para indicar um substituto e o não reconhecimento do aumento de capital. E, por fim, uma reunião extraordinária que indicaria emergência financeira.
Além dessa sequência, a família Dubrule questiona o fee de R$ 20 milhões pago aos bancos pela transação com a Mobly. “Ignorar o nosso aumento de capital foi uma irregularidade. Ignorar a questão do fee foi uma irregularidade. Não é normal ter um fee desse tamanho pago pela Mobly. Tem ainda recursos. Não estamos por cima no momento, mas estamos vivos.”
Em uma rara entrevista, Regis Dubrule conta ao NeoFeed se sente arrependimento de ter trazido um sócio-controlador, responde sobre cada um dos executivos que passaram pela companhia, fala o que pensa sobre a Mobly, a desgastada relação com Fernando Borges e a SPX e por que não abandona tudo e vai para a Riviera Francesa.
“O Fernando falou para mim em uma reunião: “não entendo por que vocês não vão para a Riviera Francesa e abandonam isso tudo?” Eu respondi: “porque eu não sou você”, conta Dubrule. “Ele não consegue imaginar que, para nós, não é a questão emocional, que existe. A gente acredita. É uma tristeza ver a empresa desaparecer.”
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
A família Dubrule se arrepende de ter acertado a venda da Tok&Stok para o Carlyle em 2012?
Não gosto de dizer arrependimento, porque isso já faz 12 anos. Não dá para se arrepender de coisas tão antigas. E também porque tinha um plano, de venda e sucessão. Tenho cinco filhos e todo o nosso patrimônio estava na empresa. Eu já tinha passado dos 60 anos, não queria ter de repassar um negócio complicado, porque o varejo não é fácil, apesar do nosso sucesso. Passamos por diversas crises, planos econômicos, inflação, etc. Não é fácil. E nós dois [ele e Ghislaine] conseguimos passar. Repassar todo o patrimônio em uma empresa é difícil. A ideia era fazer um IPO, antes de vender. Seríamos diluídos, mas manteríamos a gestão, mesmo com participação minoritária.
A ideia do IPO foi antes da negociação com o Carlyle?
Isso. Aí tentamos vender para um fundo uma participação minoritária, em 2007. Fizemos um processo competitivo com o Rothschild, mas me desgostei porque estávamos bem avançados com um fundo brasileiro, muito bom, mas acontece que eles queriam a governança corporativa, apesar de serem minoritários. Eles colocaram tanta coisa que me senti amarrado e no fim achei perigoso, não valia. Depois aconteceu a crise e pensamos em vender o controle porque assim, pelo menos, venderíamos a governança a um valor maior. E vamos ajudar a fazer esse IPO que não conseguimos fazer, porque nenhum desses fundos quer entrar para ficar. Fizemos um processo competitivo com o BTG e o Carlyle não foi que ofereceu o maior valor.
“Ainda estamos contando que não vamos perder a empresa”
Então, por que a foi a gestora escolhida?
Porque eles gostavam da Tok&Stok, da cultura, de tudo o que eles não gostam mais e não respeitam. Mas no início respeitaram tanto que a Ghislaine se ofereceu para ser a CEO. Eles concordaram em ficar até dois anos e ela ficou quase cinco. E respeitaram absolutamente a companhia. Tínhamos divergência às vezes, mas nada relevante. Foi muito bem com o Carlyle. Havia um outro fundo, que estava com uma proposta nitidamente melhor, porém queria assumir no dia seguinte, que a gente saísse de uma vez. Não queríamos perder a empresa, era dividir com eles [investidores] e fazer o IPO, que acabou não acontecendo por tudo o que aconteceu nos anos seguintes. Mas lamentar? Eu vou lamentar mesmo se a gente não conseguir sair dessa situação inexplicável que estamos hoje. Ainda estamos contando que não vamos perder a empresa.
Por que a família Dubrule é contra a fusão com a Mobly?
A Mobly é uma empresa que, desde que ela existe, é um avião caindo. Nunca ganhou dinheiro. Conseguiram fazer um IPO brilhantemente, capturaram R$ 800 milhões há três anos e está sobrando R$ 150 milhões. Na última apresentação, conseguimos ver que no primeiro semestre deste ano queimaram R$ 70 milhões de caixa. Eles vão se espatifar mesmo. Com a Tok&Stok, eles querem se amarrar nas sinergias.
Os números são bem robustos.
Colocaram sinergias que vão entre R$ 70 milhões e R$ 130 milhões. Nós acreditamos em R$ 50 milhões. Mas vamos imaginar que o número deles está certo. Vamos pegar a média de R$ 100 milhões de captura. Eles estão queimando R$ 140 milhões de caixa por ano. Então, no melhor dos casos, vão parar de queimar caixa. E a Tok&Stok? Não é um avião que está embicado para baixo, é um avião que está muito fragilizado, mas o resultado está positivo. A Ghislaine estava chegando no resultado positivo. O mês de agosto deve ter sido excelente, julho já estava melhor.
“A Tok&Stok não é um avião que está embicado para baixo, é um avião que está muito fragilizado, mas o resultado está positivo”
No ano passado, a receita tinha sido de pouco mais de R$ 1 bilhão e o plano este ano era chegar a R$ 1,5 bilhão. Vai chegar?
Não vai chegar a R$ 1,5 bilhão, mas não vai ser muito longe disso. Mas o mais importante é o resultado. Porque no ano passado foi um prejuízo importante, mas neste ano vai ter um lucro miserável em relação à dívida. E um Ebitda entre R$ 10 milhões e R$ 20 milhões. Logicamente que, com a dívida que está, é insuportável. Mas, no curto prazo, passa. A dívida já foi reperfilada e em 2024 não tem nenhum vencimento. Inclusive vai terminar o ano com um caixa de R$ 100 milhões novamente.
Mas a fusão não faz sentido?
De um lado está a nossa empresa que tem o muro da dívida chegando e que está tentando endireitar as coisas, e os outros que vão vir na sinergia vão interferir em toda a operação. Por exemplo, no centro de distribuição de Extrema. Eles querem colocar tudo lá. Mas mexer em um centro de distribuição em um momento como estamos hoje é pior que uma mudança porque prejudica a operação. E não podemos nos permitir não faturar, já vimos esse filme no momento de mudar para lá. Tivemos de voltar para São Paulo porque não funcionava. Esse é um dos exemplos das sinergias que não funciona com duas empresas independentes. A nossa convicção é que eles precisam das sinergias, então não podiam demorar.
Mas e a fusão?
Podemos até imaginar um cenário. Deixa a Tok&Stok se consolidar e depois a fusão, um dia, para nós seria pensável se eles não tivessem essa queima de caixa e se nós tivermos em uma situação boa. Mas você pega duas empresas como estão… Somos contra o negócio porque a gente quer salvar a Tok&Stok, porque estamos convictos que conseguimos salvar com o aumento de capital, que é isso que foi a nossa divergência.
Qual foi a proposta da família que a SPX desconsidera?
Temos um aumento de capital na empresa, trazendo R$ 100 milhões, que dizemos que vamos trazer, e temos dívida na empresa que pode ser convertida em capital. Então é um aumento de capital de R$ 210 milhões. Fizemos uma reunião de conselho, que foi convocada conforme os estatutos da empresa, por dois conselheiros, eu e o independente, Roberto [Szachnowicz], e foi evidentemente apresentada ao Fernando Borges, da SPX, que não compareceu. Depois ele fez uma assembleia geral demitindo o Roberto, uma nova reunião do conselho apresentou um novo conselheiro e fez uma RE [reunião extraordinária] para conseguir fazer a fusão com Mobly, em uma sequência.
Quais são os erros nesse processo, na sua visão?
Primeira anomalia: ele desconsiderou a nossa reunião, que foi feita conforme os estatutos, está registrada na Junta Comercial e eles nem impugnaram. E, segundo, fizeram essa RE, que só pode ser feita em emergência, para consenso de pagamento. Fizeram a RE, mas não tem nenhuma emergência. A Tok&Stok está muito fragilizada, porque não tinha resultado, mas está melhorando, não queima mais caixa. O problema é o ano que vem e o seguinte, quando vai ter de pagar os vencimentos da dívida. Nós realmente achamos que temos de fazer um acordo com os bancos.
De que maneira seria esse acordo?
No nosso aumento de capital, pedimos 90 dias para apresentar aos bancos, porque em todo caso eles têm de concordar. Já tínhamos feito reuniões anteriores com os bancos há três meses. Para nós, a Tok&Stok é salvável. Montamos vários cenários de business plan e estamos confiantes que a gente consiga recuperar a empresa e daqui a três, quatro anos, quando vencerão todos os principais da dívida, a gente terá resultado suficiente para convencer investidores a colocar mais recursos na empresa ou até nós mesmos.
“Estamos dispostos a assumir o controle, mas não é o que queremos. Queremos salvar a empresa. E um acordo de acionistas para poder definir o CEO e manter as boas práticas para recuperar a empresa”
A família Dubrule quer recuperar o controle da Tok&Stok?
O Fernando sempre fala que nós fizemos isso porque queremos o controle. Mas não é. Propusemos o aumento de capital e queremos que eles participem. A gente quer salvar a empresa. E queremos que eles participem para dar mais recursos para a companhia garantir o futuro. Mas eles não quiseram. Porque eles têm um medo danado da Tok&Stok. Eles querem sair, desinvestir. Estamos dispostos a assumir o controle, mas não é o que queremos. Queremos salvar a empresa. E um acordo de acionistas para poder definir o CEO e manter as boas práticas para recuperar a empresa.
Quando vocês souberam da venda para a Mobly?
Faz um ano que estavam tentando um negócio com a Mobly. Mas tiveram problemas porque o conselho dos alemães que controla a empresa estava em sérias dúvidas em fazer a fusão com a Tok&Stok que, apesar da boa imagem que tinha, carregava essa dívida. Andava, não andava. No momento em que não andava, o Fernando disse pra nós: “então compra a minha participação?” Eu respondi: “não quero comprar, quero pôr dinheiro na sua companhia. Põe como a gente”. Ele disse: “não vou pôr, me dilua”. O que isso quer dizer, faz um aumento de capital.
Que é a proposta de vocês que está sob análise da Justiça.
Foi o que fizemos. Mas quando chegamos dizendo, ok, vamos pôr. Ele: “vai falar com os bancos”. Fomos falar há três meses. E chegamos a um acordo com os bancos, mas os bancos disseram: “quem define é o controlador. Como vocês estão com eles?” Nós dissemos: “muito bem, ele que nos falou para vir falar com vocês”. Mas quando reunimos tudo, nessas três semanas, a Mobly estava ressuscitando. E a SPX disse: esquece o aumento de capital, vamos fazer a fusão. E começou a desandar tudo.
Você se decepcionou com o comportamento do Fernando Borges e da SPX nesses últimos tempos?
Mas totalmente! Porque o Fernando só tem a visão dele. Não é da empresa. Ele está indiferente à Tok&Stok, que não é o nosso caso. O que quero dizer é que a nossa única visão é salvar a companhia de uma forma, com eles ou sem eles. Eles, não. Querem sair porque não acreditam mais. E não acreditam porque colocaram a companhia nessa situação. Eles falam que a Ghislaine não trouxe o resultado esperado, mas eles tiveram seis anos para demolir e, reconstruir tudo em um ano, é difícil. Estamos percebendo que está melhor. Em agosto, as vendas foram 30% acima do orçamento, pelo jeito. Mas não estou certo.
“Eles [SPX] querem sair porque não acreditam mais [na Tok&Stok]. E não acreditam porque colocaram a companhia nessa situação”
Por quê?
Porque não consigo ver os números neste momento. Me cortaram de tudo. Vamos conseguir ver o resultado do trimestre. É fraca a palavra desapontar, porque cortar a Ghislaine era desnecessário. Mas, tudo bem, vamos admitir que estávamos em rota de colisão. O Fernando não tem interesse na companhia, quer sair e virar a página. Write off.
Qual é a sua avaliação do Roberto Szachnowicz, um conselheiro que votou pela destituição da Ghislaine como CEO, portanto contra a família. E depois pelo aumento de capital na companhia, contra os interesses da SPX?
Minha avaliação é que quando o Roberto votasse contra a SPX ele seria destituído. E a visão que se tinha era que tinha coisa mais importante pela frente. Não que a Ghislaine não fosse algo importante, mas era reversível. O Roberto, que aprendi a conhecer cada vez melhor, estava tentando ver o que era o melhor para a companhia. Às vezes, estávamos alinhados, em outras não totalmente. Mas, no fim, ele estava contra o negócio da Mobly. Ele percebeu, porque era uma evidência. Pega a imagem do avião. Eles vão nos derrubar. Ou vão se derrubar sozinhos.
Mas, com a aprovação do Cade à fusão, a Mobly assumiu a Tok&Stok.
Eles não sabem tocar a Tok&Stok. Se soubessem tocar, porque a Mobly não é uma Tok&Stok? Eles compram de fornecedores de produtos, são commodity. E eles vão aplicar isso na Tok&Stok, que tem os seus próprios produtos. A gente não deixa vender a terceiros, mas os deles vendem para outros clientes, outras lojas. Não funcionamos assim. Tivemos reuniões com eles, que disseram que vão lançar produtos próprios, para melhorar a marca. Faz 10 anos que estão nesse negócio, porque descobriram hoje que tem de fazer isso?
É uma questão emocional?
Não é a questão emocional, somente. É a questão da credibilidade, da competência.
“Consideramos eles culpados de tudo o que aconteceu, então por que vamos ter de comprar?”
Em um cenário que a Justiça atenda o pedido da família Dubrule, como será o dia seguinte? Como será o clima com a SPX e a conversa entre vocês?
Não garanto pelo lado de lá, mas acho que tem acordo. Sempre falamos, o responsável disso é o Carlyle [SPX], não queremos comprar você. Queremos pôr dinheiro na companhia. Consideramos eles culpados de tudo o que aconteceu, então por que vamos ter de comprar? Hoje, poderíamos admitir e dizer: podemos fazer um acordo para vocês saírem dignamente, isso sim é uma das alternativas. Se for razoável, porque sabemos que há o aspecto da responsabilidade E como eles têm pavor da Tok&Stok, eles desconfiam.
Qual é o clima atual?
O clima hoje é: difícil ficarmos juntos. Não tanto por nós, mas por eles. Quando falamos que íamos pôr dinheiro na empresa, eles falam: “eles não vão. Falam isso, mas não vão pôr o dinheiro”. Não é verdade, não faz nenhum sentido. Eles falam porque não acreditam mesmo na Tok&Stok e acham uma loucura. O Fernando falou para mim em uma reunião: “não entendo, por que vocês não vão para a Riviera Francesa e abandonam isso tudo?” Eu respondi: “porque eu não sou você”. Ele não consegue imaginar que, para nós, não é a questão emocional, que existe. A gente acredita. É uma tristeza ver a empresa desaparecer. Porque a SPX quer sair do negócio, a Mobly precisa de uma boia para se salvar e a fusão é o abraço do afogado. Mas um acordo a gente consegue. Estamos dispostos a fazer um esforço porque aprendemos. Se tivermos de fazer isso, faremos.
E se for o contrário, se não der certo?
Se não der certo, se não der certo… Não vou dizer. Ainda tenho ideias, mas que não posso falar porque não sei se vai dar certo. Mas não vamos abandonar tão já para ver se conseguimos vingar nossa posição. Se realmente virmos que não temos opção nenhuma, a gente talvez busque outra solução. Mas não vamos desistir tão rápido de abandonar a Tok&Stok. Vamos achar a solução.
Pelo que você falou, se a Mobly está assumindo a gestão, a família Dubrule enxerga que a destruição de valor da companhia pode ser grande?
Com o Fernando a gente está tentando o acordo. E uma das coisas que a gente fala é que temos de fazer esse acordo antes que seja tarde demais. Não queremos recuperar uma terra arrasada. E você tem toda razão: tem um limite. Esperamos que tudo seja reversível. Estamos trabalhando com a hipótese de que vamos voltar. Vai dar certo.
“Uma das coisas que a gente fala é que temos de fazer esse acordo antes que seja tarde demais. Não queremos recuperar uma terra arrasada”
Quem foi a maior concorrente da Tok&Stok?
Durante os primeiros cinco anos nunca fizemos propaganda e a Tok&Stok funcionou porque não existia nada igual. E pretendo ainda não existe nada igual no Brasil. Mas tiveram tentativas diversas. No início perdemos funcionários e fornecedores para nos copiar. E nenhum deles sobreviveu. O maior que tivemos foi a Etna, que também fechou. Eles tinham dinheiro demais, até. Mas não foi bem administrada. Fizeram tudo enorme, de uma vez só. Nós crescemos aos poucos. Tínhamos lojas grandes porque fechávamos a pequena para fazer uma maior. Não queríamos ter muitas lojas. Foi um crescimento orgânico, devagar. E eles entraram de uma vez, sem experiência nesse business e perderam muito dinheiro. A Etna sempre perdeu. Podia, porque a família [Kaufman, dos controladores da Vivara] tinha muito. Não vou dizer que fazia mal [o negócio de móveis e decoração], porque me assustou. Foi o maior concorrente.
Como foi esse período de concorrência acirrada?
O interessante é que eu acho que foi a época que a Tok&Stok mais cresceu. Sabe por quê? Porque sempre fomos um negócio um pouco sozinho e para muita gente essa coisa [de móveis e decoração] era diferente. Quando teve a Etna, que fez muita propaganda, imediatamente as pessoas iam na Etna e visitavam a Tok&Stok, então aumentou o fluxo, aumentou a visibilidade da marca. Foi uma coisa muito boa. Mas acho ainda melhor eles não estarem mais (risos).
Por que os cinco executivos que comandaram a Tok&Stok não deram certo?
Pegando por ordem. O caso do [Luiz] Fazzio, que era um executivo que tinha muita experiência em hipermercado e corte de custos. Afinal, qual é a diferença de um mercado para o nosso negócio? Lá eles vendem a marca de todo mundo e só tem de ter uma operação logística muito boa, reposição de estoque, preço e custos. Ele entrou no Carrefour para salvar o Carrefour, que estava numa crise violenta. Ele era muito bom nisso. E entrou na Tok&Stok e aplicou a mesma regra: começou a cortar custos. Não estou brincando, ele cortou de tudo. E o que fazia diferença. Ele achava que as nossas coisas eram frescuras.
“O Carlyle queria fazer o IPO. Nós também, estávamos bem alinhados com o Carlyle, sem dúvida, mas não com o método”
Não houve transição?
A Ghislaine pensava em fazer uma transição de seis meses para explicar todos os detalhes, mas ele aceitou ela cinco dias. E tirou fora, dizendo: “vou resolver isso melhor”. Porque tinha de melhorar os custos e melhorar o resultado porque o Carlyle queria fazer o IPO. Nós também, estávamos bem alinhados com o Carlyle, sem dúvida, mas não com o método. Esse é o primeiro, que pediu demissão sozinho. Ele abandonou e só deixou a história de corte: de custos e até das árvores nas lojas.
As árvores são as frescuras a que você se refere?
Tínhamos árvores bonitas, para dar um ar natural nas lojas e ele cortou. Porque são frescuras que ele não entendia. Da mesma forma, a Ghislaine mostrava as prateleiras para ele, todas divididas por cor. Mas qual é a cor que mais vende?, ele perguntou. Preto. Então faz tudo preto. Tinha de funcionar por giro e o nosso business não é só isso. Tem os dados racionais e os estéticos e emocionais. Essa mistura do toque e do estoque, a emoção e a razão. O tok são os valores da emoção e da estética e o estoque são os racionais. E como ele tinha cortado muita da cultura, os que o sucederam nunca conheceram a Tok&Stok como era. Isso foi um problema.
Depois do Fazzio veio o Ivan Murias.
Sim. O primeiro foi o cortador de custo, o segundo foi o estrategista errado. Ele comprou uma empresa de tecnologia, para transformar a Tok&Stok em uma empresa de tecnologia e entrar na bolsa de valores como uma empresa de tecnologia. Os múltiplos eram muito melhores. Era 30 vezes o valuation de uma empresa de varejo. Então, tinha esse objetivo de transformação. O chairman da Tok&Stok [Daniel Sterenberg] na época nos vendeu e fazia sentido. De novo, estávamos de acordo em nos parecer mais tecnológicos. Pode ser, mas o meio…
O que deu errado?
Compramos essa empresa, porque estava difícil contratar pessoas de tecnologia. Veio essa startup e começamos a trocar tudo. Mas tudo funcionava. E ficamos com um site que não funcionava mais e sem a nossa operação de logística e gestão de loja. O sistema que tínhamos era um sistema colcha de retalho, mas totalmente adequado, integrado na operação, desenvolvido em casa. Fizemos um novo centro de distribuição em Extrema, para ter incentivos fiscais, mudamos para lá com o novo sistema que não funcionou. Aí foi a catástrofe. Veio a pandemia, não conseguimos entregar nada. A pandemia atrapalhou? Sim. Teria nos atrapalhado? Sim. Mas jamais como atrapalhou, porque não funcionava mais nada. O segundo foi o estrategista errado.
E o terceiro executivo?
Depois apareceu o Octávio Lopes, era um CEO de sucesso, fez a Equatorial, um IPO de sucesso. Era o nome ideal para levar o IPO para frente. Mas ele não entendia nada de varejo. Esse nunca tinha colocado os pés. Não tinha noção e não tinha modéstia, sinceramente, de saber que ele não sabia. Todo mundo pode não saber, mas ele não sabia que não sabia. Por exemplo, ele falou para nós que éramos bem-vindos para ajudar e disse: “vou chamar vocês”. Respondemos que estávamos à disposição. Nunca nos chamou. E, de novo, a cultura da empresa tinha desaparecido. Ele veio com a proposta de montar novas lojas, mas a gente via que a Tok&Stok estava se endividando, que estava mal. E ele ainda avisou do IPO, pisou no acelerador e abriu 20 lojas, de um novo modelo [Studio], que fechamos quase todos. Sobra uma na Paulista e uma em Brasília. E fez um monte de bobagens, acelerou e aí a dívida… incrível como vai rápido. Ele se deu conta e foi embora, para a Light.
O sucessor dele foi justamente o chairman, o Daniel Sterenberg, certo?
Veio o chairman, que surtou. O Fernando Borges sempre nos culpa: “vocês falam que somos nós, mas vocês quiseram ele. Eu tinha falado que não ia dar certo”. É verdade. Mas por que a gente falou? Porque cada vez ia se buscar o melhor do ramo, o melhor profissional, com currículo perfeito. Mas não aprendemos? Foram três em seguida e cada vez vamos cometer o mesmo erro, com alguém que não sabe nada. Nós temos alguém, que é o Daniel. E ele quer. Teve a mudança no Carlyle, no momento em que foi para a SPX. Ele quer e conhece, gosta da Tok&Stok. Foi ele que levou o deal para o Carlyle. E conversando com ele, a gente entendia que ele sabia o que tinha de fazer.
Novamente, o que deu errado?
Ele entrou lá, se perdeu, entrou em depressão e sumiu. Ficou sete, oito meses. Isso eu reconheço que o Fernando falou com a gente: ‘olha, ele não vai dar certo. Ele é do business de private equity, que se toma uma decisão a cada dois anos. No melhor dos casos, uma por ano. No varejo, você tem de tomar 10 decisões por dia. Ele não vai aguentar. Eu conheço ele bem”. Ele falou certo. Não conseguiu. As pessoas chegavam com pressão, de ter de fazer. Ele entrou em uma empresa muito mal. Não é ele que causa o problema, ele simplesmente não conseguiu endireitar.
Por fim, vem o Roberto Szachnowicz, com a experiência de ter comandado a Etna.
O Roberto apareceu indicado por um amigo, gostei dele e apresentei, mas ele não podia entrar imediatamente. Aí a Ghislaine entrou nessa ponte. E ela percebeu tudo o que tinha de fazer, ela é muito rápida, conhece a operação. Aí vendemos para o Carlyle [SPX] que a Ghislaine tinha de ficar e o Roberto passou a ser do conselho. Fizemos esse entendimento com ele e acho que foi muito melhor. O problema foram os três primeiros: o primeiro que tirou a cultura da empresa, o segundo que fez a estratégia errada e o centro de distribuição e o terceiro que fez a dívida aumentar.
Negócios
Infracommerce faz acordo com bancos e reestrutura dívida de R$ 641 milhões
A Infracommerce anunciou após o fechamento do mercado de segunda-feira, 7 de outubro, um acordo vinculante com seus principais credores – Itaú Unibanco, Santander, Banco ABC Brasil e Banco do Brasil – para reestruturar uma dívida de cerca de R$ 641 milhões, o que representa 85% do seu endividamento total.
Em fato relevante, a empresa anunciou ainda que Ivan Murias deixará o posto de CEO global para ocupar a presidência do Conselho de Administração. Em seu lugar, quem assume é Mariano Oziobala, que comandava a operação da companhia na América Latina.
Além de Murias, a empresa nomeou João de Saint Brisson Paes de Carvalho, que, entre outros postos, é presidente do Conselho de Administração da PDG Realty, como novo membro independente do seu board. A dupla substitui Peter Estermann, do Patria, que presidia o colegiado, e Pedro Jereissati.
“Fui convidado pelos bancos para assumir como chairman e, junto com o João, ajudar nessa nova fase, exercendo outro papel”, diz Murias, ao NeoFeed. “É sinal de que algo de bom foi feito até aqui.”
O movimento dá sequência ao memorando de entendimentos não vinculantes (MOU) divulgado em agosto pela empresa de full commerce na tentativa de alongar suas dívidas. Na época, o potencial acordo acompanhou uma “má notícia” dada pela companhia ao reportar seu resultado do segundo trimestre.
Sob o comando de Murias, que havia assumido como CEO quatro meses antes, a empresa incluiu um impairment de R$ 1,38 bilhão no balanço do período, fruto da série agressiva de M&As da empresa desde o seu IPO, em 2021, o que não foi bem digerido pelo mercado.
“Quando trouxemos à tona o tema da baixa contábil, que por muito tempo ficou encapsulado na operação, não se tratava do começo do problema, mas sim, da solução”, diz Murias, ao NeoFeed. “E esse fato relevante de hoje é a concretização dessa história.”
O acordo em questão será viabilizado pela constituição da Newco, veículo de gestão independente que irá consolidar as dívidas incluídas nessa reestruturação. E que, na prática, se tornará o único credor desse passivo.
A Infracommerce amortizará R$ 420 milhões do total de R$ 641 milhões por meio da dação em pagamento (uso de um ativo para quitar parte de uma dívida) à Newco das suas ações de emissão na New Retail Limited – o braço por trás dos seus negócios na América Latina –, que representam 83,6% do capital social nessa operação.
Nessa composição, o saldo remanescente da dívida, estimado em cerca de R$ 221 milhões, será usado posteriormente pela Newco em uma emissão de debêntures privadas que serão subscritas e integralizadas pelos bancos credores. E que terá vencimento de cinco anos a partir da sua data de emissão.
Segundo o fato relevante, as debêntures serão mandatoriamente conversíveis em ações ordinárias de emissão da Infracommerce e o preço por ação será equivalente à média ponderada do volume de papéis da empresa negociados nos 30 pregões anteriores.
O acordo abre ainda a possibilidade de adesão de outros credores considerados relevantes. E traz o compromisso dos quatro bancos credores de não tomarem qualquer medida judicial ou extrajudicial contra a empresa até a conclusão das obrigações previstas em seu plano de reestruturação.
Murias destaca que, com essa readequação da estrutura de capital, fruto de negociações que se estenderam por seis meses, a empresa afasta definitivamente qualquer risco de recorrer a uma recuperação judicial ou extrajudicial, algo que vinha sendo ventilado no mercado.
“Com o compromisso de conversão da dívida remanescente em equity, na prática, mesmo que por meio da Newco, é como se passássemos a ter esses quatro bancos como acionistas”, diz. “É um voto de confiança de que a estrutura de capital está acertada e também na gestão e no potencial do negócio.”
A Infracommerce também negocia um novo financiamento de até R$ 70 milhões, dividido em três tranches, junto à Geribá Investimentos, conforme informou em fato relevante divulgado no início de setembro. A expectativa é de que esse acordo seja fechado nos próximos dias.
“Há uma crença de que quem chegou teve a sabedoria de dar um passo atrás e construir um caminho de saída”, afirma o executivo. “Ao mesmo tempo, isso só foi possível porque os credores entenderam que essa gestão e esse board não foram os responsáveis pelo contexto por trás dessa crise.”
Equívocos e correções de rota
O executivo ressalta os méritos de Kai Schoppen – fundador da Infracommerce, a quem substituiu como CEO – e de seus pares, especialmente no roteiro que levou a empresa ao IPO, em maio de 2021. Mas aponta os erros cometidos após a oferta, que trouxe R$ 902 milhões para o caixa da companhia.
“A Infracommerce é uma empresa de prestação de serviços, que integra soluções de parceiros”, diz Murias. “E, com esse caixa generoso e a Selic em baixa, o grande equívoco foi acreditar que poderia desenvolver sua própria tecnologia.”
Em sua visão, ao eleger os M&As como o atalho para essa virada, a empresa também cometeu erros. Além do preço das aquisições e dos juros que, posteriormente, pesaram sobre o balanço, ele observa outra herança crítica associada a essa alocação desenfreada e equivocada dos recursos.
“A companhia trouxe diversas soluções, mas a integração desse portfólio ficou fora do radar”, diz. “E isso criou um desequilíbrio brutal, já que a empresa arrecadava como prestadora de serviços e alocava capital como uma desenvolvedora de tecnologia. E isso teve sequência com os follow ons pós-IPO.”
Na contramão dessa orientação, ele destaca que a operação na América Latina, comandada, até então, por Oziobala, seu sucessor, sempre foi tocada com o viés mais centrado em serviços e “muito pé no chão”. O que resultou em sistemas unificados, menos complexidade e resultados mais saudáveis.
Já no Brasil, após sua chegada e com o apoio da Bain & Company, Murias adotou medidas para começar a estancar os riscos. A empresa entregou um dos dois andares que ocupava no Centro Empresarial Nações Unidas, na zona sul de São Paulo, e demitiu cerca de 30% do seu time, especialmente no C-Level.
A Infracommerce também fechou quatro dos seus sete centros de distribuição, além de buscar a renegociação de preços e condições de contratos que representavam 35% de sua carteira, dada a percepção de que muitos desses clientes eram deficitários. Essa última etapa já foi concluída.
Ele ainda enxerga margem para potenciais reduções na área usada pelos centros de distribuição mantidos na operação. Bem como para novos cortes, na ordem de 10% a 15% da equipe, mais centrados no time operacional.
Outro passo em execução envolve a integração das tecnologias e ativos incorporados nos últimos anos. Esse processo passa também pela redução do número de parceiros que compõem o portfólio em áreas como pagamentos e logística, outro legado dos M&As realizados.
A ideia é eliminar a complexidade de opções à disposição dos clientes e tornar essa oferta mais eficiente e acessível. Em alguns casos, diz ele, 80% da carteira adotava a solução de um parceiro, enquanto os 20% restantes usavam outras alternativas do portfólio.
“Em pagamentos, por exemplo, nós operávamos com 9 parceiros. Vamos concentrar em três”, diz. “Vamos migrar para alguns pacotes principais que, por sua vez, vão nos permitir ser mais flexíveis e repassar parte dessa eficiência para o preço na ponta.”
Esse trabalho conta com a participação de Luiz Pavão, cofundador da Infracommerce, que foi nomeado como novo general manager da companhia no Brasil em setembro. Membro do conselho da empresa na América Latina, ele estava afastado do dia a dia da operação desde 2022.
“Quando cheguei, pedi para falar com pessoas que participaram dessa história e o Pavão foi uma das conversas mais lúcidas que tive”, conta Murias. “Lá atrás, ele criticou e se mostrou descrente na tese de crescimento inorgânico acelerado e acabou se afastando. Ter ele de volta é muito emblemático.”
Com esse reforço e o plano de zerar boa parte dos desafios operacionais para ingressar em 2025 pronta para se concentrar na retomada do crescimento da empresa, a estimativa é de que muitas das ajustes em curso sejam concluídos nos prazos de 30 a 60 dias.
Se o prazo estimado para finalizar essa etapa é curto, tudo indica que a Infracommerce tem um longo caminho a percorrer para recuperar a confiança do mercado.
Cotadas a R$ 16 na época do IPO, as ações da empresa fecharam o pregão da segunda-feira, 7 de outubro, na B3 cotadas a R$ 0,16, queda de 5,88% sobre o pregão anterior. Os papéis acumulam uma desvalorização de 91,3% em 2024, dando à companhia um valor de mercado de R$ 102 milhões.
Negócios
Risco de recessão nos EUA cai para 15% e pouso suave da economia fica mais próximo
O Goldman Sachs melhorou as suas perspectivas para o desempenho da economia americana neste ano e reduziu as chances de recessão do país em cinco pontos percentuais, para 15%.
A mudança de rota ocorreu após o Departamento de Trabalho dos Estados Unidos divulgar, na sexta-feira, 4 de outubro, que a criação de vagas de emprego aumentou em ritmo acelerado em setembro, atingindo 254 mil novos postos de trabalho no período. Essa foi a maior alta dos últimos seis meses.
Com a taxa de desemprego atingindo 4,1%, os dados acalmaram o medo do mercado de que a demanda por mão de obra estivesse mais fraca do que o esperado. Na visão do economista-chefe do Goldman Sachs, Jan Hatzius, o relatório “reestruturou a narrativa do mercado de trabalho”, afirmou o executivo em um relatório.
Com a nova perspectiva, o banco manteve sua previsão de que o Federal Reserve fará cortes consecutivos de 0,25 ponto percentual até que atinja uma taxa de 3,25% a 3,50% em junho de 2025. “Agora, vemos um risco muito menor de outro corte de 50 pontos-base”, disse Hatzius.
A opinião do banco vai de encontro com a perspectiva do mercado. De acordo com a ferramenta FedWatch do CME Group, 95,2% dos especialistas acreditam que o corte de novembro virá na casa de 0,25 ponto percentual. Antes do payroll, esse número estava em 71,5%.
“De forma mais ampla, não vemos razão óbvia para que o crescimento do emprego seja medíocre em um momento em que as ofertas de emprego são altas e o PIB está crescendo fortemente”, completou Hatzius.
Porém, a visão positiva não define resultados. No dia do anúncio, o presidente do Fed de Chicago, Austan Goolsbee, afirmou que os dados efetivamente vieram muito bons, mas que o banco central não pode reagir ao resultado de um dado isolado. O comentário foi feito à Bloomberg TV.
Segundo ele, o próprio Fed não sabe qual será a taxa neutra de juros na qual deverá se fixar. Porém, a maioria dos membros do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) sugere que a taxa atinja essa meta entre 2,5% e 3,5%.
Apesar das perspectivas positivas, outubro não deve ser um mês tão positivo quanto setembro, já que a temporada de furacões pode impactar o mercado como um todo, na visão do Goldman.
Negócios
Inteligência artificial ajuda mineração a “explorar” novas fronteiras
Todos os dias, trens da mineradora Vale circulam por cerca de 2 mil quilômetros de ferrovias, levando toneladas de minério de ferro, manganês e cobre, entre outros materiais. As duas estradas de ferro, sob concessão da companhia, operam em dois sentidos. Em um deles, as composições saem das minas com destino às usinas de beneficiamento. No outro, os vagões retornam vazios, para serem carregados novamente.
Em alguns pontos, a via é de mão única. É o caso da ponte sobre o rio Tocantins, na Estrada de Ferro Carajás, que liga a cidade de Parauapebas, no Pará, e o Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, no Maranhão. Nessas condições, é preciso escolher qual dos trens vai parar para que o outro passe.
Até 2020, essa decisão era tomada pela equipe de funcionários da mineradora. “Os operadores tinham uma norma tácita de sempre parar o trem vazio”, conta Alexandre Altoé Pigatti, head de inteligência artificial e democratização da Vale, em conversa com o NeoFeed. O motivo: o acionamento do veículo carregado, depois da pausa, gastaria mais combustível. Até que a inteligência artificial (IA) entrou em jogo e surpreendeu os humanos.
“A IA identifica situações em que é melhor parar o trem carregado. Isso ocorre, por exemplo, quando ele está em um perfil de rampa compensada que seja declive. Nessa situação, a quantidade de diesel necessária para retirar o trem carregado da inércia pode ser menor do que para movimentar o vazio que por sua vez está num aclive”, explica Pigetti.
Dependendo do que for decidido em uma primeira parada, a tecnologia faz recomendações sobre como deve ser a dinâmica do restante do percurso.
Este caso é um dos muitos que mostram como a IA está transformando a mineração. Nos últimos sete anos, a ferramenta vem sendo usada para as mais diversas funções.
Desde as atividades administrativas, como a geração de relatórios, até as mais delicadas, como aquelas que exigem a exposição de funcionários a situações de risco, como o desmoronamento de uma rocha.
“A base de tudo está na capacidade que a inteligência artificial tem de correlacionar dados e apresentar conclusões que ajudam na tomada de decisão. E isso pode ser aplicado em inúmeras frentes”, afirma Tiago Fontes, diretor de ecossistema e marketing da Huawei do Brasil — a companhia chinesa é uma das maiores fornecedoras de equipamentos para redes e telecomunicações do mundo. “Como consequência, ganha-se em segurança, eficiência, sustentabilidade e economia de tempo e dinheiro.”
Determinadas atividades minerárias oferecem risco, como a operação de veículos gigantescos, a ida a áreas remotas (muito altas ou muito subterrâneas) e o transporte e o manejo de materiais que se contam às toneladas. Agora, essas funções começam a ser realizadas pelas máquinas — ou, pelo menos, com o suporte delas.
Um caso: depois de extraído, o minério precisa passar pelo britador. Trata-se de um equipamento gigantesco que quebra o material em pedaços menores, para facilitar o transporte. Embaixo dele, fica outra estrutura, chamada sapata, que recebe essas porções que foram partidas.
Faz parte do procedimento normal, entre uma etapa e outra uma pessoa entrar embaixo da sapata para verificar se as peças estão todas no lugar. “Por mais que isso só seja feito com equipamentos de segurança, existe sempre um risco de acidente”, diz Pigetti.
Desde 2021, quem realiza essa função é uma câmera de última geração. Programado, o equipamento identifica com acurácia possíveis danos ou erros de ajustes. Quando alguma coisa não está de acordo, a máquina soa uma alarme. Só então, um funcionário é designado a ir até a sapata para fazer o reparo.
Dispositivos que identificam problemas, aliás, estão entre as primeiras soluções de IA nas minas. Em 2017, a Vale colocou em uso detectores de possíveis danos em pneus fora de estrada, os caminhões enormes que fazem o transporte do material minerado.
Eles acusam, por exemplo, o risco de furo, antes do pneu furar, economizando assim alguns milhões de reais. Além do gasto com o reparo, o custo de parar a operação quando algo importante quebra é altíssimo. “Hoje, os modelos conseguem predizer um rasgo, por exemplo, com até duas semanas de antecedência”, afirma Pigetti.
Atualmente, os caminhões fora de estrada funcionam com diversas outras funções orientadas por IA. Entre elas, recomendações aos operadores sobre as melhores velocidades por trecho. Assim é possível não só evitar acidentes, como otimizar o consumo de combustível e reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
Fora das minas
A IA também continua operando para fora das minas. No porto, antes de abastecer um navio, é preciso avaliar a umidade em que o minério que será transportado se liquefaz para, assim, ajustar as condições do ambiente. Esse procedimento evita que a carga derreta e provoque o afundamento da embarcação durante o trajeto.
Antigamente, essa medição era feita exclusivamente em laboratório em uma análise que podia durar até três horas. Só depois do resultado, a carga era liberada. Um prejuízo e tanto, já que, por hora, são carregadas 16 toneladas de minério de ferro. Desde 2020, o cálculo de umidade é feito por IA, que emite o resultado em minutos, evitando que a operação fique parada.
“O teste continua sendo realizado no laboratório, apenas para fins burocráticos e, em 97% dos casos é exatamente o mesmo daquele identificado pela máquina”, garante Pigetti. Segundo a companhia, os ganhos com as soluções de IA já ultrapassaram os R$ 300 milhões.
A IA também tem facilitado o trabalho nos escritórios. Sistemas de democratização de tecnologias permitem que usuários dos mais variados cargos usem aplicativos de suporte. Alimentados com manuais técnicos, por exemplo, assistentes virtuais emitem gráficos, relatórios, preparam material para reuniões e respondem perguntas específicas como normas técnicas.
Tecnologias assim agilizam o trabalho e evitam que uma pessoa abra mão de tempo criando algo ou executando uma tarefa mais elaborada para fazer algo que pode ser delegado a um robô. Mais do que isso: essas ferramentas ajudam a suprir a carência que o setor tem por algumas funções dentro e fora da mina.
“Hoje em dia, faltam profissionais em diversas áreas da mineração. Os jovens não querem mais ocupar atividades de risco ou que exigem ir a campo”, afirma Bartira Carvalho, gerente de vendas regional na Datamine, fornecedora de softwares para mineração, compartilha da opinião. “Existe ainda uma carência de mão de obra especializada e que pode ser suprida por tecnologias que carregam histórico de dados complexos.”
Junto com as facilidades, porém, vem o receio de perder postos de trabalho humano para as máquinas. “O medo está em quem vê a IA como fim e não como meio”, diz ao NeoFeed, João Camilo Costa, head de soluções digitais da Innomotics, empresa que desenvolve e fornece soluções em eletrificação, automação e digitalização para a mineração.
E ele completa: “Há quem diga que o ser humano vai ser completamente substituído pela IA. Na minha opinião, quem vai desaparecer são as pessoas que não têm a tecnologia como aliada”.
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