Negócios
O pessimismo na economia já não se limita ao arcabouço fiscal, advertem analistas
Uma combinação de notícias negativas impulsionadas pelos prováveis efeitos na economia global causados pela vitória de Donald Trump na eleição presidencial americana e a deterioração do quadro fiscal brasileiro elevaram a pressão sobre o governo federal.
A promessa de anunciar um pacote para assegurar a viabilidade do arcabouço fiscal em 2025 pode trazer um alívio, mas as chances de que as medidas em estudo consigam ser suficientes para reverter o pessimismo que tomou conta do mercado são muito baixas. Neste cenário, o crescimento da dívida pública e o provável aumento do câmbio tendem a agravar a crise fiscal brasileira no médio prazo.
O mesmo diagnóstico foi citado por três grandes nomes da economia nacional – Henrique Meirelles, Pedro Jobim e Carlos Viana de Carvalho – que participaram de dois painéis diferentes do Investment Managers Forum, evento promovido pelo banco UBS na segunda-feira, 11 de novembro.
Meirelles, ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central, que participou do painel de abertura, lembrou que a vitória de Trump, com a promessa de elevar as tarifas de importação, deve afetar o comércio global, com impacto no País.
Segundo ele, o Brasil deve sofrer com as consequências da eventual piora da guerra comercial entre EUA e China, cujo modelo de crescimento atual se baseia nas exportações e terá ainda dificuldade de lidar com a retração da economia global gerada pelas tarifas americanas mais elevadas e, como consequência, a alta do dólar.
“O Brasil será afetado com o aumento das tarifas porque dependemos da exportação de commodities, ou seja, isso apenas reforça a necessidade de o País fazer o dever de casa, com um ajuste fiscal”, diz Meirelles.
Embora reconheça que o governo tem consciência de que precisa cortar despesas, Meirelles se mostra pessimista: “O adiamento do anúncio das medidas mina um pouco a confiança, pois expõe a disputa interna no governo, não acredito que o que for anunciado seja suficiente para reverter a expectativa de desancoragem da inflação.”
O impacto maior, adverte, é no médio prazo. “O crescimento da dívida pública é insustentável, sem dúvida é o maior problema que enfrentamos”, diz Meirelles. Ele citou o alerta divulgado recentemente pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que trabalha com modelo diferente da equipe econômica quanto ao crescimento da dívida pública.
De acordo com o FMI, a dívida pública brasileira está saindo de um patamar de 81% em relação ao PIB para atingir 91% do PIB no próximo mandato presidencial. “Os mercados tendem a reagir e isso deve reduzir o apetite de investimento externo no País”, prevê.
Mãos atadas
O resultado da eleição americana também foi visto como decisivo para aumentar o pessimismo com a política fiscal brasileira no segundo painel, que teve participação de dois economistas de mercado: Pedro Jobim, economista-chefe e sócio fundador da Legacy; e Carlos Viana de Carvalho, head de research na Kapitalo Investimentos.
Jobim observa que o modelo fiscal adotado pelo governo Lula3 fez subir muito a despesa obrigatória. A limitação de crescimento dos gastos determinado pelo arcabouço fiscal, por sua vez, deixou pouca sobra para as despesas discricionárias, deixando o governo de mãos atadas.
“Se o governo não cortar pelo menos R$ 40 bilhões de despesas discricionárias no ano que vem, não haverá arcabouço em 2026”, adverte Jobim. Ele diz que as perspectivas para os próximos dois anos não são boas, citando a expectativa de desaceleração econômica da Europa e da China com as tarifas de Trump.
Jobim ressalta ainda que o déficit de conta corrente em dólares tende a crescer (“pouca gente discute isso”) e o BC deverá elevar a Selic acima de 0,5 ponto percentual na próxima reunião.
Segundo ele, o BC está “atrasado” no ajuste da Selic, já deveria ter subido antes, o que explica sua aposta em aumento de 0,75% da Selic na próxima reunião do Copom: “Acredito que a Selic deverá ficar próxima de 15% nos próximos 18 meses, para colocar a inflação na meta.”
Carvalho, que foi diretor do banco Central entre 2016 e 2019, também se mostrou pessimista. Ele desenhou três cenários possíveis, sendo um bastante improvável, com o governo mudando a direção da política macroeconômica.
“Nos outros dois cenários, o governo pode frustrar a expectativa do mercado, com trajetória ascendente da dívida, o que deve gerar uma crise no curto prazo; ou empurrar as medidas com a barriga, neste caso o efeito vai depender da reação do mercado”, diz.
Ele não descarta uma crise aguda no curto prazo, alimentada pela expansão fiscal do governo buscando a reeleição em meio a um aumento do câmbio por causa do cenário externo.
“Qualquer reação positiva ao pacote tende a ser efêmera”, acredita. “Aumentar os juros não chega a ser problema para o presidente Lula, o que ele não aceita é reduzir o crescimento, por isso será difícil reverter a tensão que o mercado vive hoje”, conclui Carvalho.
Negócios
Imposto extra para rendimentos acima de R$ 50 mil já freia a corrida aos títulos isentos
A procura por ativos isentos de imposto de renda ficou menos intensa nos últimos dias. Após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciar a possibilidade de taxar em até 10% os rendimentos que ultrapassam os R$ 600 mil por ano (ou R$ 50 mil por mês), a recomendação dos advisors é ter mais cautela com esse tipo de ativo.
O motivo? Se taxado, o investimento isento de imposto de renda pode ter rendimentos bem piores do que a renda fixa não isenta. A grande questão é que o tributo incide em cima do rendimento, o que não isentará ativos que tenham sido comprados antes da mudança de regra ser aprovada.
Essa mudança coloca à mesa a insegurança em relação à precificação dos ativos. Isso ficou expresso na falta de interessados no leilão “Rota da Celulose”, que prevê a concessão de trechos de rodovias estaduais e federais totalizando 870,3 quilômetros pelo período de 30 anos.
Previsto para acontecer no início de dezembro, o leilão foi adiado para o primeiro trimestre de 2025. Na visão do governo, esse foi um movimento natural em razão da volatilidade do mercado e das taxas futuras de juros terem subido muito.
Mas fato é que os investidores também passaram a calcular o impacto do (provável) novo imposto. Se aprovado, ele incidirá em 2026 e trará um novo componente de análise para a composição da carteira: de onde vem a maior fonte de renda do investidor.
Pelo que foi apresentado até agora, a ideia é que os investidores paguem um IR mínimo de 10%, considerando rendas tributadas (títulos não isentos e salários) e não tributadas (títulos isentos e dividendos). Quem estiver abaixo dessa alíquota, pagará o imposto complementar.
Isso significa que, dependendo da fonte de renda do investidor, ele está mais longe ou mais perto dessa marca. Enquanto os investidores CLT já são tributados em 27,5% na fonte (alíquota para renda acima de R$ 4.664,68), os empresários têm rendimentos mensais por dividendos de suas empresas, que são isentos. E os empresários que já venderam as suas companhias e vivem de rendimentos precisam estar atentos ao mix entre isentos e não isentos para não cair em uma alíquota inferior a 10% e ter taxação extra.
“O fator peso da fonte de renda passará a ser importante na decisão de investimento. Quem é CLT terá mais espaço para ter isentos na carteira do que aquele que tem sua fonte de renda em dividendos”, afirma Odilon Costa, estrategista de renda fixa e crédito privado do grupo SWM, com cerca de R$ 7 bilhões sob custódia.
O novo imposto na ponta do lápis
O especialista fez uma simulação de quanto aumentaria a carga tributária de investidores para quem tem rendimento anual de R$ 1,2 milhão e compartilhou com exclusividade com o NeoFeed.
Foi levado em conta as informações passadas até agora pelo governo de que o imposto extra incidirá sobre os rendimentos acima de R$ 600 mil por ano para quem tiver uma alíquota efetiva menor que 10%.
A carga tributária para a renda fixa não isenta considerada foi de 15%, elegível para investimentos com mais de dois anos. Não foi considerada a hipótese de tributação de dividendos na fonte – algo que ainda está em discussão.
O primeiro exemplo é um executivo CLT que recebe R$ 1 milhão de salário anual e ainda tem de rendimentos R$ 100 mil em renda fixa isenta e outros R$ 100 mil em títulos não isentos. Ele não seria afetado pela medida, pois sua alíquota efetiva seria de 24,2%. Sendo assim, pagaria R$ 290 mil por ano de imposto.
Já um empresário que ganha R$ 1 milhão por ano em dividendos da sua empresa e tem mais R$ 200 mil de rendimento dividido entre a renda fixa isenta e a não isenta, sua alíquota efetiva é de 1,3%. Sendo assim, seu imposto adicional seria de 8,7%. Ele passaria a pagar R$ 120 mil de imposto por ano, R$ 105 mil a mais do que pagava sem a alíquota extra.
O último exemplo é de cliente que vive dos seus rendimentos. O montante de R$ 1,2 milhão dele está dividido igualmente: metade em renda fixa isenta e metade em não isenta. Sua alíquota efetiva é de 7,5%. Portanto, teria um imposto adicional de 2,5% e passaria a pagar R$ 120 mil por ano – R$ 30 mil a mais do que antes da nova tributação.
Agora, se esse mesmo investidor que vive de rendimentos tivesse todo o seu patrimônio alocado em renda fixa isenta, ele não hoje não paga imposto nenhum e passaria a pagar R$ 120 mil por ano.
Se fosse ao contrário e esse investidor tivesse rendimentos apenas de renda fixa não isenta, a sua alíquota mínima já seria de pelo menos 15% – seguindo a tabela progressiva de imposto de renda da renda fixa – e não sendo afetado pelo imposto extra.
Odilon Costa alerta que os rendimentos dos títulos isentos, como LCI/LCA, CRI/CRA e debêntures incentivadas são menores no mercado exatamente pela isenção fiscal.
Se essa isenção for reduzida de uma alíquota de 15% para a 10%, segundo a proposta do governo, esses papéis já deixam se ser atrativos frente a CDBs e debêntures tradicionais, por exemplo.
“Ainda há muita incerteza se isso irá passar dessa forma para precificar novas emissões, mas já se gera a dúvida da atratividade no futuro”, diz o especialista da SWM.
“Sendo assim, principalmente quem está com uma carteira dependendo apenas de rendimentos isentos deveria pensar em diversificar e aumentar essa alíquota efetiva”, complementa.
A explicação é que os títulos isentos disponíveis no mercado possuem rentabilidade líquida similar à dos seus pares isentos. E o imposto retido na fonte, na prática, já é deduzido da rentabilidade de ativos comparáveis, embora a alíquota retida na fonte seja maior.
Negócios
Donald Trump convoca “time do Vale do Silício” para ser protagonista do governo
O Vale do Silício está ganhando cada vez mais protagonismo dentro do novo governo do presidente eleito Donald Trump, seja recebendo cargos na administração ou tendo vozes (e ideias) incorporadas na agenda política da nova administração, que toma posse em 20 de janeiro.
Na quinta-feira à noite, 5 de dezembro, Trump anunciou em sua conta na rede social Truth Social a escolha do investidor de venture capital David Sacks para ser o “czar” da Casa Branca para inteligência artificial (IA) e criptoativos.
Na postagem, o presidente eleito afirmou que Sacks atuará para “tornar os Estados Unidos um claro líder das duas áreas [IA e cripto]” e que ele também vai “proteger a liberdade de expressão online e nos afastará dos vieses e censura das big techs”.
Sacks é sócio da Craft Ventures, gestora de VC que ele co-fundou em 2017, focada em empresas early stage. Entre os investimentos que a empresa já realizou estão Airbnb, Uber e Slack.
Fundador da rede social corporativa Yammer, vendida em 2012 para a Microsoft por US$ 1,2 bilhão, e que foi descontinuada no ano passado, Sacks também foi diretor de operações do PayPal. Ele é parte do chamado “PayPal Mafia”, grupo informal de ex-funcionários e fundadores da empresa de pagamentos que saiu para criar uma série de novos empreendimentos. Entre seus membros estão Peter Thiel e Elon Musk.
Conhecido também pelo podcast “All-in”, lançado em 2020, Sacks é visto como um conservador dentro do Vale do Silício e um apoiador de Trump. Em junho, ele organizou um evento para levantar recursos para a companhia e discursou durante a convenção do Partido Republicano, em julho, que confirmou a nomeação como candidato à presidência dos Estados Unidos.
Sacks é mais um integrante do Vale do Silício a ganhar espaço na administração Trump, numa mudança de tom de parte dos integrantes do universo da tecnologia dos Estados Unidos, até então visto como alinhado com o Partido Democrata.
O mais proeminente deles é Musk, que entrou de cabeça na campanha do republicano, a ponto de oferecer pagar US$ 1 milhão para eleitores registrados. O bilionário ganhou o cargo de co-presidente do Departamento de Eficiência Governamental, órgão recém criado para cortar custos do orçamento federal.
Prometendo “máxima transparência” na função, Musk já falou que pretende cortar cerca de US$ 2 trilhões dos gastos do governo americano, com o orçamento de 2024 prevendo um gasto total de cerca de US$ 6,8 trilhões.
Quem também estaria tendo bastante influência na composição e no plano do governo Trump é Marc Andreessen. Segundo o jornal Financial Times, o cofundador da Andreessen Horowitz (a16z) estaria usando seus contatos para recrutar pessoas para o Departamento de Eficiência Governamental.
Além de marcar um maior envolvimento de partes do Vale do Silício no governo Trump, a escolha de Sacks é vista como um sinal de que a nova administração será mais favorável às criptomoedas, comparado com o que foi visto durante o mandato de Joe Biden.
Sacks defende regulações mais favoráveis ao segmento e também para o desenvolvimento de IA. Sua chegada, acompanhada pela escolha de Paul Atkins para presidir a Securities and Exchange Commission (SEC, a xerife do mercado de capitais americano), tem ajudado a manter as criptomoedas em alta – na quinta-feira, 5 de dezembro, o bitcoin ultrapassou pela primeira vez a marca de US$ 100 mil.
Negócios
Na B3, balcão mais diversificado leva à elevação de recomendação para a ação
A expectativa de que o Banco Central (BC) iniciaria um novo ciclo de alta da taxa básica de juros fez com que o Bank of America (BofA) rebaixasse, no início de setembro, a recomendação da B3, de compra para neutra, além de reduzir o preço-alvo da ação, de R$ 14 para R$ 13.
Se a retomada da elevação da taxa Selic, confirmada uma semana depois, foi a grande “vilã” para essa atualização da ação, quase três meses depois, ela parece ter um papel de menos impacto no cenário à frente para a bolsa de valores brasileira.
Essa é, ao menos, a avaliação do Goldman Sachs. No caminho inverso do BofA, o banco americano está elevando a recomendação da B3, de neutra para compra, com um preço-alvo de R$ 12 para o papel, o que representa um upside de 23% sobre o preço de tela.
“Embora as ações possam não ter um catalisador positivo no curto prazo, em um ambiente de aumento de juros, achamos que a maioria dos riscos de baixa estão precificados”, escrevem os analistas Tito Labarta, Tiago Binsfeld, Beatriz Abreu e Lindsey Shema.
Apesar de frisar que as negociações estão quase perto de sua maior baixa em nove anos, o quarteto projeta um dividend yield de 10% e ressalta que, com um mix mais diversificado, a B3 depende menos agora das receitas dessa frente, que devem representar menos de 30% do seu resultado neste ano, contra 42% em 2021.
Com a abertura e a ampliação da participação de novos segmentos nesse balanço, o Goldman Sachs destaca que a B3 está caminhando para um crescimento de um dígito na receita em 2024, após dois anos sem crescimento, e tem as melhores margens Ebitda da categoria, acima de 70%.
“Embora as receitas relacionadas a ações permaneçam sob pressão, as receitas de derivativos podem crescer em um dígito médio esse ano e todas as outras linhas de receita devem crescer dois dígitos”, afirma os analistas.
A visão é de que as receitas de derivativos se beneficiaram da maior volatilidade, enquanto as receitas do mercado de balcão (over the counter) foram impulsionadas pela forte atividade de renda fixa e pelas aquisições da Neoway e da Neurotech, que impulsionaram as receitas de tecnologia e de dados, que já representam mais de 20% do resultado.
Ao mesmo tempo, o Goldman Sachs entende que as receitas de negociações devem começar a se estabilizar, em parte, devido às expectativas de um ciclo de aumento da taxa de juros mais brando em comparação com o último ciclo de elevação da Selic.
O banco também aponta que, embora tenham crescido no terceiro trimestre, as despesas devem seguir relativamente sob controle, dado que a B3 se comprometeu a aumentá-las em linha com a inflação, o que deve manter a margem Ebtida estável em 71,2% nesse ano, a “mais alta entre as bolsas globais”.
Ainda nesse contexto, o relatório observa que a B3 tem necessidades limitadas de caixa, o que permite manter uma taxa de pagamento de 100% do lucro líquido na forma de dividendos ou recompras.
O Goldman Sachs adiciona mais um componente nesse balcão para justificar suas atualizações da ação: a avaliação descontada na comparação tanto com os níveis históricos quanto com seus pares, perto das mínimas de 9 ano, com múltiplos P/L de 10 vezes, e 50% abaixo da sua média dos últimos cinco anos.
“Ela também é negociada 54% abaixo das bolsas globais, a 21,6 vezes em média. Da mesma forma, a ação está sendo negociada a 6,8 vezes o EV/EBITDA, 44% abaixo da média de 5 anos, 39% abaixo da média de 15 anos e 52% abaixo dos pares globais, a 14,1x em média”, aponta o relatório.
A perspectiva de uma concorrência mais acirrada, na figura de players como ATG, A5X e Cerc, também é abordada no relatório. Na visão do Goldman Sachs, porém, os riscos embutidos nesse cenário são “administráveis”.
As ações da B3 fecharam o pregão da quinta-feira com alta de 2,19%, cotadas a R$ 9,78. No ano, os papéis registram uma desvalorização de 32,7%, dando à bolsa de valores brasileira um valor de mercado de R$ 52,4 bilhões.
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