Política
O que é e como denunciar violência política de gênero
Em 4 de agosto, a Lei nº 14.192/2021, que alterou o Código Eleitoral e tornou crime a violência política de gênero, completou três anos. A lei estabelece regras jurídicas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher nos espaços e nas atividades relacionadas ao exercício de seus direitos políticos. A norma também assegura a participação de mulheres em debates eleitorais e criminaliza a divulgação de fatos ou de vídeos com conteúdo inverídico durante a campanha eleitoral.
Segundo a norma, serão garantidos os direitos de participação política da mulher, vedadas a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça no acesso às instâncias de representação política e no exercício de funções públicas. “Considera-se violência política contra a mulher toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os seus direitos políticos”, diz a lei.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), do final de 2021 até o momento, foram 215 casos de suposta prática de violência política de gênero acompanhados pelo Grupo de Trabalho (GT) de Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero. Entre os tipos de denúncias, destacam-se ofensas, transfobia, agressões, racismo, violência psicológica, sexual e moral, entre outras.
No MPF, o grupo de trabalho foi formalmente instituído pela Portaria PGE nº 7, de 17 de junho de 2021. A página do GT reúne todas as representações enviadas pelo grupo aos procuradores eleitorais, para que sejam analisadas e tomadas as providências cabíveis.
A procuradora Raquel Branquinho, coordenadora do GT, diz que a Lei nº 14.192 é um marco porque a violência moral, simbólica, econômica, verbal, física, sexual ainda não tinha uma definição. “Isso atrapalhava muito a defesa, a prevenção, o enfrentamento desses atos que, em última análise, afastam as mulheres de ocupar espaços de poder, principalmente na vida política”.
“Essa lei vem conceituar a violência política de gênero como qualquer tipo de ato que, por discriminação em relação ao gênero, afaste ou dificulte o papel e o desenvolvimento das atividades políticas, eleitorais e partidárias das mulheres nos espaços de poder. A violência política contra a mulher é qualquer ação ou omissão que tem a finalidade de impedir ou restringir os direitos políticos femininos nos espaços de poder. A lei transcende um aspecto eleitoral apenas. Ela é mais ampla, vai tratar de combater a violência contra a mulher. É um instrumento que os operadores do direito podem usar como referência quando há discriminação, de violação de direitos femininos”, diz a procuradora.
No site do GT, há orientações de como vários órgãos podem receber denúncias e representações de violência política de gênero. “Ali, a gente tem um passo a passo para encaminhar ao Ministério Público Eleitoral pelas procuradorias regionais eleitorais. Na página da sala do cidadão, do Ministério Público Federal, já recebemos todo tipo de representação e encaminhamos a quem tem atribuição para isso. Além das páginas dos tribunais regionais eleitorais, nas procuradorias regionais, qualquer cidadão e vítima tem que ter noção de que é um tipo penal específico o crime de violência política, que é o artigo 326 B do Código Eleitoral. É um crime federal, então pode procurar a Polícia Federal, o Ministério Público. Quem representar vai receber um número para acompanhamento, para onde foi encaminhada a representação, quais são as providências que estão sendo adotadas.”
Qualquer tipo de violência, principalmente contra candidatas ou detentoras de mandato eletivo, caracteriza crime de violência política de gênero, com pena de um a quatro anos de prisão.
“Quando a gente recebe uma representação, encaminha para quem vai ter atribuição de investigar aquele caso, Ministério Público Eleitoral com a polícia. Ali se abre uma investigação ou, dependendo da situação, pode até apresentar ao Poder Judiciário diretamente, se já tiver as provas. A partir dessa representação e da investigação, é feita uma denúncia. Os juízes vão analisar, abrir oportunidade para o agressor fazer sua defesa e o processo vai tramitar, é um processo criminal, como já tem ocorrido em diversas situações, inclusive com condenações. Nós também, pelo GT, temos estimulado muito a realização de provas de uma forma mais rápida, porque muitas das agressões são feitas por mídias sociais ou por meios eletrônicos que requerem procedimento pericial mais rápido e eficiente a fim de caracterizar quem está fazendo esse tipo de violência”, afirma Raquel.
Segundo a procuradora, o ataque à deputada Marina do MST, em 12 de agosto do ano passado, por bolsonaristas em Nova Friburgo, na região serrana do Rio, configura violência política de gênero. Marina estava na cidade para duas plenárias de prestação de contas de seu mandato, uma no centro e outra no bairro Lumiar. Ela realizou plenária no centro da cidade, mas quando chegou no bairro Lumiar, a deputada e sua equipe foram agredidas fisicamente, com pedras, ovos e garrafas.
“Ofender, atacar, discriminar é uma violência política de gênero sem dúvida. Muitas vezes, esses ataques são feitos em espaços de mídia ou nos espaços públicos, com grande repercussão na sociedade. Isso estimula outras pessoas a criar uma rede de violência contra essas mulheres que ficam expostas. Isso é muito grave e leva à necessidade de elas terem restrição à sua própria liberdade do exercício da atividade política, por não poderem se locomover de um local para outro nos seus espaços de trabalho com segurança e tranquilidade, em razão dos estímulos desses tipos de ataque e discursos de ódio”, diz a procuradora.
“Eu considero que sofri uma violência política de gênero porque faço luta politica a minha vida inteira e sempre fiz coisas muito parecidas com o que a gente foi fazer lá, uma plenária do mandato. Sempre fui a muitas comunidades dialogar com o povo e nunca havia acontecido algo parecido comigo. Fiz a denúncia na Delegacia de Crimes Raciais e Delito de Intolerância e no Ministério Público. Oito foram denunciados e três foram condenados a pagar cestas básicas”, diz a deputada Marina.
As mulheres são 53% do eleitorado, mas ocupam 15% das cadeiras na Câmara dos Deputados, 12% do Senado, 17% das câmaras municipais e 12% das prefeituras.
Política
Violência no pleito de 2024 é mais que o dobro da eleição passada
O carro em que estava uma candidata a vereadora do Rio de Janeiro foi cravejado de balas nessa quinta-feira (3) à noite. Por estar em veículo blindado, ela conseguiu sobreviver ao atentado.
Em São Paulo, uma candidata à Câmara Municipal da capital teve seu carro atingido por 11 tiros. Ela não estava no veículo no momento do ataque, mas passou mal e chegou a ser levada ao hospital.
Em Sumaré, no Interior de São Paulo, dois homens atiraram contra o coordenador da campanha de um candidato a prefeito.
Os três casos, ocorridos de ontem para hoje (4), são uma amostra da violência que marca o pleito municipal deste ano, que já registra um número de casos como esses maior que o dobro em comparação às eleições passadas.
A impressão de que a violência desta vez está maior que nas eleições anteriores é confirmada pela 3ª edição da pesquisa “Violência Política e Eleitoral no Brasil”, feita pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global, divulgada ontem (3).
O relatório revela que o aumento dos casos de violência em 2024 é 130% superior aos das eleições de 2020. Se hoje são registrados 1,5 caso diário de violência política pelo país, em 2020 o resultado era de uma ocorrência a cada sete dias.
Segundo os dados do relatório, já no início da campanha eleitoral eram registrados 1,5 caso de violência eleitoral. No período da pré-campanha deste ano, foram 145 ocorrências, como assassinatos, ameaças, atentados e outros tipos de violência. No período pré-eleitoral de 2020 foram 63 casos oficialmente contabilizados, sendo 14 assassinatos, 15 atentados e dez ameaças.
A coordenadora da Terra de Direitos, Gisele Barbieri, disse que “desde a primeira edição da pesquisa é possível identificar que em anos eleitorais há um acirramento da violência política. Nos casos registrados percebemos uma naturalização da violência política, considerando os altos índices de assassinatos, atentados e ameaças”
Conforme a coordenadora, “a pesquisa ainda identifica que a violência atinge partidos de diferentes espectros políticos e afeta as mulheres de maneira desproporcional”.
Após o primeiro turno das eleições deste domingo (6), os dados do relatório deverão ser atualizados e divulgados. Se forem mantidas as ocorrências atuais, o quadro deve ampliar ainda mais o nível de violência eleitoral no país.
Destaques de violência
Com o objetivo de analisar o contexto político-eleitoral, a partir do monitoramento de como a violência política tem permeado as disputas a cada eleição, interferindo no processo democrático, a série histórica revela que, de 1º de janeiro de 2016 e 15 de agosto de 2024, foram identificados 1.168 casos de no Brasil. O número já contabiliza os dados da nova edição, que analisa tipos de ocorrência, perfil das vítimas, casos por região e também por cor e raça.
Política
Curitiba e Florianópolis: maior acesso a políticas públicas é desafio
Polos de empregos qualificados, com boa renda média e pouco desemprego, Florianópolis e Curitiba destoam da média dos municípios e mesmo de outras capitais brasileiras na capacitação de mão de obra, o que atrai empresas de tecnologia e vagas qualificadas. Isso eleva a pressão imobiliária e as exigências em relação às infraestruturas para o trânsito e para políticas de promoção de igualdade que se somam à pouca tradição local de participação política de minorias, segundo especialistas ouvidos pela Agência Brasil, e constituem temas importantes para a discussão nas eleições municipais de 2024.
A capital de Santa Catarina apresenta dados econômicos que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a posicionam como um município com boa receita bruta (35ª do país, com R$ 3,3 bilhões) e salário médio de 4,4 salários mínimos (décimo maior do país). De acordo com especialistas, um dos problemas é a distribuição desses recursos.
Para o professor de administração pública da Universidade do Estado de Santa Catarina Daniel Moraes Pinheiro, os resultados positivos da cidade acentuam uma tendência que já se observa no país como um todo, que é a baixa taxa de renovação da política municipal. Essa característica de perpetuação de um grupo político no poder diminui a permeabilidade das instâncias participativas a novas ideias e grupos sociais, o que contribui para seu resultado ruim no Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades (IDSC), do Instituto Cidades Sustentáveis, quando analisado o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5, de igualdade de gênero.
“[As] questões de equidade e inclusão passam à margem, pois não são prioridade desses grupos, e a representatividade fica abaixo de cidades com participação mais dinâmica. A gente [sociedade] passou muito tempo concentrando a ideia de democracia na eleição e esquece de perceber a importância de acompanhar e ter voz nas discussões”, avalia Pinheiro.
“Florianópolis ainda está longe de ser uma cidade referência na participação de mulheres em cargos, não só vereadoras. A gente tem visto alguns avanços, têm surgido algumas jovens lideranças, o que acaba inspirando algumas mulheres a surgirem [no cenário político], mas a política ainda é muito voltada para a figura masculina. A gente precisa mostrar a equidade como um valor, nessa e em outras pautas nacionais, como as de raça, um caminho exaustivo e com muitas barreiras”, completa o professor.
Em entrevista à Agencia Brasil, Pinheiro avalia que a discussão eleitoral para a próxima gestão da ilha passa por dois eixos centrais. Um deles é a infraestrutura de mobilidade, tema recorrente nas últimas eleições, piorado pelo fato de Florianópolis “importar” parte considerável de sua força de trabalho, que enfrenta jornadas exaustivas de transporte sem nem ao menos participar dos pleitos municipais, pois são moradores de municípios vizinhos. O outro eixo é a saúde, em que a discussão tem se centrado na fila de exames e na recente abertura de um hospital perto do estádio municipal, com problemas crônicos de acesso em alguns dias.
Para o professor, essas duas questões estão interligadas e “têm de ser pensadas transversalmente”. “É uma capital que ainda que tem boa segurança e um bom nível de qualidade de vida, mas onde os problemas estão voltados para a visão do que é uma cidade boa”, destaca ele, ao apontar um terceiro tema a ser considerado e que não tem sido debatido neste período eleitoral: a questão da desigualdade.
Na avaliação de Pinheiro, Florianópolis é uma cidade que atrai muitas pessoas, mas que não as acolhe. “Não se discute a necessidade de se ter uma cidade mais inclusiva e acolhedora e que enfrenta questões como o aumento da população [em situação] de rua. Tem começado a se discutir sobre internação compulsória, sem se explicar ao que ela leva, mas isso ainda está fora das discussões principais”, analisa.
O professor afirma que essa disparidade irá se concentrar no acesso à saúde, que é uma questão sensível principalmente para as populações de pretos, pardos e indígenas, que enfrentam dificuldades para acessar a rede de atendimentos qualificados na cidade, inclusive especialidades. “Essas populações estão à margem, e isso precisa ser pensado pela ótica da equidade. Gestores precisam pensar em políticas para permitir que essas populações entrem, tenham acesso”, diz Pinheiro, para quem esse problema também está relacionado aos entraves na pluralidade da participação política.
“A cidade tem se ocupado de grandes temas, a questão da saúde e das filas de exame tem preocupado, mas não se discute por exemplo quem é a população que não está acessando, que está fora disso, ao menos [no pleito] para o Executivo. Neste momento, é importante que a população debata, inclusive com os candidatos ao Legislativo, e a falta desse debate impede que se perceba que é um problema da sociedade. Não se debate, não se cria um olhar mais amplo e isso não se torna público”, acrescenta o professor.
A questão do acesso à saúde também foi pontuada pelo professor Douglas Francisco Kovaleski, do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e gestor no Hospital Universitário da UFSC, uma das referências em atendimento de especialidades e emergência na capital catarinense. À época da entrevista à Agência Brasil, na semana de 23 de setembro, ele havia participado de uma reunião do Conselho Municipal de Saúde da cidade. Segundo Kovaleski, a instância tem perdido sua capacidade propositiva, esvaziada pelas gestões recentes.
“Florianópolis já foi, há uma década, uma referência em atendimento básico, com cobertura para toda a população, mas a falta de investimentos tem diminuído essa cobertura. A cidade era referência nacional, mas com a perda de eficiência na rede tem acumulado problemas como longas filas no atendimento secundário [pronto-socorro de hospitais, por exemplo], que deveria se destinar a atendimentos mais graves”, conta.
De acordo com ele, as gestões mais recentes valorizam a privatização do atendimento em saúde, com menos investimento em centros menores e mais próximos da população, o que tende a piorar esse cenário, enfraquecendo alternativas como a Estratégia de Saúde da Família, na qual a cidade já foi referência nacional.
“Soluções como a importância do investimento conjunto com outras cidades da região não têm sido debatidas nessa campanha, assim como o atendimento básico. O atendimento é discutido nas campanhas em geral em termos genéricos. Há proposta de abertura de novo hospital, no norte da ilha, mas isso não é o principal. O investimento em estratégias que tiraram a prioridade da territorialização pressionou a piora em índices de atendimento básico, como vacinação, dengue e afins”, diz.
“A prioridade deveria ser reestruturar a atenção primária, em sua lógica de atendimento direto, ligada ao território e não ao profissional. É um caminho reversível, em curto prazo, desde que seja considerada como prioridade no direcionamento, e é viável, pois a cidade é pequena, com cerca de 500 mil habitantes, e tem uma rede com estrutura bem definida”, completa Kovaleski.
A falta de discussões regionais também se reflete no que o professor da UFSC coloca como outro grande problema da cidade, na área de saúde, que é a mobilidade urbana. A questão é potencializada pela exploração imobiliária, com valores elevados para aluguel e compra e forte influência do turismo sazonal, o que empurra a população para municípios como São José e Palhoça, no continente, e para uma dinâmica também citada por Pinheiro, de deslocamento maciço pelas pontes. “É uma questão de falta de planejamento urbano, com tarifa alta e pouco planejamento, que induz ao uso de transporte particular, o que é ruim. Poucas candidaturas discutem alternativas, como a tarifa zero”, completa.
Curitiba
A capital paranaense tem bons índices de esgotamento sanitário e indicadores consistentes de acesso para saneamento e para urbanização na maior parte da cidade, o que acelerou um processo de valorização dos terrenos e moradias, com a lenta expulsão das famílias de menor renda. A economia local, segundo dados do IBGE, tem a quinta maior receita bruta do país (R$ 11,997 bilhões) e salário médio de 3,6 salários mínimos (43º maior do país).
A cidade é a quarta maior na arrecadação de impostos, distribuídos para uma população que é a oitava do país, aproximando-se de 1,8 milhão de habitantes. A presença de bolsões de pobreza em comunidades como Cidade Industrial, Cajuru e Sítio Cercado pressiona a distribuição igualitária dos recursos e faz com que os índices de educação e saúde não acompanhem os bons resultados econômicos, o que reflete em uma avaliação ruim nos ODS ligados a essa distribuição.
Na área educacional, Curitiba tem o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para anos iniciais em posição ligeiramente melhor (6,0) do que o das outras capitais da Região Sul. No entanto, o indicador não reflete as particularidades em relação ao acesso para pretos, pardos e indígenas, como destaca o o professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Paulo Vinicius Batista da Silva.
Em entrevista à Agência Brasil, ele explica que há uma melhora gradual para o ensino fundamental, mas a cidade ainda enfrenta desafios para a permanência estudantil no ensino médio, o que tem relação com a entrada precoce de jovens no mercado de trabalho, reflexo da renda média baixa das famílias. Falta, segundo Silva, “uma corresponsabilidade, com maior relação com a rede estadual” para diminuir a evasão. O pesquisador destacou que o Ideb não indica de forma eficiente os problemas da rede, e que outros indicadores, como o sucesso ao atingir as metas do Plano Nacional de Educação, são ruins por falta do financiamento necessário à rede pública.
Para o professor, alguns anos atrás havia uma espécie de maquiagem dos dados sociais da cidade, que desconsideravam a população em terrenos não legalizados. Com isso, o plano diretor de Curitiba foi concebido e seguido, mas não considerou as áreas chamadas pelo poder público municipal de invasão, não por acaso aquelas nas quais a pobreza se concentrava, localizada nas regiões industriais, ao sul da cidade. Tais índices poderiam ser ainda piores se considerássemos a dinâmica metropolitana, pois a cidade apresenta uma diminuição contínua no número de matrículas, mesmo em escolas públicas tradicionais.
“Curitiba se desenvolveu empurrando os trabalhadores para a região metropolitana, pois seus eixos de desenvolvimento tornaram bairros proletários bairros de classe média, ao longo dos anos, devido aos eixos saírem do município, um tanto para a área ao norte, mais acessível que a região sul da cidade, que guarda algumas características de região rural. Isso reflete no debate sobre políticas públicas, que é elitizado”, explica Silva.
Na avaliação dele, esse debate diminui a importância das políticas intermunicipais e se reflete na discussão da questão educacional, relegada ao problema, crônico, de acesso a vagas nas creches. “Vários candidatos propõem aumento de vagas, mas isso é limitado pela questão orçamentária. Curitiba tem uma cobertura maior da rede pública do que conveniada, em relação a outros municípios, mas a presença dessa rede indireta é significativa e deveria, aos poucos, ser retirada”, defende.
Outro desafio pouco debatido é como aumentar a atratividade da carreira docente, que tem salários e planos de carreira pouco atrativos, o que tem esvaziado a rede. Outra questão a ser considerada é a pressão, para os docentes, da terceirização, presente na rede estadual e que ronda a rede municipal, segundo a pesquisadora Letícia Mara, que é doutora em educação e pedagoga na UFPR e na rede municipal de Curitiba.
A pesquisadora considera que a rede municipal tem bons resultados e se destaca em relação às demais capitais, mesmo com condições de trabalho piores do que as de uma década atrás. Como resultado, os docentes têm ido para redes próximas, na própria região metropolitana, pois “a rede acaba não sendo atrativa para buscar profissionais”. “Se você não consegue recrutar e manter os professores que você tem, acaba comprometendo, pela rotatividade e precariedade, esse lugar de referência e a formação, nesse processo de qualificação e formação continuada, que vem de muitos anos”, diz ela.
Letícia destacou também que a questão de acessibilidade é presente na rede, principalmente para crianças com dificuldade de locomoção. Ela destaca que equipamentos mais recentes, como os centros municipais de Educação Infantil (Cemeis), tem condições melhores, com estruturas mais adaptadas às deficiências, mas as escolas municipais, em geral, são muito antigas, com crescimento intenso nos anos 1970 e 1980 e redução no ritmo de expansão a partir da década de 1990.
“Nessas escolas mais antigas não se tinha essa preocupação e não existe um plano de acessibilidade que faça frente a esse investimento necessário. As escolas recebem esporadicamente recursos, inclusive de repasse federal, para pequenas obras de acessibilidade, mas isso fica muito aquém do que a gente precisa. Não existe um plano de acessibilidade que encare essa questão como uma urgência, e as ações que são feitas são muito pontuais”, pondera Letícia, ao apontar que o desafio tem se tornado mais urgente com o aumento da procura das famílias pela educação inclusiva em escola regular.
Outro ponto importante e ignorado na discussão da inclusão é a regularização do atendimento pelos profissionais de apoio, categoria inexistente na rede municipal. O acompanhamento das crianças com demandas específicas advindas de deficiências é feito por meio de convênios, por estagiários, que criam um vínculo mais frágil com esse público.
Letícia Mara avalia que a campanha eleitoral não aprofunda o debate público sobre educação, e eventuais mudanças só devem vir com o novo Plano Municipal de Educação, que deve ser debatido em 2025. “A cidade tem recursos, com aumento de arrecadação nos últimos anos, e esses pontos precisam ser considerados como prioridade para que o direito à educação seja plenamente garantido”, completa a pesquisadora.
A saúde também é tema de destaque na cidade e um forte indutor de desigualdades. No caso da mortalidade infantil, segundo dados do IBGE, Curitiba tem taxa de 8,59 óbitos por mil nascidos vivos e ocupa a 3.355º posição no país, de um total de 5.570 municípios. O ODS 2, de erradicação da fome, no qual estão compilados indicadores como a obesidade infantil e o baixo peso ao nascer, tem pontuação de 56,25 (de 100), e há desafios na cobertura vacinal e na cobertura de unidades básicas de saúde, presentes no ODS 3.
Segundo o professor do Departamento de Saúde Coletiva da UFPR Deivisson Vianna, membro da atual gestão da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, apenas 17% da população da cidade tem agentes comunitários de saúde (ACSs) de referência, profissionais considerados cruciais para a manutenção de bons índices de vacinação e de outras estratégias de promoção de saúde, como as necessárias para promover o atendimento pré-natal e pediátrico na primeira infância.
“O ACS verifica a situação da criança ao sair do hospital, a amamentação, a cobertura vacinal, que também está abaixo do ideal no município. A cidade está pagando a conta do baixo investimento na atenção primária. Isso é um tema marginal, de alguns candidatos, na campanha, um assunto que passa desapercebido da população, focada em hospitais e ambulâncias, mas que não percebe o impacto real do atendimento básico”, diz Vianna.
De acordo com o professor, a rede de saúde foi duramente impactada pela pandemia, por uma opção da gestão municipal. Segundo ele, na época do pico da pandemia, cerca de metade das unidades básicas de saúde (UBSs) foram fechadas temporariamente. Quando reabertas, perderam muito de sua capacidade de resolver problemas das populações que as tinham por referência, após a diminuição no investimento nessas estratégias.
“A atenção primária, e toda sua capilaridade [por estarem descentralizadas nos bairros], tem papel fundamental para evitar as desigualdades de acesso, principalmente de populações mais vulnerabilizadas, que sofrem mais com o acesso às estruturas de saúde. A gente não vê no município políticas específicas de saúde com cortes raciais, e a cidade aparentemente entende que isso não é uma questão”, completa Vianna.
“O aumento da demanda tende a piorar o cuidado prestado a essas populações, pois para as populações vulnerabilizadas se exige maior intensidade de tecnologias leves de cuidado, com presença de mais equipes e a capacidade de compreender os problemas de forma intersetorial, articular o cuidado com outras políticas públicas, como a busca ativa”, acrescenta o pesquisador, para quem momentos de maior demanda invertem a lógica de atendimento, que passa a ser de resoluções sintomáticas, para a qual esses grupos sociais acabam escanteados.
Vianna destacou ainda que, na campanha eleitoral curitibana, hoje, a saúde não está no foco principal. As soluções propostas nos programas de governo são genéricas e poucas mencionam a importância do fortalecimento da atenção primária. Os hospital, pronto-atendimento e a urgência e emergência são o foco das propostas.
Política
“Tem muita gente gastando o que não tem”, alerta Lula sobre bets
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a alertar a população sobre o perigo do vício em jogos. Em reunião ministerial nessa quinta-feira (3), ele discutiu medidas de redução dos impactos das apostas esportivas e dos jogos on-line, conhecidos como bets, em casos de dependência e endividamento.
“Tem muita gente se endividando, tem muita gente gastando o que não tem. E nós achamos que isso tem que ser tratado como uma questão de dependência. Ou seja, as pessoas são dependentes, as pessoas estão viciadas”, ressaltou Lula, de acordo com nota divulgada pela Presidência após a reunião.
Desde o primeiro semestre de 2023, o governo trabalha na regulamentação das apostas esportivas e dos jogos on-line.
De acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dois mil sites de bets irregulares podem ser banidos a partir de 11 de outubro. Os endereços dessas plataformas serão bloqueados no Brasil.
Regras
Na quarta-feira (2), a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda divulgou nas versões atualizadas das listas de empresas de apostas de quota fixa, bets (marcas) e respectivos sites que podem continuar funcionando até o fim deste ano em âmbito nacional e estadual. Na lista nacional, há 93 empresas com respectivamente 205 bets. Já as listas dos estados têm 18 empresas.
Ao todo, o governo editou dez portarias para regulamentar as operações das bets.
“São portarias que falam de questões técnicas, sobre o que é o jogo justo, certificação, questões financeiras, utilização obrigatória do sistema financeiro, proibição de cartão de crédito, entre outros. Proteção do apostador em relação a menores, pessoas dependentes, questão de publicidade e a questão dos procedimentos. Monitoramento do sistema, acompanhamento de CPF por CPF do que está acontecendo com cada cidadão brasileiro”, listou Haddad.
Bolsa Família
Outra preocupação do governo federal é com os usuários do bolsa família. Estudos apontam para utilização do benefício para as apostas. Medidas para a restrição do bolsa família para esse fim estão em análise.
Para o ministro Wellington Dias, do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), é preciso cuidado para não condenar o público do Bolsa Família. “É um problema grave, no Brasil inteiro, e é disso que o presidente quer que a gente trate. E estamos adotando medidas, mas tendo cuidado para elas não serem discriminatórias para esse público”, disse o ministro.
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, também participou da reunião ministerial sobre bets e lembrou que o vício em apostas online “é um grave problema de saúde pública em todo o mundo”. “Nós vamos editar uma portaria dos ministérios aqui presentes, exatamente para fortalecer esse trabalho conjunto e mais medidas que se façam necessárias nesse processo de regulação, que é fundamental”, afirmou a ministra.
“Em termos de prevenção, é muito importante o reforço dessa pauta, a educação das crianças e dos jovens no programa Saúde na Escola, que retomamos com o Ministério da Educação. Campanhas educativas também são fundamentais”
Durante a reunião ministerial, foram debatidas ainda formas de combater os crimes cometidos por algumas operadoras de apostas online. Entre eles, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação de impostos e ligação com crime organizado.
A propaganda irregular e ilegal nos estádios de futebol também está em análise, com base no Código de Defesa do Consumidor.
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