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“Overdose” fiscal mobiliza equipe econômica e engessa mercado

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Tempo de Leitura:5 Minuto, 3 Segundo


Truncada por um feriado com a paralisação dos mercados nos EUA pelo Dia de Ação de Graças na quinta-feira, 28 de novembro, e queda na liquidez global e local, a quarta semana do mês será pautada pela política fiscal que volta a ser protagonista no Brasil após a conclusão da intensa agenda da Cúpula do G20.

As medidas que preveem corte de gastos seguem em destaque no Executivo, enquanto o Congresso, que ainda precisa votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a proposta de Orçamento para 2025, deve apressar os trabalhos para, em seguida, deflagrar a contagem regressiva para o recesso parlamentar que tem início em 23 de dezembro e termina em fevereiro.

Em breve, portanto, o clima será de fim de festa e novembro deverá desembarcar do calendário com uma “overdose” de dados fiscais a ser disparada a partir de sexta-feira, 22 de novembro, com a divulgação do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas no 5º bimestre.

Ocasião em que bloqueio e/ou contingenciamento de despesas podem ser anunciados, mirando o cumprimento da meta fiscal fixada em zero neste ano, mas com a possível utilização da margem de tolerância de déficit equivalente a 0,25% do PIB (R$ 28,8 bilhões este ano) autorizada pelo arcabouço fiscal. Na quinta-feira, 21 de novembro, o ministro Fernando Haddad antecipou que, desta vez, haverá um bloqueio de R$ 5 bilhões no Orçamento.

Se não sofrer atraso pela recorrente mobilização de servidores por reajuste salarial e estruturação de carreiras, o Tesouro divulgará na quarta, 27, o Relatório Mensal da Dívida Pública de outubro. E, no dia seguinte, 28, o resultado das contas do governo central – critério que reúne Tesouro, Banco Central e Previdência. Na sexta-feira, 29, é a vez de o BC publicar o desempenho das contas públicas consolidadas. Também de outubro.

Insumo para uma miríade de projeções de mercado, todos esses documentos são relevantes. Porém, neste momento, o pacote de medidas de corte de gastos, que deve mirar 2025 e 2026, é um concorrente de peso.

É imensa a expectativa no mercado com essas medidas que já passaram por prolongada discussão dentro do governo, capitaneadas pelo presidente Lula, mas com desfecho atropelado pela Cúpula do G20. A reunião de chefes de Estado e de Governo, além de privilegiar obviamente uma agenda global, deslocou para o Rio de Janeiro a base do governo brasileiro que tende a estar novamente alinhada para uma semana “cheia”, na segunda, 25 de novembro.

É fato que as propostas para limitar a expansão das despesas podem ser anunciadas a qualquer momento. Mas sob o risco de serem ofuscadas pela arrecadação federal – divulgada na quinta-feira, 21 de novembro – renovando recordes. Em outubro, a expansão real foi de 9,77% e, em dez meses, de 9,69%, saltando a R$ 2,182 trilhões.

Trâmite no Congresso recomenda cautela

Embora amplamente aguardadas, as medidas de corte de gastos terão longo caminho a percorrer para se tornarem efetivas porque deverão ser encaminhadas ao Congresso na forma de Proposta de Emenda à Constituição e Projeto de Lei – sinalização dada há tempos pelo ministro Fernando Haddad.

Esse trâmite congressual conhecido sugere, a priori, que as propostas dificilmente serão aprovadas a toque de caixa ou na íntegra. Porém, prevalece a expectativa de que as medidas reforçarão a âncora fiscal tendo, portanto, uma repercussão positiva, avaliam economistas de instituições financeiras. No mínimo, porque o prometido terá saído do papel.

Já o impacto nos preços dos ativos poderá ser limitado, dada a demora do governo em obter consenso entre os ministros, sobretudo da área social e militar, para amarrar as decisões. E pela necessidade de análises mais detalhadas das medidas por especialistas do mercado e da academia.

Nesse contexto, a expectativa é de que efeitos do anúncio do pacote nos preços dos ativos sejam pontuais. E as atenções deverão se concentrar no dólar que segue forte no exterior, ante a escalada do conflito Rússia-Ucrânia. Fator que leva bancos e consultorias a revisarem suas projeções sem esboçar, por ora, confiança no fortalecimento do real.

Mas as revisões também levam em conta incertezas fiscais locais e, adicionalmente, a mutação em curso nas duas maiores economias do planeta. A China tem anunciado estímulos fiscais pesados à atividade, mas sem convencer investidores de que conseguirá dar fôlego ao PIB que perde tração.

Os EUA, por sua vez, trocarão de governo, em 20 de janeiro, com Donald Trump fortalecido pela conquista da Câmara e Senado pelo Partido Republicano – uma composição de poder que reforça o perfil protecionista e expansionista em termos fiscais e inflacionário da nova gestão.

Em meio a essa somatória de eventos, as projeções para o dólar avançam e arrastam prognósticos para juro e inflação. Embora a última edição da Focus aponte estimativas medianas de, respectivamente, R$ 5,55 e R$ 5,48 para o final de 2024 e 2025, instituições não descartam R$ 5,70 para os dois períodos.

Esse patamar já foi incorporado aos cenários da XP, LCA e Itaú Unibanco que justifica o ajuste – vindo de R$ 5,40 para 2024 e R$ 5,20 em 2025 – “por incertezas fiscais locais somadas às externas, com perspectiva de um dólar mais forte globalmente e a despeito do aumento do diferencial de juros”.

Diferencial em expansão apesar da perspectiva de corte mais lento e provavelmente menor do juro americano pelo Federal Reserve a ser compensado, porém, pela alta prolongada ou mais forte da Selic pelo Banco Central do Brasil.

Nos EUA, a resiliência da economia não apressa cortes. No Brasil, a desancoragem das expectativas de inflação, que flerta com 4,8% em 2024 e até 5% em 2025, incentiva a alta da Selic ao refletir câmbio pesado e atividade robusta com aumento do PIB para até 3,3% ou mais este ano. E queda menos acentuada no próximo.

Resultado: a curva de juros indica que a Selic poderá arranhar 13% ao final do ciclo de aperto monetário, mantendo distante a “melhor” aposta para a retomada de cortes – outubro de 2025. Antessala do eleitoral 2026.



Fonte: Neofeed

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Trump escolhe um “xerife” para o mercado defensor das criptomoedas

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Trump escolhe um “xerife
Tempo de Leitura:2 Minuto, 36 Segundo


A Securities and Exchange Commission (SEC), entidade que é considerada o xerife do mercado de capitais, vai ser comandada por um defensor das criptomoedas. O presidente eleito Donald Trump acaba de escolher Paul Atkins para comandar a entidade.

“Paul é um líder comprovado para regulações de bom senso”, disse Trump, em uma publicação em sua rede social, a Truth Social. “Atkins também reconhece que ativos digitais e outras inovações são cruciais para tornar a América maior do que nunca.”

Atkins foi comissário da SEC de 2002 a 2008, quando decidiu sair e fundar a Patomak Global Partners, uma consultoria em gestão de riscos. Durante sua trajetória, o executivo se tornou próximo de especialistas do setor, que elogiaram a indicação de Trump.

A expectativa do mercado é de que, ao tomar sua cadeira na SEC, Atkins abra caminhos para as criptomoedas e suas ramificações. Em um podcast no ano passado, ele afirmou que a rede regulatória fragmentada dos EUA aumenta custos e pode criar regras que dificultam a inovação.

Para ele, a SEC “deve estar atenta para acomodar atividades que não sejam criminosas e permitir que os mercados prosperem, porque, se desafiarem os incumbentes e ajudarem a reduzir custos para investidores e para quem busca levantar capital, essa é a razão pela qual temos mercados financeiros”, afirmou Atkins no podcast.

Esse posicionamento vai na contramão do que o atual presidente da SEC, Gary Gensler, tem feito. Ao longo de seu mandato, Gensler adotou uma abordagem dura de regulamentação e fiscalização, combatendo tanto empresas tradicionais de Wall Street quanto negócios que envolviam criptomoedas.

Em três anos, o executivo processou algumas das maiores empresas de criptomoedas e se recusou a criar novas regras específicas para ativos digitais, argumentando que muitos tokens deveriam ser considerados valores mobiliários e que as leis existentes eram suficientemente claras. Em sua visão, o setor é como um “velho oeste”, repleto de fraudes e riscos para investidores.

“Os últimos quatro anos sob o comando de Gensler foram uma cruzada anticripto ininterrupta”, disse Kristin Smith, CEO da Blockchain Association, ao Financial Times. “Paul Atkins trará uma nova perspectiva, ancorada em um profundo entendimento do ecossistema de ativos digitais.”

Apesar de ser a favor das criptomoedas, o executivo criticou o PCAOB (Conselho de Supervisão Contábil de Empresas Públicas), órgão que regula empresas de contabilidade e é supervisionado pela SEC.
Lynn Turner, membro do grupo consultivo de investidores do PCAOB, afirmou que a nomeação de Atkins é o pior cenário possível para o órgão.

Trump também nomeou Gail Slater, assessora de alto escalão do vice-presidente eleito JD Vance, para chefiar a divisão antitruste do Departamento de Justiça.

A expectativa em relação a Slater é de que a executiva mantenha postura rigorosa contra práticas de monopólio defendida por autoridades do governo Biden, especialmente em relação às big techs.

Trump declarou, diversas vezes, que as big techs “estão fora de controle há anos, sufocando a concorrência em nosso setor mais inovador, enquanto usam seu poder de mercado para reprimir os direitos de muitos americanos”.

Atkins e Slater ainda precisam ser confirmados pelo Senado dos Estados Unidos.



Fonte: Neofeed

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Brasil em crise fiscal, Argentina em alta e EUA mais fortes sob Trump, segundo o Andbank

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alex fusté andbank
Tempo de Leitura:12 Minuto, 4 Segundo


Ao usar o pacote de cortes de despesas para anunciar uma isenção fiscal para quem ganha até R$ 5 mil por mês, o governo brasileiro fez mais do que emitir um sinal equivocado ao mercado: afastou ainda mais o capital estrangeiro, o que significa uma clara desvantagem em um mundo onde há enorme liquidez – de ao menos US$ 9 trilhões – à espera de portos seguros para investimentos.

O alerta é do espanhol Alex Fusté, economista-chefe do Andbank, grupo financeiro especializado em private banking. Com sede em Andorra e presente em 11 países, o Andbank detém o equivalente a R$ 210 bilhões sob gestão no mundo.

Fusté vê o atual governo reprisando os erros de comunicação com o mercado dos tempos de Dilma Rousseff. Segundo ele, a política fiscal expansionista da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva não é, em si, um entrave.

“Os países nórdicos investem muito em gastos sociais e suas economias funcionam muito bem”, diz Fusté, nesta entrevista ao NeoFeed. “O problema é utilizarmos todos esses grandes gastos em políticas com pouco retorno econômico ou financeiro.”

O economista cita a política de contração fiscal adotada pelo argentino Javier Milei como case de sucesso e contraponto à política de Lula, com redução pela metade do custo de financiamento do governo argentino e aumento de reservas internacionais.

Fusté dedicou boa parte da entrevista, porém, para falar de sua expectativa do novo governo americano sob Donald Trump, a partir de janeiro. Ele não crê na adoção de uma política linear americana de tarifas de importação e sim aplicadas a alguns países para alcançar determinados objetivos políticos.

Os países mais visados, segundo diz, serão os que não praticam economia de mercado e recorrem a subsídios que desequilibram a competição, como a China. “Tudo o que um país tem de fazer é cumprir certas normas do mercado livre para evitar sobretaxação de tarifas”, diz, criticando o “receio exagerado” da política tarifária de Trump.

Fusté também alertou para a situação da União Europeia, pressionada pela crise fiscal da França e econômica da Alemanha. Para o economista, nem o temor de sofrer sobretaxação de suas exportações para os EUA, principal parceiro comercial europeu, levará o bloco a assinar o tratado de livre comércio com o Mercosul.

“Estamos negociando esse acordo há duas décadas e ainda estamos presos a diferenças importantes”, diz, citando a oposição do setor agrícola francês ao Mercosul. “Isso significa que a assinatura não é iminente e deve demorar”, acrescenta, contrariando o otimismo brasileiro de um desfecho para o tratado no encontro de cúpula dos dois blocos, esta semana, em Montevidéu.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Alex Fusté:

As medidas anunciadas no fim de novembro pelo governo federal para cortar despesas e obter o equilíbrio fiscal não foram bem recebidas pelo mercado. Qual é a sua avaliação da situação fiscal atual do Brasil?
O governo precisa ter um discurso para a sociedade e outro para o mercado. Todos os países querem atrair capital e precisam se financiar em condições favoráveis. Portanto, é muito simples: o governo precisa enviar os sinais corretos ao mercado, deixando claro que o risco de desordem macroeconômica é remoto ou improvável. Só que, de forma recorrente, temos visto vários episódios de desentendimento do governo brasileiro com o mercado. Lembro em 2016 da crise com a então presidente Dilma Rousseff, com as sinalizações, as taxas subindo, o impeachment. Vivi isso e meus clientes sofreram. Isso significa que muitos desses clientes não querem passar por essa experiência novamente.

Onde o governo errou nesse pacote?
Houve um problema de comunicação. Esperei cuidadosamente por um anúncio de cortes nas despesas e de sustentabilidade das finanças públicas. Mas começaram o discurso falando sobre um anúncio de isenção fiscal para quem ganha até R$ 5 mil por mês. O que não se deve fazer, como governo, é notificar os investidores de que vou anunciar um plano de corte de gastos e começar com um anúncio de menos receita. Os investidores consideraram isso insuficiente, mesmo com a perspectiva de um corte de R$ 70 bilhões em despesas em dois anos.

Qual o impacto disso?
Significa que, estruturalmente, enquanto mantiver esta imagem, o governo e as empresas do País terão de arcar um custo de financiamento mais elevado, o que significa uma clara desvantagem num mundo onde há enorme liquidez. Para se ter uma ideia, o excesso de liquidez nos Estados Unidos é de US$ 6 trilhões e na Europa, de US$ 3 trilhões. Qualquer país pode tirar partido dessa liquidez, mas tem de enviar os sinais certos para canalizar esse dinheiro.

O presidente Lula claramente aposta na expansão fiscal como a melhor estratégia para reequilibrar a economia. Quais são os riscos de insistir nessa política econômica?
Nada indica que mais gastos socais sejam piores para o mercado e, em última análise, para a economia. Os países nórdicos investem muito em gastos sociais e suas economias funcionam muito bem. O problema é utilizarmos todos esses grandes gastos em políticas com pouco retorno econômico ou financeiro. O mercado está interpretando que o governo brasileiro está mais orientado apenas para gastos sociais e isso assusta. O Estado precisa encontrar um equilíbrio entre despesas sociais e gasto público de investimento.

“O mercado está interpretando que o governo está mais orientado apenas para gastos sociais e isso assusta”

A Argentina, sob Javier Milei, está conseguindo controlar a inflação e cortar o déficit fiscal. O que será necessário para que a Argentina seja alvo de investimento estrangeiro?
Muito fácil: serão necessários mais dez meses de superávit fiscal, primário e financeiro. Apenas isso, nada mais. Obviamente, para conseguir o que foi feito até agora, Milei teve de fazer cortes – o que remete à sua pergunta se as políticas de expansão fiscal são boas, o que é difícil dizer. O que sei é que as políticas de contração fiscal resultam num aumento das reservas internacionais. Este ano, quando o prêmio de risco da Argentina caiu de 1.500 para 700 pontos-base, o custo do financiamento do governo, das empresas e de todas as pessoas foi reduzido pela metade. O crédito já começa a circular. Se a política de contração fiscal não colocar em perigo a coesão social, é bastante razoável a chance de sucesso.

O comércio global deverá ser afetado pelo protecionismo anunciado por Donald Trump, com sua volta à Casa Branca. Quais são as suas expectativas para 2025?
Há um receio exagerado quanto à imposição de tarifas elevadas de importação e retomada da guerra comercial com a China, o que não agrada às economias e ao mercado financeiro. Tudo vai depender de como Trump vai usar essas tarifas. Há duas possibilidades. Podem ser aplicadas a alguns países para alcançar determinados objetivos, como melhorar o PIB dos EUA, como tem dito o futuro secretário do Tesouro, Scott Bessent. Isso significa que não será uma regra geral. A outra versão dessa política de Trump preocupa mais.

Qual seria?
A versão de que as tarifas de importações, mais do que uma ferramenta, serão um objetivo em si. É defendida por Robert Lighthizer, que foi representante comercial de Trump na sua primeira administração e atua como conselheiro do novo presidente. Para seu grupo, é preciso recuperar a indústria americana, sem necessariamente passar pela eficiência, com um muro de tarifas. Se esta visão for imposta e começarmos a construir muros defensivos, o mundo inteiro sofreria: o Brasil, a Europa e a China.

Qual das duas versões deve prevalecer?
A primeira, defendida por Bessent, que ganhou peso com a nomeação de Howard Lutnick, um negociante de títulos do mercado, para ser secretário do Comércio. Se Trump quisesse colapsar o tratado comercial entre EUA, México e Canadá e o comércio global, teria nomeado um legalista ou um político como secretário do Comércio. Por isso precisamos ser otimistas e ter calma, pois não estamos diante de uma verdadeira guerra tarifária.

“Se Trump quisesse colapsar o comércio global, teria nomeado um político como secretário do Comércio”

Quais seriam as principais prioridades econômicas de Trump? O desmantelamento da política de transição energética de Joe Biden está na agenda?
Sem dúvida. Estamos estimando um crescimento de 2% a 2,5% do PIB para os EUA em 2025, com desregulamentação e redução de impostos. Além disso, o país está destinado a tornar-se não só o mais importante produtor de energia do mundo, como também o maior exportador. É um objetivo muito claro dos americanos e, indiretamente, da União Europeia. Não produzimos energia porque tínhamos uma rede de gasodutos e oleodutos que vinham da Rússia a preços baixos, ou seja, tínhamos essa energia garantida. Com a guerra e a inimizade entre a Europa e a Rússia, isso acabou.

Os EUA viraram solução para suprir energia para a Europa?
Exato. As vendas de energia da Rússia para a Europa caíram para 18% e os EUA foram o país que mais aumentou as suas vendas para a Europa. Hoje, a União Europeia tem medo de um possível aumento das tarifas americanas – fizemos estudo mostrando que uma tarifa padrão de 10% dos EUA sobre produtos europeus custaria 1% do PIB do bloco. A UE quer fazer tudo o que puder para evitá-la.

Esta semana, a União Europeia poderá assinar o acordo de livre comércio com o Mercosul. Não seria uma forma de os dois blocos encontrarem uma alternativa à imposição de tarifas dos EUA?
É um tema extremamente difícil, estamos negociando esse acordo há duas décadas, presos a diferenças importantes. O setor agrícola francês, que se opõe ao Mercosul de forma clara, é muito poderoso. Recentemente, tivemos protestos agrícolas que paralisaram as estradas da Europa. Existem diferentes posições entre os países europeus sobre como abordar o Mercosul. Seria necessário organizar e unificar a posição dentro da UE. Também há disparidades neste sentido entre Uruguai, Argentina e Brasil. Isso significa que a assinatura não é iminente e deve demorar, na minha opinião.

O que preocupa mais a União Europeia: a crise fiscal da França, a queda da produção econômica na Alemanha ou o provável protecionismo americano?
As economias vão bem ou mal por razões próprias. Portanto, a resposta é simples: a Europa deveria estar mais preocupada para que a Alemanha recupere o seu papel de força motriz europeia, que perdemos. A Alemanha vive uma transição política e econômica que não sabemos onde vai dar. A coalizão de governo implodiu e não há maioria no Parlamento. Falta à Alemanha uma liderança política capaz de ditar o modelo econômico. Depois dela tem a França, que é a segunda economia do bloco e um pouco parecida com a do Brasil, no sentido de mandar sinais errados para o mercado.

Em que sentido a crise fiscal da França é preocupante?
A França tem de financiar o mercado de forma mais dispendiosa do que Portugal, que tem uma economia pequena e mais fraca. Como é possível que a França tenha de pagar mais pela sua dívida para atrair capital? Porque o mercado, o capital, não é idiota, ele vê uma dinâmica que eventualmente pode se tornar desestabilizadora e isso exige um prêmio de risco, que não deveria existir para um país como a França. Isso acaba fomentando o que chamo de um processo de desprezo do mundo pelo euro.

O euro corre risco?
O euro é cada vez menos utilizado como moeda de troca global. E isso tem uma consequência, pois ele também é utilizado como reserva internacional de todos os bancos centrais do mundo e está perdendo valor em relação ao dólar. A ausência de euros nos BCs significa que a janela de financiamento para a Europa está fechada numa altura em que temos uma dívida muito elevada e uma grande necessidade de refinanciamento. Isso é perigoso e precisa ser revertido. A União Europeia não deve entrar em recessão, mas terá crescimento baixo, de até 0,8% em 2025, e uma recuperação lenta nos anos seguintes.

Para a China, a perspectiva é de uma guerra comercial mais agressiva por parte de Trump?
Prevejo uma repetição do que Trump fez com o México, no primeiro mandato. Disse que certas coisas teriam de mudar e queria negociá-las: aumento do salário por hora em fábricas americanas do outro lado da fronteira e ampliação de 50% para 75% das autopeças fabricadas nos EUA na montagem de veículos produzidos no México. O México inicialmente resistiu às negociações. O peso, o mercado de ações e os títulos mexicanos caíram, o governo finalmente cedeu e a economia se recuperou.

“Prevejo uma repetição do que Trump fez com o México, no primeiro mandato”

O que será diferente com a China desta vez?
Essa é a questão: a China vai sentar e negociar? Não vejo a China cedendo em certas coisas, por isso o embate está definido e temo que seja longo. Além disso, haverá uma mudança de mentalidade dos EUA em relação à globalização sob os neoindustriais de Trump.

Em que sentido?
A visão defendida pela elite política e das universidades americanas é que as economias desenvolvidas têm de se basear nos serviços e no consumo, enquanto a indústria transformadora deve ser deixada para países com uma clara vantagem em termos de custos. Isso funciona se todos seguirem as regras do jogo. A China, por exemplo, não cumpriu as regras do jogo porque promoveu um modelo chamado “capitalismo dos jogos vorazes”, que está tornando as empresas chinesas líderes indiscutíveis em certas indústrias, como veículos eléctricos e painéis solares. E, para isso, concedeu grandes subsídios. Ao não cumprir a regra do jogo, os chineses mataram a indústria ocidental e isso precisa ser mudado.

Com a imposição de tarifas de importação altíssimas aos produtos chineses?
Serão duas ações diferentes. Os EUA não deverão impor tarifas massivas nem generalizadas, mas visar os países que não praticam economia de mercado. É por isso que não há necessidade de se preocupar: tudo o que um país tem de fazer é cumprir certas normas do mercado livre para evitar sobretaxação de tarifas. E isso vale para o Brasil, para o México, para a Europa.

A China vai acabar cedendo?
Os EUA já sobretaxam importações para esses setores chineses de transição energética, entre 50% e 100% para carros elétricos e 50% para painéis solares e baterias. É uma possibilidade que essas tarifas sejam duplicadas. Não vejo a China mudar o seu modelo de tentar fazer com que as suas indústrias nesses setores se tornem líderes mundiais indiscutíveis. Portanto, ou alguma coisa muda estruturalmente na China ou ela será uma grande vítima das tarifas dos EUA.





Fonte: Neofeed

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O otimismo da BlackRock com o Brasil: “tem que enxergar além do curto prazo”

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O otimismo da BlackRock com o Brasil: “tem que enxergar além do curto prazo”
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As preocupações com a sustentabilidade fiscal do Brasil têm afastado investidores do país. Desde o início do ano, a saída de estrangeiros da B3 soma R$ 25,6 bilhões, enquanto o dólar acumula uma alta de 25% frente ao real, refletindo a piora na percepção sobre os ativos locais. O crescente pessimismo, no entanto, é visto como uma oportunidade pela BlackRock, que mantém uma (rara) dose de otimismo em relação ao mercado brasileiro.

“A diferença entre investidores experientes e aqueles que não compreendem tão bem o Brasil é a capacidade de enxergar além da incerteza de curto prazo”, afirma Axel Christensen, estrategista-chefe para investimentos na América Latina da BlackRock, maior gestora do mundo com US$ 11,5 trilhões.

Na avaliação de Christensen, o país pode se tornar um dos favoritos a receber investimentos em infraestrutura e data centers baseados em energia renovável. “Estamos dispostos a superar as incertezas de curto prazo porque entendemos a atratividade de participar de algumas dessas transformações.”

Christensen, que analisa o mercado latino-americano há 30 anos, sendo 15 deles na BlackRock, também minimiza os temores em relação ao risco fiscal.

“Não é a primeira vez que os investidores estão preocupados com a situação fiscal no Brasil, e provavelmente não será a última. Isso faz parte do ambiente para nós, é parte do ‘quadro geral’, como costumo dizer. Se você não se sente confortável com a incerteza fiscal na América Latina, provavelmente não deveria estar investindo na região.”

O estrategista destaca que investidores estrangeiros têm visto a desvalorização do real, impulsionada pela piora na percepção fiscal, como um ponto de entrada “muito atrativo” para investimentos em renda fixa.

“Investidores experientes, que já viram isso no passado e sabem que a volatilidade de curto prazo eventualmente diminui, reconhecem que os fundamentos acabam prevalecendo. Esses momentos se mostram os melhores para ser positivo em algumas dessas oportunidades.”

Embora reconheça o aumento das incertezas sobre o comércio do Brasil com os Estados Unidos durante o governo de Donald Trump, Christensen afirma que o país pode ser um dos grandes beneficiados pelas tensões sino-americanas. A posição neutra do Brasil em relação às duas maiores potências globais, na visão do estrategista, é um ativo valioso no atual contexto geopolítico.

“Se os EUA impuserem tarifas à China e, em resposta, a China restringir as exportações americanas para o mercado chinês — que consistem principalmente em produtos agrícolas —, isso pode levar a China a aumentar suas compras de soja e outros itens agrícolas do Brasil.”

Do lado do comércio com os americanos, Christensen pontua que o Brasil pode se beneficiar da exportação de terras raras, que são minerais encontrados em pequenas quantidades, mas com um papel fundamental na indústria de chips. A China, que corresponde a 70% da produção global de terras raras, baniu nesta semana as exportações para os Estados Unidos, em mais um capítulo da guerra comercial entre os dois países.

“Se o Brasil souber aproveitar seus recursos e sua capacidade de fornecimento tanto para a China quanto para os EUA, pode sair vencedor nesse cenário de tensões crescentes, atuando como um mediador estratégico entre os dois países.”

Quem, por enquanto, tem conseguido ocupar esse espaço é o Vietnã. Diante do conflito comercial, suas exportações para os Estados Unidos triplicaram entre 2018 e 2022, enquanto os investimentos chineses no país dobraram no período, segundo dados da consultoria Kearney divulgados pelo The New York Times.

“Só é importante ter cuidado para não pender muito para um lado ou para o outro. No entanto, acredito que os brasileiros são suficientemente espertos e habilidosos para encontrar o equilíbrio apropriado entre as duas potências”, afirma Christensen.



Fonte: Neofeed

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