Negócios
RBR capta R$ 452 milhões em novo FII para buscar edifícios “top” na Faria Lima
Com o desejo de muitas empresas se instalarem na Faria Lima, a RBR Asset , que detém mais de R$ 10,6 bilhões em ativos sob gestão, decidiu lançar um fundo imobiliário (FII) dedicado a encontrar, e adquirir, os “ativos troféus” da região, que se consolidou como centro financeiro do País.
A gestora, focada nos segmentos imobiliário e de infraestrutura, concluiu a captação de R$ 452 milhões com a emissão de cotas do TOPP11, fundo que começou a ser desenvolvido no último trimestre do ano passado e que almeja ser o FII de lajes corporativas mais “top” do mercado brasileiro.
“As pessoas e as empresas querem estar na Faria Lima. Elas já queriam antes da pandemia e isso se acelerou muito depois”, diz Ricardo Almendra, CEO e sócio-fundador da RBR, ao NeoFeed. “É um local que não tem nenhuma nova oferta [de ativos], o que traz uma caraterística muito forte de segurança para investimentos imobiliários de escritório feitos na região, dando confiança de que se terá uma renda estável e crescente.”
Coordenado por Itaú BBA, UBS BB e Oriz, o IPO do TOPP11 foi a segunda maior operação do tipo de fundo de tijolo do ano. Ele ficou atrás apenas da oferta do BBIG11, fundo da BB Asset com Iguatemi que captou R$ 1 bilhão, em maio, e que marcou a estreia da gestora de recursos do Banco do Brasil em real estate.
A oferta contou com a participação de multifamily offices, com destaque para a Arton Advisors, ligado ao BTG Pactual, que foi um dos maiores alocadores, além de fundos de pensão e investidores individuais. O fundo conta atualmente com 5 mil cotistas, com taxa de gestão de 0,8% e custo de administração de 0,2%.
Os recursos levantados serão destinados à compra dos dois primeiros ativos do fundo, os edifícios Metropolitan e Platinum, prédios vizinhos, que compartilham a mesma garagem e que contam com heliponto exclusivo aos condôminos e abrigam o restaurante Parigi, do grupo Fasano. São edifícios classificados como boutique, por terem lajes menores, tendo passado por alguns retrofits, o último ocorrendo em 2022.
Os edifícios pertenciam ao fundo HGPO11, criado pela Hedging Griffo em dezembro de 2010 – Almendra, inclusive, esteve envolvido em sua criação, quando foi sócio da gestora. A RBR já estava de olho nesses ativos há nove anos, sendo o maior cotista do fundo através de dois veículos listados, mas não votou na assembleia que decidiu a venda.
A compra será feita de forma parcelada, com o pagamento de 55% do valor no fechamento e o restante em 18 meses, pagando R$ 48 mil o metro quadrado, sem correção do preço. Desde o começo, o TOPP11 fica com 100% dos aluguéis.
A operação que implica num cap rate de 7,23%, com a RBR vendo um upside nos aluguéis atuais de algo próximo de 15% nas próximas revisões. “Esses 7,23% devem virar algo em torno de 8%, 8,5%, quando estabilizarmos os aluguéis nos preços praticados atualmente na região”, diz Almendra.
O plano da RBR é fazer de uma a duas aquisições por ano ao longo dos próximos dez anos para expandir o TOPP11, sempre buscando esses “ativos troféus”, sem correr risco de desenvolvimento, sempre comprando prédios ocupados.
“Assim como existem fundos de crédito high grade, o TOPP11 é como se fosse um high grade dos fundos de laje corporativa”, afirma Stephanie Camacho, sócia e responsável pela parte de relações com investidores da RBR. “O fundo vai comprar prédios prontos, em localizações prime, já gerando renda.”
A expectativa é de que o fundo entregue uma rentabilidade de cerca de 8% ao ano, mas a intenção é fazer com que esse valor alcance a casa dos 10% por meio das aquisições, além da valorização dos ativos e reajuste dos aluguéis. Nos dois primeiros anos, o TOPP11 vai entregar dividendo líquido e isento superior a 10% ao ano, devido à compra parcelada dos ativos.
“Isso [rendimento do fundo] representa muito o que é um retorno de longo prazo de um ativo troféu, numa grande metrópole do mundo”, diz Almendra.
Segundo ele, o entorno da Faria Lima vem ganhando prédios de alto padrão residenciais, com a previsão de um shopping novo, o Shops Faria Lima, que está sendo desenvolvido pela JHSF, com previsão de abertura em 2026, o que deve manter o apelo da região por um bom tempo.
Os dados mostram a demanda pela região. Um levantamento feito pela imobiliária Siila, divulgado com exclusividade pelo NeoFeed em julho, mostrou que a taxa de vacância de lajes corporativas na Faria Lima estava na casa dos 10%, um dos menores percentuais do País.
“Temos a convicção de que essa região da Faria Lima, para determinados ativos, vai continuar sendo uma região muito top, tanto para comercial quanto para residencial”, diz Almendra.
Ele admite a possibilidade de o TOPP11 buscar ativos fora da Faria Lima no longo prazo, mas em regiões que são a “continuação” da avenida, como é o caso da Rebouças, caso se consolide e atraia uma demanda sustentável das empresas.
“Talvez, no futuro, possamos ver que comprar um ativo no eixo Faria Lima-Rebouças porque é muito resiliente, mas isso toma tempo, vamos ter que ter a segurança ao longo dos anos”, diz.
Negócios
Como Elon Musk fez do X um “megafone” pessoal
Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) espera o pagamento dos R$ 28,6 milhões em multas para liberar o funcionamento do X no Brasil, chega ao país o livro Limite de caracteres: Como Elon Musk destruiu o Twitter. Escrita pelos repórteres americanos Kate Conger e Ryan Mac, do jornal The New York Times, a obra traz uma investigação minuciosa sobre o destino que o bilionário deu a uma das redes sociais mais populares de todos os tempos.
Em quase 500 páginas, eles revelam, pela primeira vez, os bastidores da aquisição da empresa fundada, em 2006, por Jack Dorsey, Evan Williams, Biz Stone e Noah Glasseles — e suas consequências políticas, sociais e financeiras. A compra do Twitter por Elon Musk foi concluída em outubro de 2022, por US$ 44 bilhões, e seguiu um processo polêmico, cujos detalhes mostram uma transação incomum no mundo dos negócios.
“A aquisição veloz não teve precedentes culturais ou sociais. Esse tipo de transação não costumava ser realizado por uma única pessoa: apenas corporações ou gestoras de capital privado compravam empresas daquele tamanho”, avaliam Kate e Ruan. “Mas Musk tinha atingido um pico de fortuna do qual poucos titãs conseguiram se aproximar, e as regras dos negócios tradicionais não se aplicavam mais a ele”.
O empresário sempre foi um dos usuários mais ativos da plataforma, tuitando sem papas na língua sobre todos os assuntos. Mas Musk estava insatisfeito com os rumos tomados pela rede, contaminada por um suposto espírito progressista de censura que, segundo ele, ameaçava a democracia. Imbuído da defesa da liberdade de expressão “absoluta”, em janeiro de 2022, começou a comprar ações da empresa, para nove meses depois, assumir seu comando.
O retrato do dono da Tesla e da SpaceX traçado pela dupla de repórteres não é nada lisonjeiro — um homem controverso, inconstante e sem limites para satisfazer seus desejos e suas convicções políticas. Não à toa, o título do livro em inglês faz um jogo com a palavra “character”, que significa tanto “caractere” quanto “caráter”.
Além de dezenas de entrevistas, Kate e Ryan recorreram a documentos inéditos, que mostram o caos que se instalou quando o empresário assumiu a empresa com sanha revolucionária. Ninguém sabia o que ele tinha em mente. Em pouco tempo, não só demitiu metade dos funcionários, cerca de 3,7 mil pessoas, como afastou anunciantes, comprometendo a base do negócio do Twitter.
Hoje, o X está mergulhado em dívidas. Em fevereiro passado, a Fidelity avaliou a plataforma em US$ 11,8 bilhões — uma desvalorização de 73% desde o momento em que Musk assumiu a companhia.
Em meio a boatos de que manipularia informações, o primeiro gesto de Musk como líder da rede social foi aderir a uma teoria da conspiração grosseira. Ele espalhou na empresa uma reportagem falsa sobre o marido de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. O texto sugeria que ele havia sido atacada dentro de casa por um homem perturbado, com quem tinha um relacionamento amoroso.
“Aquele era o tipo de mentira tão absurda que só seria levada a sério por alguém de cabeça fraca”, escrevem os jornalistas, “radicalizado pelas muitas horas que passava todos os dias na internet, isolado na própria bolha. Para observadores das mídias sociais, Musk parecia ser um desses conspiracionistas facilmente ludibriados”.
Segundo Kate e Ryan, enquanto a maioria dos bilionários da indústria da tecnologia costuma gastar dinheiro com iates, clubes esportivos e ilhas longínquas, entre outros caprichos, Musk cobiçou um megafone, pelo qual se faria ouvir por mais de 80 milhões de pessoas.
Para os repórteres, o amor que o bilionário tinha pelo Twitter era fácil de entender: “Todos os dias, durante horas, ele ficava navegando pela rede: lia postagens, ria de memes e disparava pensamentos em fluxo de consciência, como qualquer outro usuário. Ele se extasiava com o engajamento que recebia, e, como aconteceu com muitos outros tuiteiros hardcore, a plataforma se tornara um vício”.
A diferença entre ele e outros usuários do Twitter obcecados pela injeção constante de dopamina, dizem os autores, no entanto, era que Musk tinha os meios para controlar o seu vício e o desejo de recriá-lo à sua imagem e semelhança. “Seria seu brinquedo, mas que poderia custar bem caro e com consequências desastrosas para vários países, inclusive os Estados Unidos”, lê-se em Limite de Caracteres.
“Amigos e comparsas”
A narrativa do livro vai até maio deste ano e faz revelações sobre o apoio de Musk a Donald Trump: “Trump precisava de um investidor para turbinar a campanha presidencial, e Musk acreditava que o candidato republicano era a melhor solução para evitar mais quatro anos de Joe Biden no poder”.
O empresário, dizem os jornalistas, picotara o Twitter de tal forma até transformá-lo no X, “que nada mais era do que um lugar onde todos os seus amigos e comparsas podiam ter contas verificadas, onde seus gurus favoritos tinham a chance de viralizar e onde as postagens que ele próprio fazia eram as mais curtidas, as mais visualizadas e as mais populares na plataforma”.
Musk também abriu a porteira para receber perfis que haviam sido banidos, como os de Alex Jones e de vários outros supremacistas brancos. “Vez ou outra, ele interagiu com essas pessoas desprezíveis, fazendo com que elas ganhassem não só ‘liberdade de expressão’ como também um alcance ainda maior”, dizem os autores.
Enquanto isso, “a plataforma continuava a suspender contas de jornalistas e a processar qualquer um que tentasse expor a podridão de discurso de ódio e informações falsas na qual a rede social se transformara. O bilionário tinha alcançado um patamar de sucesso nunca visto de liderar a revolução dos automóveis elétricos e os esforços para fazer a raça humana superar as fronteiras do planeta Terra”.
E é claro que ninguém além dele teria a motivação e os recursos financeiros necessários para comprar uma plataforma, com alcance no mundo inteiro, só porque queria “proteger” a liberdade de expressão, apontam Kate e Ryan.
Essa, no entanto, era uma missão que Musk criara para si próprio: “Foi assim que cometeu a asneira de comprar o Twitter por um valor altíssimo, só para poder controlar uma plataforma de internet disponível no mundo todo e comensurar o valor do próprio ego em curtidas e respostas”.
Como observam os repórteres: “Um homem que não suportava receber críticas havia comprado o maior público do mundo, e queria que todo mundo batesse palmas para ele. Não era um desejo sem precedentes, afinal, muitas pessoas que usam as redes sociais estão lá porque também buscam algum tipo de validação do universo. E por alguns breves instantes fugidios, teve nas mãos aquilo que tanto queria. Ele era o dono do Twitter até que o Twitter deixou de existir”.
Negócios
A família que criou a Kopenhagen quer chacoalhar (novamente) o mercado do chocolate
Chegar a uma loja de chocolates e solicitar um produto sem açúcar parece uma atitude contraintuitiva, mas não é. Com um mercado cada vez mais plural e abrangente, diversas marcas estão se especializando em produtos saudáveis, com o intuito de democratizar o consumo.
Essas iniciativas, que partem de grandes nomes do mercado e vão até pequenas marcas iniciantes, fazem os números do setor crescerem. Avaliado em US$ 19,1 bilhões, em 2023, o mercado global de alimentos sem açúcar deve movimentar US$ 23,3 bilhões, nos próximos quatro anos, de acordo com levantamento realizado pela consultoria Mordor Intelligence.
Esse é o boom que a GoldKo, marca de chocolates sem açúcar criada pela família Kopenhagen, deve aproveitar para expandir a sua operação no Brasil nos próximos anos.
Fundada por Paulo Kopenhagen Goldfinger — o chocolateiro que vendeu a Kopenhagen em 1996 para o grupo CRM — e seus filhos, Gregory e Chantal, em 2017, a empresa não nasceu focada no movimento saudável.
Na verdade, o negócio foi desenhado para ser apenas uma loja de chocolate tradicional, da forma como a família havia operado por cerca de 70 anos a Kopenhagen, que hoje pertence à Nestlé.
“Em 2018, com um ano de empresa, meu pai trouxe um chocolate novo para experimentarmos. Ao comer, foi unânime a opinião de que ele era melhor do que o que a gente vendia e, para a nossa surpresa, ele não tinha açúcar”, conta Gregory, CEO da companhia, ao NeoFeed.
“Foi naquele momento que percebemos que era preciso mudar toda a empresa”, complementa.
Essa mudança de rumo levou algum tempo, mas em 2020 a primeira loja GoldKo saiu do forno, desta vez com produtos sem nenhuma adição de açúcar.
Com um catálogo que inclui doces como marshmallows, barras de chocolate e de proteína, bombons e sorvetes, a empresa comercializa em torno de 1 milhão de produtos ao mês.
Essas vendas acontecem em 10 unidades físicas, sendo uma própria e nove franqueadas, além do e-commerce e os cerca de 15 mil pontos varejistas, que contam com os produtos da GoldKo em suas prateleiras.
Assim, para o fim de 2024, a empresa planeja ter 15 lojas assinadas e, para 2025, devem ser abertas pelo menos mais 20 unidades. Com uma expectativa ambiciosa para os próximos anos, o CEO afirma que deve encerrar 2034 com 500 pontos abertos, distribuídos entre lojas de rua e shoppings.
Para chegar a esse número, a marca investiu mais de R$ 15 milhões em sua fábrica, localizada em Minas Gerais, e R$ 5 milhões no processo de estruturação de franquias.
Marshmallow pioneiro
Na visão de Gregory, com os investimentos, a vertical de franquias deve registrar o melhor desempenho no longo prazo, frente aos outros pontos de venda da marca.
Assim, a empresa espera continuar crescendo 55% ano a ano, como tem feito nos últimos quatro anos. E, para Gregory, o que motiva esse avanço e diferencia a companhia das concorrentes são os produtos.
“Para nós, existe uma linha de corte bastante delimitada. Se o nosso produto não for melhor do que o equivalente que tem no mercado com açúcar, nós simplesmente não vamos lançá-lo”, afirma o CEO. “E, para chegar nesse sabor e nessa qualidade, é preciso muito de teste, tentativa e erro e, principalmente, inovação, que é um dos nossos pilares na empresa”.
Com essas premissas, a GoldKo desenvolveu o primeiro marshmallow sem açúcar do mundo e, logo em seguida, avançou com o mesmo produto, só que na versão vegana, algo também inédito. Assim, a “Nhá Benta”, criada pela família na época da Kopenhagen, agora se chama “Musa”, na versão GoldKo sem açúcar e sem produtos de origem animal.
“Para chegar à receita final, foram aproximadamente três anos de pesquisa”, diz Gregory. O esforço deu resultado: hoje a Musa é o carro-chefe da companhia e outros produtos que levam o marshmallow aparecem logo em seguida na esteira de vendas.
Além do trabalho antes do produto começar a ser efetivamente desenvolvido, também existe um custo alto para colocá-lo no mercado. O CEO afirma que, apenas no componente que substitui o açúcar, os custos chegam a ser 7 vezes superiores à matéria prima original.
“Se parar para pensar que o produto é composto por pelo menos 50% desse componente, já dá para ter uma ideia de quanto ele é mais caro do que o item regular com açúcar”, afirma Gregory. “Com isso, nós precisamos precificar os produtos de forma que faça sentido com os seus custos, o que deixa eles um pouco mais elevados”.
Segundo o CEO, por causa do preço menos atrativo à primeira vista, é preciso incentivar a experimentação dos produtos nas lojas. Mas, ele afirma que, após comer pela primeira vez, a conversão do cliente costuma ser bastante alta.
Ao pensar em concorrência, Gregory afirma que existem muitos players que batem de frente com a GoldKo — e eles vêm de todos os lados. “Nós sabemos que não vamos conseguir ser relevantes em todas as categorias nas quais atuamos, mas escolhemos focar no que somos efetivamente reconhecidos pelos consumidores para bater de frente com o mercado”, diz. “A nossa vantagem competitiva realmente é o sabor.”
Negócios
Almodóvar encara a morte de frente. Em inglês
VENEZA —Aos 75 anos, mais de 50 deles dedicados às telas, Pedro Almodóvar busca a reinvenção. Aquele que foi projetado como o “enfant terrible’’ do cinema espanhol, celebrando as liberdades de expressão e sexual e depois passou pela fase de emoções mais contidas, lidando com fantasmas do passado, agora muda de idioma.
“É como ingressar em um novo gênero. Para mim, é como ficção científica”, afirmou o cineasta, em referência a O Quarto ao Lado, seu primeiro longa-metragem falado em inglês. Uma das atrações da recém-inaugurada 26ª edição do Festival do Rio, em cartaz até o dia 13, o drama chega na sequência ao circuito comercial no Brasil, estreando no dia 24.
Vencedor do Leão de Ouro no último Festival de Cinema de Veneza e um dos prováveis candidatos ao Oscar de melhor filme em 2025, O Quarto ao Lado é inspirado na obra What Are You Going Through, da americana Sigrid Nunez, publicada em 2020. “É um livro quase inadaptável’’, brincou Almodóvar, em encontro com jornalistas, do qual o NeoFeed participou.
Mas o cineasta, nascido em Calzada de Calatrava, na região da La Mancha, no centro da Espanha, encarou a empreitada por sentir afinidade com o material, independentemente do idioma. Vale lembrar que Almodóvar fez dois experimentos em inglês, filmando os curtas-metragens The Human Voice (2021) e Strange Way of Life (2023), antes de se aventurar em uma obra com quase duas horas de duração.
O roteiro de O Quarto ao Lado explora a relação de duas amigas que há tempos não se veem: a escritora Ingrid (interpretada por Julianne Moore) e Martha (Tilda Swinton), uma ex-correspondente de guerra do jornal The New York Times. O câncer terminal de Martha a leva a pedir ajuda Ingrid, de quem era muito próxima nos anos loucos da juventude.
Buscando tomar as rédeas da própria existência, Martha quer que Ingrid a ajude morrer, na data que ela escolher. Até lá as amigas deixarão a cidade de Nova York para se instalarem em bela mansão de férias no interior do estado, onde passarão a vida a limpo, em uma espécie de inventário emocional antes da partida.
“Elas são de Nova York, mas pertencem a uma geração que conheço bem, a dos anos 80. Mesmo que eu não faça uma análise da sociedade americana, sei como tratar mulheres desse período porque conheço outras como elas”, contou Almodóvar.
“Pensei que teria mais problemas no set, já que a questão da língua poderia ser um pouco estranha para mim. Mas não”, comentou o cineasta, um especialista em desvendar a alma feminina nas telas. Geralmente com personagens fortes e corajosas, mas nem por isso menos complicadas. “Tilda e Julianne entenderam exatamente o tom mais austero que eu buscava para contar essa história. Queria algo emocional, mas não melodramático”, completou.
Além de conhecer bem as personagens saídas da imaginação da escritora, há outro motivo para o diretor ter topado filmar em inglês só agora. Convites de Hollywood não faltaram nas duas últimas décadas — depois que ele conquistou o Oscar de melhor filme estrangeiro com Tudo Sobre Minha Mãe (1999) e o de melhor roteiro original com Fale Com Ela (2002).
Um exemplo foi a história de amor de O Segredo de Brokeback Mountain (2005), com caubóis homossexuais. O filme foi oferecido primeiro ao espanhol, que recusou a oferta, abrindo caminho para Ang Lee.
A ideia de encarar a morte de frente desafia cada vez mais Almodóvar, o que explica o seu interesse pela obra de Sigrid Nunez. “Sou imaturo quando se trata da morte, ainda que ela esteja em todo lugar. Sinto que cada dia que passa é um dia a menos que eu tenho. Mas gostaria de sentir que é um dia a mais que eu vivo”, comentou ele.
Em Dor e Glória (2019), Almodóvar já apresentou o seu alter ego (vivido por Antonio Banderas), sofrendo de muitos problemas de saúde. “Estou falando mais de doenças porque sofro com algumas que me limitaram muito. Não a minha atividade cinematográfica, mas os meus movimentos”, contou o cineasta, que é a favor da eutanásia, abordada em O Quarto ao Lado.
Definido por Almodóvar como uma história de “empatia e generosidade”, o filme está cotado nas principais bolsas de apostas de Hollywood para disputar o Oscar principal.
Se confirmada a indicação, esta será a primeira vez que o espanhol vê uma obra sua conquistar uma vaga na categoria.
Embora talvez fosse melhor com uma obra rodada em sua língua, O Quarto ao Lado não deixa de ser uma prova máxima da sua maturidade atrás das câmeras.
Almodóvar está indiscutivelmente mais sério, mais profundo e menos extravagante — mas sem perder as características almodovarianas, como personagens irremediavelmente humanos, a provocação com temas considerados tabus e a habilidade para fazer o absurdo parecer plausível.
Sim, ele é um dos poucos autores com um universo cinematográfico tão forte e identificável a ponto de virar adjetivo.
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