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Setor de gás natural ameaça “explodir” após intervenção do governo

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Setor de gás natural ameaça “explodir” após intervenção do governo
Tempo de Leitura:3 Minuto, 56 Segundo


O governo federal anunciou nesta segunda-feira, 26 de agosto, um polêmico pacote de medidas visando a ampliar oferta de gás natural. A iniciativa foi elogiada por setores da indústria que dependem do insumo e criticada por especialistas ligados ao setor de petróleo, que preveem possível desdobramento na Justiça para barrar o pacote.

O anúncio ocorreu durante reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e da criação da Política Nacional de Transição Energética (PNTE), com participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira.

Para os que criticaram as propostas, as alterações previstas inviabilizariam os planos de exploração e produção que já foram aprovados pela ANP (Agência Nacional de Petróleo), representando aumento de custos e quebra de contratos, além de violação da Lei do Gás, aprovada pelo Congresso Nacional em 2021.

Para evitar questionamentos legais, as medidas do governo foram incluídas no Decreto 10.712, de 2021, que regulamenta a nova Lei do Gás, com diretrizes em várias frentes. Numa delas, altera a forma de atuação da ANP, permitindo à agência reguladora atuar em toda a cadeia, da produção, movimentação e processamento até o transporte de gás natural.

Dados da ANP mostram que, em junho, 56% da produção de gás natural foi reinjetada –técnica que ajuda a manter a pressão dos reservatórios e otimizar a extração de petróleo, O governo federal, porém, alega que o volume elevado de reinjeção, superior à média internacional (cerca de 25%), reduz a disponibilidade de gás natural no mercado.

Entre as novas atribuições, o decreto permite à ANP limitar o gás natural destinado à reinjeção e, a despeito de contratos vigentes, revisar planos de desenvolvimento das petroleiras nas plataformas em busca de projetos que sejam viáveis elevar a oferta do insumo para o mercado.

Outro ponto polêmico do decreto é o poder dado à ANP para regular a tarifa de uso dos gasodutos que levam gás natural do alto-mar para a costa. O setor industrial que depende do gás – em especial as indústrias de alumínio, vidro e química – alega que esses gasodutos são controlados majoritariamente pela Petrobras, cobrando preços extorsivos pelo transporte, além de limitar o fornecimento com a reinjeção de gás nos poços.

Hoje, o custo do gás natural no País é calculado em US$ 14 o milhão de BTU (British Thermal Unit), medida usada como referência do teor calorífico do gás. Segundo o presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro), Lucien Belmonte, a expectativa é de que as medidas possam provocar uma redução de custo entre 35% a 40%, ou seja, para algo próximo a US$ 8,5 ou US$ 9.

Por isso, em outra frente, o decreto abre caminho para que a PPSA (estatal que gerencia a exploração no pré-sal) se torne um braço do governo para comercialização de gás natural – e, na prática, sem a necessidade de comercializar o gás por meio da Petrobras.

Contestação

Karina Santos, advogada da área de Sustentabilidade Corporativa do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, aponta várias questões no pacote que configuram uma claríssima intervenção do governo no setor de petróleo, que é regulado e, por essa razão, podem ser contestadas na Justiça. Segundo ela, o decreto extrapola as competências da Lei do Gás.

“Estamos falando de normas infralegais, o decreto não pode dispor mais do que a lei prevê, pois cria obrigações e restringe direitos dos produtores”, afirma, lembrando que a quantidade de reinjeção é feita com base numa análise de viabilidade econômica, incluindo custos e contratos vigentes.

Cada plataforma é feita sob medida e pode custar até US$ 5 bilhões. Além disso, uma alteração de infraestrutura poderá levar cerca de três anos. Outros elos da cadeia também precisarão ser adaptados, como as unidades de processamento de gás natural (UPGN), o que também levaria tempo.

Esse ponto tem potencial de judicialização, de acordo com a advogada Santos. “Isso porque, caso o operador não consiga atender novas condições, existe a possibilidade de a ANP adotar medidas para transferir o direito de exploração para terceiros de forma voluntária ou de a instaurar um processo administrativo para extinguir a concessão desse operador”, afirma.

Procurado pelo NeoFeed, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), que defende as empresas do setor, preferiu esperar a publicação do decreto no Diário Oficial da União, provavelmente na terça, 27, para se posicionar.

O presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), André Passos Cordeiro, porém, acredita que as medidas vão destravar investimentos do setor.

“Há um ruído de que seria intervenção do Estado brasileiro, mas não tem nada disso, todas as etapas são reguladas”, assegura Cordeiro. “Deixar desregulado é que era o problema, cabe agora a implementação.”





Fonte: Neofeed

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Mãos à obra: Bradesco Asset lança novo fundo de infraestrutura

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Mãos à obra: Bradesco Asset lança novo fundo de infraestrutura
Tempo de Leitura:3 Minuto, 44 Segundo


No 27 de setembro, a Bradesco Asset iniciará a listagem de mais um fundo de seu vasto portfólio. Desde o começo do mês de setembro, a gestora vem promovendo o tradicional road show de apresentação do produto, apontando as suas características, a estratégia de investimentos e o modelo de gestão, entre outros aspectos.

Logo de cara, é possível identificar benefícios trazidos pelo BINC11 – diversificação, liquidez, pagamentos mensais de dividendos e vantagens fiscais estão entre os mais visíveis.

O fundo foi desenhado para oferecer uma carteira diversificada de ativos de infraestrutura, especialmente aqueles voltados para setores como energia (geração e transmissão), saneamento, rodovias, terminais portuários e aeroportos, entre outros.

Os ativos selecionados estão tanto em fase pré-operacional quanto operacional, com perfil de caixa previsível e stakeholders com comprovado histórico de execução.

“Os fundos com ativos em infraestrutura vêm ganhando espaço nos últimos meses como resultado direto das mudanças de tributação de algumas classes de ativos”, afirma Fernando Pairol, Superintendente Comercial da Bradesco Asset.

As alterações regulatórias anunciadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) levaram os investidores a olhar com maior atenção para esses ativos.

O fundo foi desenhado para oferecer uma carteira diversificada de ativos de infraestrutura

Além disso, os projetos de infraestrutura estão em alta no Brasil, no embalo do desejo do governo federal em incentivar os investimentos na área como forma de gerar crescimento econômico.

O BINC11 está inserido nesse contexto, mas ele traz benefícios adicionais. “Trata-se de um produto democrático”, afirma Victor Tofolo, gestor de crédito privado da Bradesco Asset.

Voltado para investidores em geral, o novo fundo tem ticket inicial de R$ 100, o que certamente contribuirá para que desperte o interesse de um número elevado de investidores. Segundo a Bradesco Asset, a oferta poderá chegar a R$ 500 milhões, considerando o lote adicional.

No varejo, o BINC11 será distribuído pela Ágora, corretora do Banco Bradesco, mas a ideia é que os investidores possam acessar o produto por meio de outras plataformas.

O pagamento de dividendos mensais é outro atributo incontestável, assim como a isenção de Imposto de Renda sobre esses dividendos e também sobre potenciais ganhos de capital.

A liquidez é mais um benefício trazido pelo BINC11. Negociado no mercado secundário da bolsa de valores, ele contará com market maker. Seu objetivo de retorno líquido – já descontadas as taxas de administração e gestão – é o CDI mais o intervalo entre 0,50% a.a. e 1% a.a

Por si só, essas características fazem do BINC11 um dos ativos de investimentos em infraestrutura do país e o fato de contar com o suporte e a expertise da Bradesco Asset deve ser considerado pelos investidores.

Segundo a Bradesco Asset, a oferta poderá chegar a R$ 500 milhões, considerando o lote adicional

“O BINC11 se posiciona como um produto, trazendo um mix entre gestão ativa, que é muito forte dentro da Bradesco Asset, com uma análise profunda dos ativos através da curadoria da nossa mesa de crédito privado”, diz Pairol.

A gestão ativa é uma estratégia que tem sido bem-sucedida na gestora e um de seus diferenciais. A casa possui uma equipe especializada em análise e gestão de crédito setorial, com um histórico de atuação tanto no mercado primário quanto secundário.

Para se ter ideia, no ano passado, a Bradesco Asset negociou mais de R$ 22 bilhões no mercado secundário, acima dos R$ 15 bilhões transacionados em 2022. A expectativa é movimentar R$ 26 bilhões no segmento em 2024.

Tofolo reforça o trabalho da gestão ativa como um diferencial importante dos modelos da casa. “Tudo o que colocamos dentro de nossa carteira passa por rigorosa análise interna, com rating próprio, que ajuda a precificar corretamente os riscos de nosso portfólio”, diz.

A expertise da gestora vem de longa data. Em 2013, a Bradesco Asset foi uma das primeiras assets do país a lançar um fundo fechado de debêntures incentivadas, ativos que nos anos seguintes fizeram sucesso no mercado brasileiro.

E a casa está em permanente evolução. Recentemente, contratou dois profissionais para fortalecer o segmento. Um deles é especializado em project finance, enquanto o segundo tem experiência em produtos estruturados, dedicando-se principalmente às debêntures incentivadas.

Atualmente, a Bradesco Asset Management possui R$ 857 bilhões sob gestão (considerando carteiras administradas e FOF), sendo R$ 326 bilhões apenas na área de crédito. Números como esses a colocam entre as líderes do mercado brasileiro e evidenciam sua contribuição para o crescimento da indústria de asset management do país.



Fonte: Neofeed

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“Fusão com a Mobly é o abraço dos afogados”, diz fundador da Tok&Stok

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Regis Dubrule_TokStok
Tempo de Leitura:22 Minuto, 40 Segundo


Regis e Ghislaine Dubrule tinham o hábito de almoçar juntos todas as segundas-feiras na loja da Tok&Stok da marginal Pinheiros, em São Paulo. Ele, conselheiro, e ela, CEO, aproveitavam para circular pelo espaço e estreitar os planos para tentar recuperar a empresa de móveis e decoração fundada por eles em janeiro de 1978.

Mas essa rotina foi interrompida em 17 de julho quando o conselho de administração aprovou a destituição de Ghislaine Dubrule do comando da Tok&Stok. Votaram pela saída da CEO o chairman, Fernando Borges, que representa a controladora da empresa, a gestora SPX, e o conselheiro independente Roberto Szachnowicz.

A partir desse dia, a relação entre a família Dubrule e a SPX, que assumiu a operação de private equity do Carlyle no Brasil em 2021, entrou em rota de colisão. A implosão desse relacionamento ocorreu há um mês, em 9 de agosto, quando a Mobly e a SPX se acertaram para fusão com a Tok&Stok.

“A Mobly é uma empresa que, desde que ela existe, é um avião caindo. Nunca ganhou dinheiro”, diz Regis Drubrule, fundador da Tok&Stok, ao NeoFeed. “Somos contra o negócio porque a gente quer salvar a Tok&Stok, porque estamos convictos que conseguimos salvar com o aumento de capital, que é isso que foi a nossa divergência.”

A partir do anúncio da fusão com a Mobly, a família Dubrule, como acionista minoritária, entrou na Justiça para desfazer o negócio que o controlador vinha tentando há um ano. “Quando reunimos tudo, nessas três semanas, a Mobly estava ressuscitando. E a SPX disse: esquece o aumento de capital, vamos fazer a fusão”, afirma Dubrule.

Esse tudo a que o fundador da empresa de móveis e decoração se refere era um acordo com os bancos feito pela família para levantar R$ 100 milhões e fazer um aumento de capital na Tok&Stok, uma operação que Dubrule detalha o passo a passo nesta entrevista.

Ao conseguir a aprovação dos bancos, após anuência da SPX, segundo Dubrule, foi requisitada a assembleia para aprovação da capitalização. Ele e Szachnowicz aprovaram a proposta, mas a gestora não mandou representante.

A partir desse ponto, na visão da família Dubrule, começa uma série de irregularidades cometidas pela SPX. A assembleia para destituir o conselheiro independente, a convocação de outra para indicar um substituto e o não reconhecimento do aumento de capital. E, por fim, uma reunião extraordinária que indicaria emergência financeira.

Além dessa sequência, a família Dubrule questiona o fee de R$ 20 milhões pago aos bancos pela transação com a Mobly. “Ignorar o nosso aumento de capital foi uma irregularidade. Ignorar a questão do fee foi uma irregularidade. Não é normal ter um fee desse tamanho pago pela Mobly. Tem ainda recursos. Não estamos por cima no momento, mas estamos vivos.”

Em uma rara entrevista, Regis Dubrule conta ao NeoFeed se sente arrependimento de ter trazido um sócio-controlador, responde sobre cada um dos executivos que passaram pela companhia, fala o que pensa sobre a Mobly, a desgastada relação com Fernando Borges e a SPX e por que não abandona tudo e vai para a Riviera Francesa.

“O Fernando falou para mim em uma reunião: “não entendo por que vocês não vão para a Riviera Francesa e abandonam isso tudo?” Eu respondi: “porque eu não sou você”, conta Dubrule. “Ele não consegue imaginar que, para nós, não é a questão emocional, que existe. A gente acredita. É uma tristeza ver a empresa desaparecer.”

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

A família Dubrule se arrepende de ter acertado a venda da Tok&Stok para o Carlyle em 2012?
Não gosto de dizer arrependimento, porque isso já faz 12 anos. Não dá para se arrepender de coisas tão antigas. E também porque tinha um plano, de venda e sucessão. Tenho cinco filhos e todo o nosso patrimônio estava na empresa. Eu já tinha passado dos 60 anos, não queria ter de repassar um negócio complicado, porque o varejo não é fácil, apesar do nosso sucesso. Passamos por diversas crises, planos econômicos, inflação, etc. Não é fácil. E nós dois [ele e Ghislaine] conseguimos passar. Repassar todo o patrimônio em uma empresa é difícil. A ideia era fazer um IPO, antes de vender. Seríamos diluídos, mas manteríamos a gestão, mesmo com participação minoritária.

A ideia do IPO foi antes da negociação com o Carlyle?
Isso. Aí tentamos vender para um fundo uma participação minoritária, em 2007. Fizemos um processo competitivo com o Rothschild, mas me desgostei porque estávamos bem avançados com um fundo brasileiro, muito bom, mas acontece que eles queriam a governança corporativa, apesar de serem minoritários. Eles colocaram tanta coisa que me senti amarrado e no fim achei perigoso, não valia. Depois aconteceu a crise e pensamos em vender o controle porque assim, pelo menos, venderíamos a governança a um valor maior. E vamos ajudar a fazer esse IPO que não conseguimos fazer, porque nenhum desses fundos quer entrar para ficar. Fizemos um processo competitivo com o BTG e o Carlyle não foi que ofereceu o maior valor.

“Ainda estamos contando que não vamos perder a empresa”

Então, por que a foi a gestora escolhida?
Porque eles gostavam da Tok&Stok, da cultura, de tudo o que eles não gostam mais e não respeitam. Mas no início respeitaram tanto que a Ghislaine se ofereceu para ser a CEO. Eles concordaram em ficar até dois anos e ela ficou quase cinco. E respeitaram absolutamente a companhia. Tínhamos divergência às vezes, mas nada relevante. Foi muito bem com o Carlyle. Havia um outro fundo, que estava com uma proposta nitidamente melhor, porém queria assumir no dia seguinte, que a gente saísse de uma vez. Não queríamos perder a empresa, era dividir com eles [investidores] e fazer o IPO, que acabou não acontecendo por tudo o que aconteceu nos anos seguintes. Mas lamentar? Eu vou lamentar mesmo se a gente não conseguir sair dessa situação inexplicável que estamos hoje. Ainda estamos contando que não vamos perder a empresa.

Por que a família Dubrule é contra a fusão com a Mobly?
A Mobly é uma empresa que, desde que ela existe, é um avião caindo. Nunca ganhou dinheiro. Conseguiram fazer um IPO brilhantemente, capturaram R$ 800 milhões há três anos e está sobrando R$ 150 milhões. Na última apresentação, conseguimos ver que no primeiro semestre deste ano queimaram R$ 70 milhões de caixa. Eles vão se espatifar mesmo. Com a Tok&Stok, eles querem se amarrar nas sinergias.

Os números são bem robustos.
Colocaram sinergias que vão entre R$ 70 milhões e R$ 130 milhões. Nós acreditamos em R$ 50 milhões. Mas vamos imaginar que o número deles está certo. Vamos pegar a média de R$ 100 milhões de captura. Eles estão queimando R$ 140 milhões de caixa por ano. Então, no melhor dos casos, vão parar de queimar caixa. E a Tok&Stok? Não é um avião que está embicado para baixo, é um avião que está muito fragilizado, mas o resultado está positivo. A Ghislaine estava chegando no resultado positivo. O mês de agosto deve ter sido excelente, julho já estava melhor.

“A Tok&Stok não é um avião que está embicado para baixo, é um avião que está muito fragilizado, mas o resultado está positivo”

No ano passado, a receita tinha sido de pouco mais de R$ 1 bilhão e o plano este ano era chegar a R$ 1,5 bilhão. Vai chegar?
Não vai chegar a R$ 1,5 bilhão, mas não vai ser muito longe disso. Mas o mais importante é o resultado. Porque no ano passado foi um prejuízo importante, mas neste ano vai ter um lucro miserável em relação à dívida. E um Ebitda entre R$ 10 milhões e R$ 20 milhões. Logicamente que, com a dívida que está, é insuportável. Mas, no curto prazo, passa. A dívida já foi reperfilada e em 2024 não tem nenhum vencimento. Inclusive vai terminar o ano com um caixa de R$ 100 milhões novamente.

Mas a fusão não faz sentido?
De um lado está a nossa empresa que tem o muro da dívida chegando e que está tentando endireitar as coisas, e os outros que vão vir na sinergia vão interferir em toda a operação. Por exemplo, no centro de distribuição de Extrema. Eles querem colocar tudo lá. Mas mexer em um centro de distribuição em um momento como estamos hoje é pior que uma mudança porque prejudica a operação. E não podemos nos permitir não faturar, já vimos esse filme no momento de mudar para lá. Tivemos de voltar para São Paulo porque não funcionava. Esse é um dos exemplos das sinergias que não funciona com duas empresas independentes. A nossa convicção é que eles precisam das sinergias, então não podiam demorar.

Mas e a fusão?
Podemos até imaginar um cenário. Deixa a Tok&Stok se consolidar e depois a fusão, um dia, para nós seria pensável se eles não tivessem essa queima de caixa e se nós tivermos em uma situação boa. Mas você pega duas empresas como estão… Somos contra o negócio porque a gente quer salvar a Tok&Stok, porque estamos convictos que conseguimos salvar com o aumento de capital, que é isso que foi a nossa divergência.

Qual foi a proposta da família que a SPX desconsidera?
Temos um aumento de capital na empresa, trazendo R$ 100 milhões, que dizemos que vamos trazer, e temos dívida na empresa que pode ser convertida em capital. Então é um aumento de capital de R$ 210 milhões. Fizemos uma reunião de conselho, que foi convocada conforme os estatutos da empresa, por dois conselheiros, eu e o independente, Roberto [Szachnowicz], e foi evidentemente apresentada ao Fernando Borges, da SPX, que não compareceu. Depois ele fez uma assembleia geral demitindo o Roberto, uma nova reunião do conselho apresentou um novo conselheiro e fez uma RE [reunião extraordinária] para conseguir fazer a fusão com Mobly, em uma sequência.

Quais são os erros nesse processo, na sua visão?
Primeira anomalia: ele desconsiderou a nossa reunião, que foi feita conforme os estatutos, está registrada na Junta Comercial e eles nem impugnaram. E, segundo, fizeram essa RE, que só pode ser feita em emergência, para consenso de pagamento. Fizeram a RE, mas não tem nenhuma emergência. A Tok&Stok está muito fragilizada, porque não tinha resultado, mas está melhorando, não queima mais caixa. O problema é o ano que vem e o seguinte, quando vai ter de pagar os vencimentos da dívida. Nós realmente achamos que temos de fazer um acordo com os bancos.

De que maneira seria esse acordo?
No nosso aumento de capital, pedimos 90 dias para apresentar aos bancos, porque em todo caso eles têm de concordar. Já tínhamos feito reuniões anteriores com os bancos há três meses. Para nós, a Tok&Stok é salvável. Montamos vários cenários de business plan e estamos confiantes que a gente consiga recuperar a empresa e daqui a três, quatro anos, quando vencerão todos os principais da dívida, a gente terá resultado suficiente para convencer investidores a colocar mais recursos na empresa ou até nós mesmos.

“Estamos dispostos a assumir o controle, mas não é o que queremos. Queremos salvar a empresa. E um acordo de acionistas para poder definir o CEO e manter as boas práticas para recuperar a empresa”

A família Dubrule quer recuperar o controle da Tok&Stok?
O Fernando sempre fala que nós fizemos isso porque queremos o controle. Mas não é. Propusemos o aumento de capital e queremos que eles participem. A gente quer salvar a empresa. E queremos que eles participem para dar mais recursos para a companhia garantir o futuro. Mas eles não quiseram. Porque eles têm um medo danado da Tok&Stok. Eles querem sair, desinvestir. Estamos dispostos a assumir o controle, mas não é o que queremos. Queremos salvar a empresa. E um acordo de acionistas para poder definir o CEO e manter as boas práticas para recuperar a empresa.

Quando vocês souberam da venda para a Mobly?
Faz um ano que estavam tentando um negócio com a Mobly. Mas tiveram problemas porque o conselho dos alemães que controla a empresa estava em sérias dúvidas em fazer a fusão com a Tok&Stok que, apesar da boa imagem que tinha, carregava essa dívida. Andava, não andava. No momento em que não andava, o Fernando disse pra nós: “então compra a minha participação?” Eu respondi: “não quero comprar, quero pôr dinheiro na sua companhia. Põe como a gente”. Ele disse: “não vou pôr, me dilua”. O que isso quer dizer, faz um aumento de capital.

Que é a proposta de vocês que está sob análise da Justiça.
Foi o que fizemos. Mas quando chegamos dizendo, ok, vamos pôr. Ele: “vai falar com os bancos”. Fomos falar há três meses. E chegamos a um acordo com os bancos, mas os bancos disseram: “quem define é o controlador. Como vocês estão com eles?” Nós dissemos: “muito bem, ele que nos falou para vir falar com vocês”. Mas quando reunimos tudo, nessas três semanas, a Mobly estava ressuscitando. E a SPX disse: esquece o aumento de capital, vamos fazer a fusão. E começou a desandar tudo.

Você se decepcionou com o comportamento do Fernando Borges e da SPX nesses últimos tempos?
Mas totalmente! Porque o Fernando só tem a visão dele. Não é da empresa. Ele está indiferente à Tok&Stok, que não é o nosso caso. O que quero dizer é que a nossa única visão é salvar a companhia de uma forma, com eles ou sem eles. Eles, não. Querem sair porque não acreditam mais. E não acreditam porque colocaram a companhia nessa situação. Eles falam que a Ghislaine não trouxe o resultado esperado, mas eles tiveram seis anos para demolir e, reconstruir tudo em um ano, é difícil. Estamos percebendo que está melhor. Em agosto, as vendas foram 30% acima do orçamento, pelo jeito. Mas não estou certo.

“Eles [SPX] querem sair porque não acreditam mais [na Tok&Stok]. E não acreditam porque colocaram a companhia nessa situação”

Por quê?
Porque não consigo ver os números neste momento. Me cortaram de tudo. Vamos conseguir ver o resultado do trimestre. É fraca a palavra desapontar, porque cortar a Ghislaine era desnecessário. Mas, tudo bem, vamos admitir que estávamos em rota de colisão. O Fernando não tem interesse na companhia, quer sair e virar a página. Write off.

Qual é a sua avaliação do Roberto Szachnowicz, um conselheiro que votou pela destituição da Ghislaine como CEO, portanto contra a família. E depois pelo aumento de capital na companhia, contra os interesses da SPX?
Minha avaliação é que quando o Roberto votasse contra a SPX ele seria destituído. E a visão que se tinha era que tinha coisa mais importante pela frente. Não que a Ghislaine não fosse algo importante, mas era reversível. O Roberto, que aprendi a conhecer cada vez melhor, estava tentando ver o que era o melhor para a companhia. Às vezes, estávamos alinhados, em outras não totalmente. Mas, no fim, ele estava contra o negócio da Mobly. Ele percebeu, porque era uma evidência. Pega a imagem do avião. Eles vão nos derrubar. Ou vão se derrubar sozinhos.

Mas, com a aprovação do Cade à fusão, a Mobly assumiu a Tok&Stok.
Eles não sabem tocar a Tok&Stok. Se soubessem tocar, porque a Mobly não é uma Tok&Stok? Eles compram de fornecedores de produtos, são commodity. E eles vão aplicar isso na Tok&Stok, que tem os seus próprios produtos. A gente não deixa vender a terceiros, mas os deles vendem para outros clientes, outras lojas. Não funcionamos assim. Tivemos reuniões com eles, que disseram que vão lançar produtos próprios, para melhorar a marca. Faz 10 anos que estão nesse negócio, porque descobriram hoje que tem de fazer isso?

É uma questão emocional?
Não é a questão emocional, somente. É a questão da credibilidade, da competência.

“Consideramos eles culpados de tudo o que aconteceu, então por que vamos ter de comprar?”

Em um cenário que a Justiça atenda o pedido da família Dubrule, como será o dia seguinte? Como será o clima com a SPX e a conversa entre vocês?
Não garanto pelo lado de lá, mas acho que tem acordo. Sempre falamos, o responsável disso é o Carlyle [SPX], não queremos comprar você. Queremos pôr dinheiro na companhia. Consideramos eles culpados de tudo o que aconteceu, então por que vamos ter de comprar? Hoje, poderíamos admitir e dizer: podemos fazer um acordo para vocês saírem dignamente, isso sim é uma das alternativas. Se for razoável, porque sabemos que há o aspecto da responsabilidade E como eles têm pavor da Tok&Stok, eles desconfiam.

Qual é o clima atual?
O clima hoje é: difícil ficarmos juntos. Não tanto por nós, mas por eles. Quando falamos que íamos pôr dinheiro na empresa, eles falam: “eles não vão. Falam isso, mas não vão pôr o dinheiro”. Não é verdade, não faz nenhum sentido. Eles falam porque não acreditam mesmo na Tok&Stok e acham uma loucura. O Fernando falou para mim em uma reunião: “não entendo, por que vocês não vão para a Riviera Francesa e abandonam isso tudo?” Eu respondi: “porque eu não sou você”. Ele não consegue imaginar que, para nós, não é a questão emocional, que existe. A gente acredita. É uma tristeza ver a empresa desaparecer. Porque a SPX quer sair do negócio, a Mobly precisa de uma boia para se salvar e a fusão é o abraço do afogado. Mas um acordo a gente consegue. Estamos dispostos a fazer um esforço porque aprendemos. Se tivermos de fazer isso, faremos.

E se for o contrário, se não der certo?
Se não der certo, se não der certo… Não vou dizer. Ainda tenho ideias, mas que não posso falar porque não sei se vai dar certo. Mas não vamos abandonar tão já para ver se conseguimos vingar nossa posição. Se realmente virmos que não temos opção nenhuma, a gente talvez busque outra solução. Mas não vamos desistir tão rápido de abandonar a Tok&Stok. Vamos achar a solução.

Pelo que você falou, se a Mobly está assumindo a gestão, a família Dubrule enxerga que a destruição de valor da companhia pode ser grande?
Com o Fernando a gente está tentando o acordo. E uma das coisas que a gente fala é que temos de fazer esse acordo antes que seja tarde demais. Não queremos recuperar uma terra arrasada. E você tem toda razão: tem um limite. Esperamos que tudo seja reversível. Estamos trabalhando com a hipótese de que vamos voltar. Vai dar certo.

“Uma das coisas que a gente fala é que temos de fazer esse acordo antes que seja tarde demais. Não queremos recuperar uma terra arrasada”

Quem foi a maior concorrente da Tok&Stok?
Durante os primeiros cinco anos nunca fizemos propaganda e a Tok&Stok funcionou porque não existia nada igual. E pretendo ainda não existe nada igual no Brasil. Mas tiveram tentativas diversas. No início perdemos funcionários e fornecedores para nos copiar. E nenhum deles sobreviveu. O maior que tivemos foi a Etna, que também fechou. Eles tinham dinheiro demais, até. Mas não foi bem administrada. Fizeram tudo enorme, de uma vez só. Nós crescemos aos poucos. Tínhamos lojas grandes porque fechávamos a pequena para fazer uma maior. Não queríamos ter muitas lojas. Foi um crescimento orgânico, devagar. E eles entraram de uma vez, sem experiência nesse business e perderam muito dinheiro. A Etna sempre perdeu. Podia, porque a família [Kaufman, dos controladores da Vivara] tinha muito. Não vou dizer que fazia mal [o negócio de móveis e decoração], porque me assustou. Foi o maior concorrente.

Como foi esse período de concorrência acirrada?
O interessante é que eu acho que foi a época que a Tok&Stok mais cresceu. Sabe por quê? Porque sempre fomos um negócio um pouco sozinho e para muita gente essa coisa [de móveis e decoração] era diferente. Quando teve a Etna, que fez muita propaganda, imediatamente as pessoas iam na Etna e visitavam a Tok&Stok, então aumentou o fluxo, aumentou a visibilidade da marca. Foi uma coisa muito boa. Mas acho ainda melhor eles não estarem mais (risos).

Por que os cinco executivos que comandaram a Tok&Stok não deram certo?
Pegando por ordem. O caso do [Luiz] Fazzio, que era um executivo que tinha muita experiência em hipermercado e corte de custos. Afinal, qual é a diferença de um mercado para o nosso negócio? Lá eles vendem a marca de todo mundo e só tem de ter uma operação logística muito boa, reposição de estoque, preço e custos. Ele entrou no Carrefour para salvar o Carrefour, que estava numa crise violenta. Ele era muito bom nisso. E entrou na Tok&Stok e aplicou a mesma regra: começou a cortar custos. Não estou brincando, ele cortou de tudo. E o que fazia diferença. Ele achava que as nossas coisas eram frescuras.

“O Carlyle queria fazer o IPO. Nós também, estávamos bem alinhados com o Carlyle, sem dúvida, mas não com o método”

Não houve transição?
A Ghislaine pensava em fazer uma transição de seis meses para explicar todos os detalhes, mas ele aceitou ela cinco dias. E tirou fora, dizendo: “vou resolver isso melhor”. Porque tinha de melhorar os custos e melhorar o resultado porque o Carlyle queria fazer o IPO. Nós também, estávamos bem alinhados com o Carlyle, sem dúvida, mas não com o método. Esse é o primeiro, que pediu demissão sozinho. Ele abandonou e só deixou a história de corte: de custos e até das árvores nas lojas.

As árvores são as frescuras a que você se refere?
Tínhamos árvores bonitas, para dar um ar natural nas lojas e ele cortou. Porque são frescuras que ele não entendia. Da mesma forma, a Ghislaine mostrava as prateleiras para ele, todas divididas por cor. Mas qual é a cor que mais vende?, ele perguntou. Preto. Então faz tudo preto. Tinha de funcionar por giro e o nosso business não é só isso. Tem os dados racionais e os estéticos e emocionais. Essa mistura do toque e do estoque, a emoção e a razão. O tok são os valores da emoção e da estética e o estoque são os racionais. E como ele tinha cortado muita da cultura, os que o sucederam nunca conheceram a Tok&Stok como era. Isso foi um problema.

Depois do Fazzio veio o Ivan Murias.
Sim. O primeiro foi o cortador de custo, o segundo foi o estrategista errado. Ele comprou uma empresa de tecnologia, para transformar a Tok&Stok em uma empresa de tecnologia e entrar na bolsa de valores como uma empresa de tecnologia. Os múltiplos eram muito melhores. Era 30 vezes o valuation de uma empresa de varejo. Então, tinha esse objetivo de transformação. O chairman da Tok&Stok [Daniel Sterenberg] na época nos vendeu e fazia sentido. De novo, estávamos de acordo em nos parecer mais tecnológicos. Pode ser, mas o meio…

O que deu errado?
Compramos essa empresa, porque estava difícil contratar pessoas de tecnologia. Veio essa startup e começamos a trocar tudo. Mas tudo funcionava. E ficamos com um site que não funcionava mais e sem a nossa operação de logística e gestão de loja. O sistema que tínhamos era um sistema colcha de retalho, mas totalmente adequado, integrado na operação, desenvolvido em casa. Fizemos um novo centro de distribuição em Extrema, para ter incentivos fiscais, mudamos para lá com o novo sistema que não funcionou. Aí foi a catástrofe. Veio a pandemia, não conseguimos entregar nada. A pandemia atrapalhou? Sim. Teria nos atrapalhado? Sim. Mas jamais como atrapalhou, porque não funcionava mais nada. O segundo foi o estrategista errado.

E o terceiro executivo?
Depois apareceu o Octávio Lopes, era um CEO de sucesso, fez a Equatorial, um IPO de sucesso. Era o nome ideal para levar o IPO para frente. Mas ele não entendia nada de varejo. Esse nunca tinha colocado os pés. Não tinha noção e não tinha modéstia, sinceramente, de saber que ele não sabia. Todo mundo pode não saber, mas ele não sabia que não sabia. Por exemplo, ele falou para nós que éramos bem-vindos para ajudar e disse: “vou chamar vocês”. Respondemos que estávamos à disposição. Nunca nos chamou. E, de novo, a cultura da empresa tinha desaparecido. Ele veio com a proposta de montar novas lojas, mas a gente via que a Tok&Stok estava se endividando, que estava mal. E ele ainda avisou do IPO, pisou no acelerador e abriu 20 lojas, de um novo modelo [Studio], que fechamos quase todos. Sobra uma na Paulista e uma em Brasília. E fez um monte de bobagens, acelerou e aí a dívida… incrível como vai rápido. Ele se deu conta e foi embora, para a Light.

O sucessor dele foi justamente o chairman, o Daniel Sterenberg, certo?
Veio o chairman, que surtou. O Fernando Borges sempre nos culpa: “vocês falam que somos nós, mas vocês quiseram ele. Eu tinha falado que não ia dar certo”. É verdade. Mas por que a gente falou? Porque cada vez ia se buscar o melhor do ramo, o melhor profissional, com currículo perfeito. Mas não aprendemos? Foram três em seguida e cada vez vamos cometer o mesmo erro, com alguém que não sabe nada. Nós temos alguém, que é o Daniel. E ele quer. Teve a mudança no Carlyle, no momento em que foi para a SPX. Ele quer e conhece, gosta da Tok&Stok. Foi ele que levou o deal para o Carlyle. E conversando com ele, a gente entendia que ele sabia o que tinha de fazer.

Novamente, o que deu errado?
Ele entrou lá, se perdeu, entrou em depressão e sumiu. Ficou sete, oito meses. Isso eu reconheço que o Fernando falou com a gente: ‘olha, ele não vai dar certo. Ele é do business de private equity, que se toma uma decisão a cada dois anos. No melhor dos casos, uma por ano. No varejo, você tem de tomar 10 decisões por dia. Ele não vai aguentar. Eu conheço ele bem”. Ele falou certo. Não conseguiu. As pessoas chegavam com pressão, de ter de fazer. Ele entrou em uma empresa muito mal. Não é ele que causa o problema, ele simplesmente não conseguiu endireitar.

Por fim, vem o Roberto Szachnowicz, com a experiência de ter comandado a Etna.
O Roberto apareceu indicado por um amigo, gostei dele e apresentei, mas ele não podia entrar imediatamente. Aí a Ghislaine entrou nessa ponte. E ela percebeu tudo o que tinha de fazer, ela é muito rápida, conhece a operação. Aí vendemos para o Carlyle [SPX] que a Ghislaine tinha de ficar e o Roberto passou a ser do conselho. Fizemos esse entendimento com ele e acho que foi muito melhor. O problema foram os três primeiros: o primeiro que tirou a cultura da empresa, o segundo que fez a estratégia errada e o centro de distribuição e o terceiro que fez a dívida aumentar.





Fonte: Neofeed

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A operação secreta que salvou obras de arte ucranianas da fúria de Vladimir Putin

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A operação secreta que salvou obras de arte ucranianas da fúria de Vladimir Putin
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Não se via uma investida tão virulenta contra o patrimônio cultural de uma nação desde a Segunda Guerra Mundial. Para Vladimir Putin, a Ucrânia não tem identidade própria — é apenas “uma parte inalienável de nossa própria história, cultura e espaço espiritual”, disse ele, em pronunciamento aos russos, três dias antes da invasão de 24 de fevereiro de 2022.

Há dois anos e sete meses, monumentos, museus, teatros, bibliotecas, igrejas, templos e edifícios de interesse arquitetônico são deliberadamente destruídos. Coleções são expropriadas e enviadas para a Rússia. Soldados das forças de Moscou pilham peças de arte e as vendem no mercado clandestino. O custo dos ataques contra os bens culturais da Ucrânia está, até o momento, em Є 3,2 bilhões, em cálculo feito pela Unesco em parceria com o Banco Mundial.

A Organização das Nações Unidas já condenou a “campanha de genocídio cultural para destruir a identidade da Ucrânia como país”, como definem alguns analistas. “Sejamos claros: o povo ucraniano tem direito à sua identidade. Ninguém pode violar esse direito”, defende a ONU.

Graças a uma rede de solidariedade formada por diretores de museus, curadores e acadêmicos, espalhados por toda a Europa, uma parte da herança cultural ucraniana está a salvo. Em uma operação deflagrada às pressas e feita às escondidas, enquanto cidades e vilas eram bombardeadas, eles conseguiram tirar algumas obras de arte do país — e levá-las para longe da sanha de Putin.

E, assim, depois de passar por Madri, Colônia, Bruxelas e Viena, a exposição In the Eye of the Storm: Modernism in Ukraine, 1900–1930s está hoje na Royal Academy of Arts, em Londres, onde fica até 13 de outubro.

De pinturas a óleo e esboços a colagens e projetos de cenários para o teatro, são 65 trabalhos de artistas já consagrados, como Kazymyr Malevych, Sonia Delaunay, Alexandra Exter e El Lissitzky, bem como de figuras menos conhecidas, como Oleksandr Bohomazov e Mykhailo Boichuk — “cada um dos quais deixou uma marca indelével na arte e na cultura do país”, lê-se no texto de apresentação da mostra.

In the Eye of the Storm é acima de tudo símbolo da resistência ucraniana. Não é a primeira vez que ameaçam apagar a herança cultural do país.

“Os ucranianos conquistaram o direito de criar sua própria identidade em lutas sangrentas, e somente agora, durante os últimos meses da guerra em grande escala, o mundo aceitou que a Ucrânia é um sujeito, e não um mero objeto, da história”, diz Timothy Snyder, historiador e professor da Universidade Yale, nos Estados Unidos, à plataforma de notícias Svidomi, sediada em Kiev.

No início do século 20, a Ucrânia se dividia entre os territórios ocidentais, sob domínio do Império Austro-Húngaro, e as regiões orientais, governadas pela Rússia Czarista.

“Mesmo na ausência de um único estado soberano, os ucranianos afirmaram sua identidade nacional por meio da preservação de sua língua e tradições e do desenvolvimento de sua cultura, incluindo a arte”, escreve Jennifer Mathers, professora de política internacional da Universidade Aberystwyth, no País de Gales, no artigo Evacuated artworks exhibit details attempts to wipe out Ukrainian culture — and shows what survives, publicado recentemente na plataforma The Conversation.

Depois da incorporação, em 1922, da Ucrânia à recém-criada União Soviética, os ucranianos ainda experimentaram, por quase uma década, a liberdade de poder ser quem eram: ucranianos. A arte então floresceu. Uma arte vivaz e eloquente, como se vê na mostra de Londres.

A tragédia do Holodomor

A partir de 1930, porém, um forte senso de identidade nacional fez a população se rebelar contra a política de coletivização dos bolcheviques, liderados por Joseph Stalin. Às manifestações ucranianas, o ditador comunista respondeu com leis agrícolas espúrias e matou por inanição quase 4 milhões de mulheres, homens e crianças, no chamado Holodomor — ou a Grande Fome

Enquanto isso, os russos deram início à destruição em massa da cultura ucraniana, inclusive com a “eliminação física de seus criadores”, como conta o historiador Volodymyr Viatrovych, à Svidomi. A justificativa: o “nacionalismo burguês” dos ucranianos.

Com as perseguições, prisões e assassinatos, a arte sofreu perdas catastróficas. “Por isso, nossa cultura é pouco conhecida no mundo”, diz o também historiador Vladlen Maraiev, em seu canal no YouTube, History Without Myths.

“Composição (Genova)”, de 1912, é de Alexandra Exter, uma das artistas ucranianas mais conhecidas (Reprodução royalacademy.org.uk )

Em 25 de março de 2024, um bombardeio russo destruiu o Museu Mykhailo Boichuk, em Kiev (Reprodução kdidpmid.edu.ua)

Tymofii Boichuk costumava retratar as tradições ucranianas, como o quadro “Mulheres sob a macieira”, de 1920 (Reprodução royalacademy.org.uk )

Desde o bombardeio, em março de 2022, o interior da Biblioteca Regional Infantil, antigo Museus de Antiguidades Ucranianas, está exposto à chuva e à neve (Reprodução cambridge.org)

Esboço da coreografia “Máscaras”, para a Escola de Movimentos de Bronislava Nijinska, de Kiev, foi feito por Vadym Meller, em 1919 (Reprodução royalacademy.org.uk )

Curadores e funcionários do Museu Maidan, na capital, vasculham os escombros em busca de artigos deixados para trás, para montar uma coleção sobre a vida e a morte dos ucranianos comuns (Reprodução maidanmuseum.org)

A tela “Afiando as serras”, pintada por Oleksandr Bohomazov, estava no Museu Nacional da Ucrânia antes de ser levado para a Europa (Reprodução royalacademy.org.uk )

Os pontos verdes indicam a localização de áreas com patrimônio cultural, na região das cidades de Kiev e Chernihiv. Já os vermelhos localizam áreas de ação militar russa (Reprodução cambridge.org)

“Mulher camponesa ucraniana” foi pintada por Volodymyr Burliuk, entre 1910-1911 (Reprodução royalacademy.org.uk )

A comparação entre a ameaça à cultura ucraniana na década de 1930 e hoje é inevitável. Mas há um diferença fundamental entre o passado e o presente, ambos terríveis. A Ucrânia conta agora com a ajuda de governos e sociedades ao redor do mundo. A prova do apoio está exposta nas galerias da Royal Academy of Arts.

Nascido em Kiev, o historiador Konstantin Akinsha, de 64 anos, é figura central na evacuação das obras modernistas. À iminência da invasão, de Budapeste, onde vive hoje, atualmente ele acionou seus contatos de dentro e de fora da Ucrânia. Com Yulia Lytvynets, diretora do Museu Nacional, decidiu organizar uma exposição itinerante.

Chuva de mísseis

Foram meses de uma troca intensa de telefonemas, e-mails e mensagens de WhatsApp com diretores de museus da Europa, em busca de espaço para a mostra. A primeira instituição a aceitar a exposição foi o Museo Nacional Thyssen-Bornemisza, em Madri. Agora, era preciso descobrir uma forma de levar as peças até lá.

“Isso era um grande problema porque não havia nenhuma companhia de seguros no mundo que segurasse qualquer coisa que passasse pela Ucrânia durante o bombardeio russo. Felizmente, tínhamos caminhões de transporte e carregadores profissionais, porque a empresa austríaca, Kunsttrans, havia criado uma filial em Kiev, antes da guerra”, escreve Akinsha, em In the Eye of the Storm—The Race to Save Ukraine’s Art Treasures, para a para o site da Trebuchet, ONG global dedicada a apoiar artistas locais, ao redor do mundo.

Ficou decidido que a evacuação dos trabalhos modernistas aconteceria na terça-feira, 15 de outubro de 2022. Às segundas, os russos costumavam bombardear Kiev. De manhã cedinho, Yulia carregou os caminhões. “Eles partiram”, avisou ela a Akinsha, algum tempo depois, “Achamos que éramos muito espertos”, lembra o historiador.

Meia hora depois da saída das obras, porém, uma chuva de mísseis russos despencou sobre várias cidades, inclusive a capital. Yulia e Akinsha passaram o dia acompanhando a remessa e monitorando o ataque dos invasores.

Às 10 e meia da noite, os caminhões finalmente chegaram à fronteira da Polônia. Naquele instante, um míssil desgovernado atingiu o território polonês. Imediatamente a travessia foi interrompida.

Luta feroz

“Através dos esforços estelares de diplomatas ucranianos, que acordaram todos os oficiais na Polônia (embora naquela noite eles não estivessem dormindo de qualquer maneira), os guardas da fronteira liberaram a passagem dos caminhões”, conta Akinsha. E, assim, as pinturas foram salvas — e, com elas, um pouco da identidade cultural da Ucrânia.

Se os modernistas estão protegidos em Londres, lá no leste europeu, os ataques ao patrimônio artístico da Ucrânia prosseguem, cada vez mais duros. Mas, mesmo sob ameaça constante, em meio à destruição e às pilhagens, os ucranianos não esmorecem na luta pela preservação de sua identidade.

Os curadores e funcionários do Museu Maidan, em Kiev, por exemplo. Quando os russos chegaram, eles esconderam todo o acervo da instituição. Hoje, vasculham os escombros em busca de objetos que contem a história dos ucranianos — uma coleção sobre a vida e a morte de pessoas comuns, em tempos de guerra. São roupas, sapatos, livros, objetos de casa, louças, bichinhos de pelúcia…

Como diz o diretor Ihor Poshyvailo, ao jornal inglês The Guardian, os artigos recolhidos “demonstram toda a crueldade russa, mas também explicam porque os ucranianos estão lutando tão ferozmente por sua liberdade”.



Fonte: Neofeed

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