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Glória e sangue: a volta do épico de “espada e sandália” de Ridley Scott
O que Gladiador 2 tem em comum com O Poderoso Chefão? Quem comparou os dois filmes recentemente foi o cineasta britânico Ridley Scott, ao confirmar que a terceira aventura do seu épico de “espada e sandália” já está garantida.
E isso antes mesmo de Gladiador 2 ter desembarcado, na sexta-feira, 22 de novembro, em mais de 3,5 mil salas nos Estados Unidos.
“Graças ao desempenho do filme no resto do mundo, certamente filmaremos Gladiador 3. Como é uma questão financeira, seria insano não considerar a terceira versão”, afirmou o inglês Ridley Scott, comemorando a bilheteria alcançada na estreia do título no mercado internacional, no final de semana passado.
O blockbuster que representa a volta do filme-espetáculo, no sentido mais clássico (antes de os super-heróis dominarem Hollywood e as telas), abriu com mais de US$ 87 milhões, em cerca de 60 países. A quantia foi o suficiente para marcar o maior lançamento fora da América do Norte de um filme de Scott.
Em encontro virtual com jornalistas, que teve cobertura do NeoFeed, o cineasta afirmou que Gladiador 2, atualmente em cartaz no Brasil, foi concebido para deixar em aberto a possibilidade de mais uma sequência. E provavelmente em um prazo menor do que os 24 anos que separam o original da primeira continuação.
“A fala ‘Pai, o que devo fazer?’ [de Lucius Verus Aurelius, no final do filme], mostrando que ele não quer o trabalho, lembra um pouco O Poderoso Chefão, com Al Pacino não querendo o papel que terá de aceitar. De certa forma, eu roubo um pouco aqui. Obrigado, Francis”, brincou Scott, referindo-se ao colega Francis Ford Coppola.
A ideia para o próximo capítulo da saga será explorar as experiências de Lucius (interpretado por Paul Mescal), em uma posição que não gostaria de ocupar. Embora Scott e até Mescal já estejam falando de um Gladiador 3 nas entrevistas, a terceira produção ainda não foi anunciada oficialmente pelo estúdio responsável pela franquia, a Paramount Pictures.
Mas os números falam por si. Por mais que Gladiador 2 possa perder, ao bater de frente neste final de semana com o musical Wicked nas telas, como um novo “Barbenheimer” (talvez um “Glicked” ou “Wickediator”), o épico deve arrecadar de US$ 60 milhões a US$ 80 milhões na sua abertura na América do Norte, segundo de especialistas.
E tudo indica que Gladiador 2 terá uma carreira de sucesso, apesar de figurar entre as produções mais caras do ano, com orçamento estimado em US$ 250 milhões.
O que também conta muito a favor é o fato de a sequência estar à altura do original, ao apresentar trama sólida, personagens fortes e bem desenvolvidos e cenas de ação e de batalhas eletrizantes.
Foi assim que o primeiro filme conseguiu vender US$ 465 milhões em ingressos ao redor do globo, em 2000. E a produção ainda conquistou cinco Oscars dos 12 que disputou, incluindo os prêmios de melhor filme e de melhor ator, para Russell Crowe, no papel do general Maximus Decimus Meridius, que fez história na arena de Roma.
“O filme original nunca desapareceu”, disse Scott, ao justificar a necessidade de uma continuação, ainda que tardia, para a história do guerreiro que acabou se sacrificando por Roma. “O primeiro Gladiador ganhou vida própria, ficando muito popular com todas as novas plataformas, o que deixou claro que precisaríamos de uma sequência.”
“Quando nós nos sentamos com os colegas produtores, para decidirmos o que fazer, inicialmente examinamos os fatos: quem está vivo. Daí chegamos a Connie Nielsen [que interpreta Lucilla] e o filho da sua personagem [Lucius, vivido pelo ator mirim Spencer Treat Clark], que desapareceu misteriosamente no primeiro filme. Ele se tornou então o primeiro alvo”, contou Scott.
Isso explica a revelação feita em Gladiador 2, de que Lucius (agora adulto, na pele de Mescal) é, na verdade, um filho ilegítimo de Maximus. E o fato de o menino ter idolatrado o gladiador no primeiro filme ajudou, convencendo toda a equipe de que esse era o melhor caminho para a continuação.
Antes de encerrar o encontro com a imprensa, Scott comentou a recente trend sobre o Império Romano nas redes sociais, sobretudo no TikTok.
Nos vídeos, as mulheres perguntam aos homens com qual frequência eles pensam no Império Romano, descobrindo que o período histórico que evoca poder e masculinidade passa na cabeça de muitos praticamente todos os dias.
“Eu concordo”, disse Scott, acrescentando que a fascinação provavelmente se deve “à visão do Império Romano como um banquete de comportamento extremo”.
E ele completou: “Enquanto nós gostamos do período como um filme de Hollywood, eles faziam aquilo por diversão. Ver uma família ser devorada por um leão era como assistir a uma partida de futebol. Eu até tento manter uma visão romântica de um gladiador, mas a verdade é que Roma era realmente perversa”.
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O novo museu da herdeira do Bradesco
Há cerca de dois anos, quando foi convocado para conceber a curadoria de um museu dedicado a automóveis antigos, em Campos do Jordão, no interior paulista, o designer, cenógrafo e diretor artístico Gringo Cardia recebeu o convite com estranheza e até certo enfado.
Nada afeito a carros — “não conheço nem as marcas”, diz ao NeoFeed —, ele aceitou conhecer a coleção com mais de 500 modelos, em sua maioria do século 20, dos quais uma centena deveria ser exibida, de forma rotativa, em exposições de longa duração.
A coisa mudou de figura quando Cardia se deparou com um DKW-Vemag Belcar, de 1963, no mesmíssimo tom verde do modelo que havia pertencido à sua família, durante sua infância, em São José dos Pinhais, no Paraná.
“Fiquei emocionado. Lembrei-me de meu pai guardando dinheiro para comprá-lo. E me dei conta de que a emoção seria o principal ativo para o museu acontecer. Cada um dos carros tem uma história, e as pessoas os reconheceriam, fossem de um filme ou de seu próprio passado, de sua família”, afirma o designer, cenógrafo e diretor artístico.
Nascia, então, o CARDE (pronuncia-se cardê), acrônimo formado pelas palavras “carro”, “arte”, “design” e “educação”. Por trás do museu está a Fundação Lia Maria Aguiar (FLMA), instituição filantrópica criada por Lia, 86 anos, filha do banqueiro e fundador do Bradesco Amador Aguiar.
Os planos originais envolviam a criação de um Museu do Automóvel Antigo, com carros doados por Lia, por Luiz Goshima, conselheiro e membro honorário da FLMA, e por seu pai, o empresário e também colecionador Luiz Harunari Goshima, morto em setembro do ano passado.
Lia, cuja fundação arrematou, em um leilão ocorrido em novembro do ano passado, a coleção particular de Emanoel Araújo, artista visual e idealizador do Museu Afro Brasil, pretendia inicialmente criar entidades distintas, uma delas dedicada somente a seu acervo de arte.
Com o CARDE, optou-se por uma nova configuração, em que as obras de arte, os automóveis e ainda mobiliários seriam apresentados em diálogo, referindo-se a fatos históricos do Brasil e, ainda no contexto das ideias preliminares de Lia, recuperando e valorizando a memória das culturas que formaram o País, “a brasilidade representada por imigrantes, por indígenas, pela população afro”, reforça Goshima, em entrevista ao NeoFeed.
Cardia, que concebeu a curadoria do Memorial Casa do Rio Vermelho, aberto em 2014 na antiga residência de Zélia Gattai e Jorge Amado, em Salvador, vinha fazendo nos últimos trabalhos museológicos com caráter mais imersivo e audiovisual, a exemplo da Casa do Carnaval da Bahia, inaugurado em 2018. Com o CARDE, tinha o desafio de equacionar a materialidade dos automóveis e obras de arte com suas experiências com conteúdos digitais.
“Logo pensei que seria legal, porque tem muita gente que vem pelo objeto, pelos carros. Mas, com estas raridades, a gente captura um monte de pessoas que, ao vir aqueles automóveis e obras de arte, vão também entender o contexto histórico em que foram feitos”, diz ele.
“Inacreditáveis” 10 km/h
O CARDE tem 6 mil metros quadrados e sua cenografia inclui painéis de LED com detalhes sobre o design dos carros e o pano de fundo de suas fabricações. Na cenografia, por exemplo, Cardia espelha movimentos arquitetônicos e artísticos refletidos nos projetos dos automóveis, do art nouveau e art déco à Bauhaus.
Há centenas de obras de arte, modernas e contemporâneas, espalhadas pelas nove salas temáticas, entre quadros, esculturas e gravuras, de nomes como Di Cavalcanti, Candido Portinari, Vik Muniz e Yutaka Toyota, entre outros, além de mobiliários de José Zanine Caldas.
Para criar os nexos históricos, Cardia convidou Heloisa Starling, escritora, professora e coordenadora do Projeto República, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No museu, entre outros exemplos, ela lança mão do modelo De Dion-Bouton Vis-à-Vis, de 1902, para narrar um acontecimento insólito entre o jornalista e abolicionista José do Patrocínio (1853-1905) e um automóvel que comprara numa viagem a Paris.
Após desembarcar no Rio, Patrocínio convidou um de seus grandes amigos, o poeta Olavo Bilac (1865-1918), para dar uma volta em seu novo brinquedo. Bilac não se fez de rogado, pediu ao amigo para pilotar a máquina e pisou o pé na tábua, segundo Heloisa. Desembestado, o carro alcançou “inacreditáveis” 10 quilômetros por hora e chocou-se contra árvores. Ambos saíram ilesos.
“Existem dúvidas se o acidente aconteceu em Botafogo ou na Tijuca”, conta a historiadora, ao NeoFeed. “Mas uma coisa é certa: o primeiro acidente automobilístico no Brasil foi provocado por um grande poeta”.
Pareadas com obras de arte, outras raridades do acervo automobilístico do CARDE ecoam fatos históricos curiosos. O museu apresenta, por exemplo, o modelo Isotta Fraschini, que o magnata Henrique Lage (1881-1941), dono dos navios Ita, da Companhia Nacional de Navegação Costeira, comprara nos anos 1920 para sua amada, a cantora lírica Gabriella Besanzoni (1888-1962).
Em tempo: sobrinha-neta de Gabriella, a escritora Marina Colasanti contou, em seu livro Vozes de Batalha, de 2021, essa história de amor que envolveu também a construção, para Gabriella, da mansão do Parque Lage, que futuramente abrigaria a Escola de Artes Visuais. De lá, saíram expoentes de arte contemporânea brasileira, como Beatriz Milhazes e Daniel Senise.
O “nosso” elétrico
Também estão em exibição um Lincoln K, de 1938, encomendado pelo ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros, e que transportou chefes de Estado como Getúlio Vargas, Charles de Gaulle, a rainha Elizabeth 2ª e o papa João Paulo 2º.
Vale também destacar dois modelos que refletem o empreendedorismo brasileiro na indústria automotiva, como o Gurgel Itaipu E-400 (1981) e o Gurgel MotoMachine (1991), do empresário João do Amaral Gurgel (1926-2009), acompanhados de uma vasta documentação adquirida pela instituição. Assim como carros marcados no imaginário dos brasileiros, como o Willys Gordini (1962), o Romi-Isetta 300 De Luxe (1959) e a Rural Willys 4×2 Luxo (1968), entre outros.
Como o acrônimo de CARDE indica, o museu vai refletir as ações nos campos de cultura, educação, saúde e desenvolvimento social promovidas há 16 anos pela FLMA em Campos do Jordão. Para tanto, um prédio vizinho ao museu irá abrigar um centro de pesquisa e referência dedicado a automóveis, design e história do Brasil. O complexo tem também uma escola de reparo automotivo, entre outras iniciativas.
Tendo em mente que apenas uma fração dos 500 automóveis estarão presentes nesta primeira exposição de longa duração, impossível segurar a curiosidade quanto ao que ainda está por vir.
Diretor-executivo do CARDE, Luiz Goshima é dono de quase todos os Fuscas em exibição. Ele adianta que ambas as coleções — de arte e automóveis — continuarão em expansão e serão incorporados paulatinamente ao museu.
“Deixar esses carros e essas obras dentro de casa, de uma garagem ou um galpão é uma coisa um tanto egoísta”, afirma ele, que é sócio-fundador da gestora Meraki Capital.
“Mas a rotatividade vai depender um pouco do termômetro das visitações, do interesse do público. A partir daí vamos ver que novas mostras podemos montar. Mas uma coisa é certa: o trabalho do Gringo e da professora Heloisa é um casamento que tem começo e meio, mas não tem fim”, complementa.
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Flávio Cerqueira, o garoto pobre fascinado por Rodin que se tornou um dos grandes escultores brasileiros
Em 2001, a Pinacoteca do Estado de São Paulo recebeu uma marcante exposição do escultor francês Auguste Rodin (1840-1917), apresentando, entre outras obras, o gesso original usado como molde para fundir A Porta do Inferno. Naquele mesmo ano, Flávio Cerqueira, que trabalhava como office boy e era calouro de artes visuais, passava pela região sem a intenção de visitar o museu.
No entanto, ao avistar o cartaz com uma das esculturas de Rodin, pensou intrigado: “Que estátua interessante. Será que está aí dentro?”. Movido pela curiosidade, entrou na fila e atravessou, pela primeira vez, as portas de um museu. O impacto do encontro foi imediato. Fascinado, Flávio chegou a tocar uma das esculturas, batendo levemente nela para sentir o material.
“Ali foi meu encontro com o Rodin”, recorda o artista, em conversa com o NeoFeed. “A partir daquele momento, ele passou a me guiar na escultura. O trabalho tinha uma escala que não era monumental, mas humana. Aquilo me atingiu de tal forma que pensei: é isso que quero fazer.”
Em 2024, Flávio comemora 15 anos de uma trajetória marcada pelo diálogo criativo com o bronze. Suas obras estão em exibição na mostra Eutonia, na Galeria Simões de Assis, na capital paulista, até 14 de dezembro.
Em breve, em 7 de dezembro, o artista inaugura Flávio Cerqueira — um escultor de significados, sua primeira retrospectiva no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), apresentando 40 peças que revisitam momentos cruciais de sua carreira.
“Flávio aborda experiências e questões negras de maneira profundamente original, utilizando o bronze — um material historicamente associado às elites econômicas, políticas, religiosas, sociais e culturais”, comenta a historiadora Lilia Schwarcz, curadora da exposição do CCBB, em entrevista ao NeoFeed.
Como define a autora de Brasil: Uma Biografia, “ele subverte a lógica tradicional desse material ao empregá-lo para retratar as pessoas, não apenas em contextos de sofrimento, mas frequentemente em situações de lazer e plenitude.”
Lilia tem certeza de que Flávio vai ficar como um dos nomes a nova geração de artistas negros e negras, “que veio com uma perspectiva decolonial, alterando as agendas da história da arte e das exposições de arte também”, completa Lilia.
Um lugar todo seu
Em 7 de setembro de 1989, quando tinha 6 anos, Flávio estava na avenida Tiradentes, em São Paulo, com seu pai, Floriano, para assistir ao desfile da Independência. Ao se deparar com o imponente edifício da Pinacoteca, o menino perguntou o que era aquele lugar. “É um espaço onde a gente não pode entrar”, respondeu Floriano.
“Meu pai era operário e acreditava que aquele lugar era só para os ricos, impressionado pela grandiosidade do prédio. Nossa família não tinha nenhuma ligação com o mundo da arte”, relembra Flávio.
Criado na periferia de Guarulhos, o escultor foi o primeiro de sua família a concluir o ensino universitário e, atualmente, cursa doutorado em Artes Visuais, no Instituto de Artes, da Universidade Estadual Paulista (Unesp):
“O lance acadêmico, para mim, é mais uma questão pessoal do que profissional. É para entender como funciona, como quem diz: ‘Pô, tá vendo? Eu posso navegar nos dois mundos”. E Flávio, hoje, com 41 anos, navega bem por diversos mundos.
Seu trabalho tem entrada no mercado de arte e também nos principais acervos institucionais, a exemplo de MASP (Museu de Arte de São Paulo), Instituto Inhotim, MAC-USP (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo) e a própria Pinacoteca de São Paulo.
Sua carreira também o levou a exposições internacionais em instituições como National Gallery de Washington e Museum of Fine Arts de Houston, ambos nos Estados Unidos, e Museu Stefano Bardini, na Itália.
Contador de histórias
Por trabalhar essencialmente com a figura humana, cada escultura de Flávio também representa uma personagem imersa em uma trama que se conecta tanto à sua trajetória pessoal quanto ao contexto social brasileiro. Em seus primeiros trabalhos, o artista camuflava o bronze com uma pintura eletrostática branca, dando a aparência da fragilidade da porcelana ao material rígido.
Ainda em seu processo de entrada no circuito artístico brasileiro, Flávio descreve esses trabalhos como monólogos: “Eu estava falando comigo mesmo. Era um momento reflexivo.”
Entre as obras dessa fase introspectiva, destaca-se Antes que eu me esqueça, de 2013 que retrata uma figura masculina de olhos fechados, tateando seu reflexo no espelho. As esculturas desse período raramente estabelecem contato direto com o espectador, com olhares vagos, direcionados para baixo ou voltados para si mesmas, intensificando o caráter introspectivo.
Na sua exposição individual, realizada na Galeria Triângulo, em 2016, Flávio assume plenamente a materialidade do bronze, apresentando figuras mais dinâmicas e carregadas de desejo. Entre os destaques estão Avua! e Passarinho, que exploram o sonho do voo. Essas obras marcam uma transição para um momento mais expansivo e ambicioso.
Durante uma residência no Kansas City Art Institute, no Missouri, Estados Unidos, em 2018, Flávio criou sua primeira figura feminina. Inspirado pela história de Ruby Bridges, a primeira criança negra, nos anos 1960, a estudar em uma escola destinada exclusivamente a brancos, ele esculpiu Uma palavra que não seja esperar.
A obra retrata uma jovem caminhando com determinação, equilibrando uma pilha de livros sobre a cabeça, simbolizando o peso e o poder do conhecimento em meio à luta por igualdade.
“Até então, minha relação com o trabalho era muito pessoal; eles falavam das minhas experiências com o mundo, por isso as figuras masculinas”, explica. “Quando começo a pensar no outro, passo a incluir personagens femininas, porque começo a abordar questões humanas que podem tocar em mim, mas também em qualquer outra pessoa, incluindo mulheres.”
Elementos do cotidiano
Um aspecto marcante no trabalho de Flávio é a incorporação de elementos do cotidiano, que dialogam com suas esculturas e expandem suas narrativas. Letras pichadas, livros, espelhos e objetos urbanos, como tênis e bonés, integram suas personagens, conferindo-lhes proximidade com o universo contemporâneo.
Além disso, suas obras frequentemente sugerem movimentos, como o ato de pichar, regar uma planta ou soltar uma bolha de sabão, capturando instantes de ação e transformando-os em momentos de contemplação:
“Eu coloco o bronze em um lugar comum”, comenta o artista. “Porque não estou retratando nenhum herói, personalidade ou acontecimento histórico. Estou trazendo situações cotidianas e usando o bronze para dar legitimidade a essas cenas do dia a dia, mostrando que elas são dignas de serem eternizadas”.
Na exposição Eutonia, Flávio apresenta seis trabalhos inéditos que exploram sensações de dor e força. Em um objeto de parede, o escultor utilizou suas próprias costas como molde, imprimindo uma mensagem: “Não estou no meu passado”.
A frase, gravada no dorso, surge como uma cicatriz, simbolizando um ponto de reflexão sobre o presente e o passado do artista.
Em Desenho Cego, Flávio faz uma homenagem ao ato de esculpir. A obra retrata uma figura masculina de olhos fechados, borrados de argila, segurando uma especa com uma das mãos.
Com a ferramenta, ele rasga a própria pele a partir da palma, ampliando a linha que simboliza a linha da vida.
“Estou fazendo uma alegoria à minha relação com a escultura. Porque, nos últimos 20 anos, tudo o que eu tenho, tudo o que eu conquistei, tudo o que eu aprendi foi por causa da escultura”, conclui o artista, que, ao dar forma ao bronze, não apenas molda o mundo, mas também a si mesmo.
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O “aquoir” dos vinhos e espumantes envelhecidos no fundo do mar
Por trazer à lembrança as histórias de naufrágios e tesouros, as imagens de garrafas incrustradas de cracas envolvem com uma aura de fantasia e charme os vinhos e espumantes envelhecidos nas profundezas dos oceanos.
A maturação de bebidas em altas profundidades, porém, vai muito além do fascínio pela ideia de aventura, despertando cada vez mais o interesse de produtores e especialistas de todo o mundo — e se transformado em um promissor negócio. A enologia descobre o aquoir, uma adaptação ao universo subaquático do conceito de terroir.
A nova tendência está baseada na hipótese segundo a qual o ambiente dentro d’água oferece condições únicas para o processo de amadurecimento das bebidas. A pouca luz, a pressão elevada, as temperaturas constantes e a baixa concentração de oxigênio poderiam aprimorar a qualidade dos vinhos e espumantes.
Ainda que o método não tenha sido corroborado por estudos científicos definitivos, vinícolas de todos os cantos do planeta estão lançando ao mar pequenos lotes de suas produções. Quando resgatadas, as garrafas fazem brilhar os olhos de muitos de seus clientes — sobretudo os de alto padrão, sempre dispostos a pagar mais por experiências exclusivas e inusitadas.
“As garrafas emergem cobertas por conchas e sedimentos, o que as torna um atrativo único”, diz Jean Carraro, proprietário e sócio da Videiras Carraro, sediada na cidade gaúcha de Bento Gonçalves, em conversa com o NeoFeed. Em 2018, ele se uniu a Fabiano Müeller, da Vinícola Fama, de São Joaquim, em Santa Catarina, para experimentar o envelhecimento undersea.
As primeiras remessas ficaram um ano, a 12 metros de profundidade, na costa catarinense. “Conforme fomos provando e analisando os vinhos e espumantes, vimos que havia muita diferença entre a maturação submarina e na cave. Com o passar do tempo notamos mudanças de cor, aroma e sabor”, conta Jean. “Um ano sob a água equivale a três anos em adega terrestre.”
Mais frutados, os espumantes envelhecidos no fundo do mar custam cerca de R$ 1,9 mil. E os tintos, com taninos mais macios e aromas intensificados, R$ 2,2 mil. Uma valorização de, pelo menos, 955% em relação às bebidas deixadas para amadurecer em terra firme.
Outra vinícola brasileira a testar os poderes das adegas subaquáticas foi a gigante Miolo Wine Group. Em 2016, a companhia gaúcha mergulhou 504 garrafas do Miolo Cuvée, a 60 metros no mar da Bretanha, na costa da França. O projeto foi criado para celebrar a exportação de 100 mil garrafas do espumante para o mercado francês.
“O lote foi retirado do mar em 2017 e depois veio para o Brasil, onde ficou na cave subterrânea da Miolo, no Vale dos Vinhedos [cidade do Rio Grande do Sul]”, conta, ao NeoFeed, Adriano Miolo, diretor superintendente do grupo, sem revelar quanto investiu na experiência.
A coleção Miolo Cuvée — Under The Sea foi recém-lançada e cada garrafa é vendida por R$ 3,5 mil — a título de comparação os espumantes mais caros da marca, quando maturados em terra firme custam em torno de R$ 440.
A cena vem se repetindo mundo afora. Na Grécia, a Gaia Wines usou o envelhecimento undersea, pela primeira vez, em 2011. Maturou o vinho branco Thalassitis, na profundezas do Mar Egeu. Nos Estados Unidos, a Mira Winery lançou alguns exemplares de cabernet sauvignon em Charleston Harbor, no litoral da Carolina do Sul. Aliás foi a vinícola americana a primeira a usar o termo aquaoir, quando do lançamento do projeto, em 2013.
Naufrágio do século 19
O entusiasmo em torno das adegas subaquáticas é tanto que já existem (embora poucas) empresas especializadas no serviço. A Miolo, por exemplo, contou com a parceria da francesa Amphoris. Operando desde 2013, no Mediterrâneo, a empresa faz o monitoramento constante das condições de pressão e temperatura.
Na Croácia, a Coral Wine Project mergulha vinhos no Mar Adriático, a profundidades entre 15 e 30 metros, sob temperaturas que variam de 8 a16 graus Celsius. No Japão, a Hokkaido Kaiyo Matsuri permite que consumidores submerjam, além de vinhos, saquê e uísque, na costa de Hokkaido, a mais setentrional das ilhas japonesas. Todo o processo de envelhecimento é acompanhado por câmeras.
A maturação undersea começou a ganhar força em 2010. Naquele ano, mergulhadores encontraram 145 garrafas de champanhe, entre elas, Veuve Clicquot, Juglar e Heidsieck, nos destroços de um navio naufragado, no século 19, no Mar Báltico, próximo ao arquipélago de Åland, entre Finlândia e Suécia. Para surpresa de todos, as bebidas estavam impecáveis.
Uma das unidades foi arrematada em um leilão, realizado em 2011, por Є 15 mil (o equivalente hoje a quase R$ 91 mil).
De olho em um mercado com grande potencial de expansão, em 2014, a Veuve Clicquot lançou o projeto Cellar in the Sea. Para a primeira experiência, a vinícola submergiu 300 garrafas de champanhe no mesmo Mar Báltico, a 40 metros de profundidade, com objetivo de estudar e comparar o produto amadurecido no ambiente subaquático com o maturado da maneira tradicional nas caves da maison em Reims, no nordeste da França.
Como já descreveu Jean-Marc Gallot, presidente da companhia, as garrafas envelhecidas no ambiente subaquático voltam com “notas terrosas e aromas de cogumelos e trufas”, enquanto as mantidas nas adegas tradicionais conservam “aromas de brioche e pêssego”. O experimento Cellar in the Sea permanece ativo e análises sensoriais e técnicas são realizadas periodicamente.
A sede dos consumidores por novidade
O envelhecimento subaquático pode parecer simples. Basta jogar algumas garrafas ao mar e esperar o tempo passar, só que não. A técnica exige muitos cuidados. Todas as vinícolas seguem basicamente o mesmo roteiro. As garrafas são protegidas por gaiolas de aço inoxidável, vedadas com cera e lacradas com arames de aço e rolhas premium para evitar a intrusão de água salgada. O que varia, de uma empresa para outra, é a profundidade e o tempo.
Por falta de pesquisas robustas sobre a ação real das condições do fundo do mar na qualidade das bebidas, a técnica divide opiniões. “É mais uma estratégia de marketing do que um avanço enológico,” afirma Mário Telles Jr., presidente da Associação Brasileira dos Sommeliers – São Paulo (ABS-SP), em conversa com o NeoFeed.
Mario Lucas Ieggli, vice-presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE) traz uma perspectiva técnica. “O armazenamento é responsável por 99% da qualidade final. Se o vinho não for armazenado adequadamente, a experiência final será comprometida,” explica, ao NeoFeed. “E uma boa adega terrestre climatizada — com controle de umidade, temperatura e luz —oferece praticamente tudo o que o fundo do mar proporciona.”
Exceto, como o especialista lembra, a pressão atmosférica. “Ela até pode influenciar no processo de maturação, mas não há estudos conclusivos sobre o quanto isso impacta a evolução da bebida”, diz.
O próprio Adriano Miolo faz questão de frisar a ausência de provas científicas. “Na Miolo, tudo exige muita pesquisa e tempo para avaliar, conhecer cada ambiente e como ele interfere em cada vinho”, faz questão de reafirmar.
Mas ele, como Ieggli, reconhece: a técnica tem seu apelo. “O consumidor está sempre em busca de novidades e experiências únicas. O inusitado desperta curiosidade, e isso cria espaço para explorar diferentes formas de apresentar o vinho”, diz o empresário.
A ousadia dos produtores tem sido recompensada pela sede dos clientes por novidade. Jean Carraro comemora: “Começamos o projeto como uma brincadeira entre amigos, para podermos consumir algo diferente, e acabou virando um grande negócio”.
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