Negócios
No “day after” do pacote, Haddad detalha plano, mas mercado ainda acha insuficiente
Doze horas depois de anunciar as linhas gerais do pacote fiscal do governo federal, aguardado há semanas – e que teve reação inicial decepcionante do mercado financeiro –, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, detalhou nesta quinta-feira, 28 de novembro, as principais medidas anunciadas na véspera com dois objetivos.
O primeiro deles foi reforçar o compromisso do governo com o arcabouço fiscal. Outro objetivo, numa clara tentativa de responder à reação negativa de boa parte do mercado, foi tentar passar a mensagem de que o pacote visava a toda sociedade brasileira, com medidas que exigiriam sacrifícios de todos os segmentos, não apenas dos mais pobres.
O discurso para tentar agradar o eleitor e o mercado teve efeito duvidoso. Não atenuou a decepção do mercado nem reverteu a expectativa de que o pacote é insuficiente para beneficiar as camadas mais pobres e evitar o desequilíbrio fiscal. De quebra, deixou no ar que talvez sejam necessárias novas medidas.
“São passos muito importantes esses que estão sendo dados”, disse Haddad, ao defender as medidas. “E, se precisarem outros, e certamente vai haver necessidade, nós vamos estar aqui para voltar à mesa do presidente Lula com as nossas ideias e tentando sintonizar as nossas ações em torno desse projeto.”
O dólar seguiu sua trajetória de alta nesta manhã de quinta, com uma cotação que ultrapassou a barreira icônica dos R$ 6 – acima do fechamento da véspera, que já havia sido recorde -, em meio a críticas de economistas e agentes quanto à estratégia adotada pelo governo.
“O pacote é decepcionante, muito difuso, de rendimento incerto e excessivamente carregado”, afirma Alberto Ramos, chefe da área de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs. “Além disso, adicionar uma medida estimulante que reduz a receita do imposto de renda pessoal consolida a visão de que a administração continua a adotar uma estratégia de impostos e gastos em vez de focar diretamente no aperto da postura fiscal.”
O diretor de Investimentos para Mercados Emergentes das Américas da UBS Wealth Management, Alejo Czerwonko, teve reação semelhante. “O anúncio não garante os R$ 70 bilhões em economia fiscal amplamente esperados pelo mercado, nem a sustentabilidade do teto de gastos do arcabouço fiscal, alimentando, portanto, dúvidas sobre a viabilidade e a credibilidade do modelo atual”, diz Czerwonko, baseado em Nova York, citado pela agência Broadcast.
O discurso cuidadoso, sem enfatizar a necessidade de cortar de despesas, acabou ofuscando o detalhamento das medidas – algumas com potencial de forte impacto nas contas públicas.
Um exemplo se deu quando Haddad citou a economia nos gastos do governo que o pacote deve gerar no período entre 2025 e 2030, de R$ 327 bilhões, valor muito mais chamativo do que os R$ 71,9 bilhões em 2025 e 2026, anunciado na noite anterior.
Haddad também foi pouco convincente quanto à necessidade de anunciar a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e a criação de taxação de quem ganha mais de R$ 50 mil por ano –medidas divulgadas na véspera sem maiores detalhamentos – num momento em que o importante era reforçar o corte de gastos.
Citando a necessidade de se fazer justiça social, o ministro gastou mais tempo rebatendo os cálculos de que a isenção ficaria acima dos R$ 35 bilhões previstos do que enfatizar o efeito mais impactante – beneficiar entre 70% e 80% dos assalariados do País, que se encaixam na faixa de renda de R$ 5 mil e também entre os que ganham até R$ 7.500, beneficiados com redução da alíquota.
Haddad confirmou que a isenção do IR, a princípio válida a partir de 2026, fará parte da reforma do IR que será enviada ao Congresso no ano que vem. Ele também explicou que a compensação desse gasto virá de duas frentes.
Uma delas prevê que quem ganhe mais de R$ 50 mil por mês pague uma alíquota mínima efetiva de 10%, de forma a compensar o aumento da faixa de isenção. “Por que quem ganha R$ 5 milhões ou R$ 10 milhões por mês não pode pagar 10% de alíquota efetiva? Está se buscando aqui um País mais justo”, disse Haddad.
O cálculo da alíquota efetiva considerará todas as fontes de renda, inclusive aquelas tributadas exclusivamente na fonte e isentas, como distribuição de lucros e dividendos e rendimentos financeiros isentos. Se a alíquota efetiva paga pelo contribuinte estiver abaixo de 10%, paga-se um adicional para chegar em 10%.
Outra frente virá com mudança da regra de deduzir do IR gastos com saúde, como plano de saúde e despesas com psicoterapia ou fonoaudiologia. Esses gastos continuam sendo dedutíveis em sua totalidade para os contribuintes. Mas a isenção do IR por razões de saúde vai estar limitada a quem ganha até R$ 20 mil por mês.
Ataque às fraudes
Por outro lado, ao anunciar uma operação pente-fino para pôr fim às fraudes nos programas sociais, como as ligadas ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), o ministro da Fazenda passou a impressão de que o governo deveria ter apertado o cerco muito antes nesse tema.
Em entrevista ao NeoFeed, o economista Raul Veloso estima que as fraudes nos programas sociais estão rendendo um buraco de R$ 70 bilhões nas contas públicas – praticamente o tamanho da economia de gastos para o biênio 2025-2026 anunciado na véspera.
Na coletiva desta quinta-feira, Haddad anunciou mudanças no BCP, pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, para limitar o acesso ao pagamento e conter a onda de concessão por via judicial.
Atualmente, para ter acesso ao BPC, a renda por pessoa de uma família não pode ser maior do que um quarto do salário-mínimo. Os rendimentos que vão entrar no cálculo da renda familiar mensal incluem salários, pensões, seguro-desemprego e rendimentos no mercado informal.
Além de anunciar um recadastramento, com biometria obrigatória para novas concessões e atualizações no cadastro, o governo pretende combater a indústria de liminares. O gasto com esse benefício está perto de R$ 100 bilhões no orçamento atualmente.
Dos 3 milhões de beneficiários do BPC, 1 milhão de pessoas com deficiência não têm no sistema o registro de qual é a deficiência, mas ganharam o direito por decisão da Justiça.
Esse dado reforça o alerta de Veloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento. Segundo ele, os gastos sociais viraram prioridade no País a partir de Constituição de 1988 e se refletem nas despesas do governo.
Até 1987, diz Veloso, o País gastava 22,3% do Orçamento com gastos sociais – que incluem despesas da União com Previdência Social, auxílio-doença e todos os programas sociais. Após a Constituição de 1988, esses gastos triplicaram, passando ocupar 60% do Orçamento, que hoje representa R$ 1,23 trilhão.
“Não entendo por que o governo demorou tanto para combater as fraudes com esses gastos sociais”, diz. “Em vez de ficar cortando despesas em outros segmentos, seria mais produtivo atacar as fraudes, que acabam entrando nessa rubrica de ‘prioridade social’.”
Veloso vê dois efeitos negativos para o governo com essa demora. O primeiro deles é não priorizar o que seria uma bandeira do presidente Lula e do PT, o gasto social eficiente. O segundo é evitar o impacto que essas fraudes causam na economia.
“Além de triplicar os gastos sociais, nesse período pós-1988 as despesas correntes caíram de 45% para 19%, incluindo saúde e educação, e os investimentos e inversões caíram de 16% para apenas 4%”, enumera Veloso.
Essa queda, segundo ele, explica a brusca redução dos investimentos públicos em infraestrutura – de 1980 a 2023, o investimento em infraestrutura caiu de 8,8% do PIB para 0,9% do PIB”. “O Brasil virou um País voltado à prioridade de gasto social e, por tabela, para fraudes, que impedem o crescimento de investimentos e do PIB.”
Negócios
A Caatinga, bioma mais pobre do Brasil, pode ser uma solução para a fome
Com o fim da temporada das chuvas, as folhas caem, deixando os troncos esbranquiçados à amostra. Do tupi, “caa”, “mata” e “tinga“, “branca”. Na Caatinga, a natureza parece morta — só que não.
As plantas desfolham para reduzir a perda de água pela transpiração e, dessa forma, sobreviver aos períodos mais secos. Basta a chuva voltar a cair para a paisagem esverdear de novo. Deveria ser assim, como sempre foi. Mas o caos climático está subvertendo a dinâmica do único bioma 100% brasileiro.
Com secas cada vez mais longas e frequentes, a Caatinga está ameaçada virar deserto. E, com o declínio ambiental, vem o agravamento da miséria, da fome e da sede de uma gente há muito depauperada — quase 20% da população rural mais pobre do país vive no bioma e depende dele para sobreviver.
Mas ainda há esperança, revela estudo recém-divulgado pelo Instituto Escolhas. Intitulado Os bons frutos da recuperação de florestas: do investimento aos benefícios, o levantamento da ONG socioambiental mostra: a restauração de 1 milhão de hectares da Caatinga, em áreas de preservação permanente e reserva legal, criaria 465,8 mil empregos e produziria 7,4 milhões de toneladas de frutas, hortaliças e verduras.
É comida em quantidade o suficiente para alimentar as comunidades locais e ainda proporcionar renda extra aos agricultores. Os produtos, aponta o relatório da entidade, poderiam ser incorporados ao Programa Nacional de Alimentação Escolar e vendidos nas feiras e mercados das localidades onde são produzidos — muitas delas, inseridas em desertos alimentares, onde o acesso a alimentos frescos e nutritivos é precário.
Ao fim e ao cabo, os R$ 15 bilhões necessários para a recuperação do 1 milhão de hectares resultariam em R$ 29,7 bilhões em receita líquida — quase o dobro do total investido.
“Isso é renda, isso é gente comendo, isso é mais alimentos nas feiras, isso é a agricultura familiar sendo empoderada”, diz Sergio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, em conversa com o NeoFeed. “Ou seja, a recuperação do que já foi desmatado na Caatinga é uma estratégia também de redução da pobreza, de combate às desigualdades e pelo fim da fome.”
O modelo avaliado pela organização é o chamado sistema agroflorestal (SAF). As agroflorestas alinham os interesses ecológicos aos econômicos, conciliando o plantio de espécies nativas com culturas agrícolas — os dois interagindo entre si e ambos se beneficiando mutuamente.
De um lado, a preservação ambiental, com a promoção da biodiversidade, melhoria da qualidade do solo, controle da erosão, preservação dos recursos hídricos… e de outro, o cultivo sustentável de alimentos, com alívio da pressão sobre a terra e a água, queda na incidência de pragas e doenças e, consequentemente, redução da necessidade de agrotóxicos.
Luz no fim do túnel
Atualmente, no Brasil, a produção agroflorestal é desenvolvida majoritariamente pela agricultura familiar. E, como define a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares, a Caatinga é “o bioma mais rural do país”. Cerca de 32% dos estabelecimentos agropecuários estão na região.
E pouco mais de 25% de seus 28 milhões de habitantes trabalham no setor agropecuário, enquanto a média nacional é de cerca de 6%, informa o estudo Agricultores familiares da Caatinga e do Cerrado: Mapeamento para a promoção de uma transição rural justa no Brasil, elaborado pela ONG Climate Policy Initiative (CPI).
Das cerca de 1,6 milhão de propriedades rurais da região, 75% têm, no máximo, 20 hectares. Ou seja, o bioma é dos pequenos produtores. Mas há um (enorme) problema, como alertam os analistas da CPI.
“Os agricultores familiares da Caatinga apresentam níveis mais baixos de produtividade e de acesso à assistência técnica. Ainda mais importante é o fato de que um grande número de agricultores familiares depende da agricultura de subsistência e vive em locais de extrema pobreza. Tal realidade os expõe ainda mais ao risco climático, devido ao acesso restrito a mecanismos de mitigação, como seguros ou insumos resilientes ao clima.”
Um passo importante rumo à preservação produtiva do bioma foi dado nesta quarta-feira, 11 de dezembro. Por unanimidade, a Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovou o projeto de lei (PL) 1990/2024, que institui a Política Nacional para a Recuperação da Vegetação da Caatinga.
Proposto pela senadora Janaína Farias, do PT, do Ceará, o dispositivo determina, entre outras medidas, a ação articulada da União, Estados, municípios e ONGs para a formulação e implementação de políticas públicas para a restauração e o uso sustentável dos recursos ambientais do ecossistema. E, isso, com a participação das comunidades locais, prevendo a capacitação dos trabalhadores. O projeto segue agora para apreciação da Câmara dos Deputados.
“A aprovação do PL é um marco histórico. Pela primeira vez, um bioma no Brasil terá uma política própria para guiar a sua recuperação”, comemora o diretor executivo do Instituto Escolhas. “Para que a bioeconomia possa crescer, essas comunidades precisam de apoio. O Brasil, por exemplo, é forte no agro porque foi feito todo um aporte de investimentos e formação de pessoal.”
Uma evolução muito peculiar
Se aprovado também na Câmara, o PL acena com a promessa de um olhar mais atento e cuidadoso para uma região que, desde sempre, sofre com a “falta de vigor institucional”, como definem os pesquisadores do projeto No Clima da Caatinga.
“Há menos conhecimento científico produzido sobre o bioma e menos grupos de pesquisadores seniores em atividade, se compararmos com a Amazônia e a Mata Atlântica, mesmo a Caatinga apresentando biodiversidade comparável”, escrevem os especialistas no relatório Caatinga, a floresta que é a cara do Brasil.
Estendendo-se pelos nove estados do Nordeste e o extremo norte de Minas Gerais, a Caatinga já perdeu 34 milhões de seus 82,6 milhões de hectares. É o quarto maior bioma brasileiro, atrás apenas da Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado e à frente do Pampa e do Pantanal.
Durante milênios, a região passou por oscilações intensas de temperaturas, curtos períodos de tempo nos quais o calor e o frio se alternavam drástica e rapidamente, submetendo a flora e fauna a um processo evolutivo muito particular.
Assim, algumas espécies não são encontradas em nenhuma outra floresta semiárida, apenas aqui — o que explica a importância do bioma para o planeta.
Três em cada dez plantas da região são endêmicas. Mandacaru, xique-xique, catingueira, barriguda e umbuzeiro, por exemplo, são privilégio brasileiro. Tal qual 317 dos 1.1824 tipos de animais. Entre eles, o tatu-bola, o periquito-cara-suja, o mocó, o tamanduá-mirim, o veado catingueiro… dos quais 47 estão ameaçados de extinção.
Negócios
Com Selic em alta, empresas enfrentam desafio ainda maior em rentabilidade
Na última reunião presidida por Roberto Campos Neto, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu, nesta quarta-feira, 11 de dezembro, elevar a taxa Selic em 1 ponto percentual, para 12,25% ao ano.
A decisão representa um baque para muitas companhias listadas na B3, que se encontram num momento em que não conseguem rentabilizar o capital em magnitude suficiente para cobrir o custo do dinheiro, prejudicando a atração de recursos para investimentos.
E considerando que a Selic deve seguir subindo em 2025, as companhias devem sofrer ainda mais para entregar uma rentabilidade capaz de atrair investidores, pagar suas dívidas e ter recursos para expandir as operações.
Esta é a conclusão de um estudo conduzido pela Málaga Assessoria em Finanças Corporativas e Contabilidade Societária, obtido com exclusividade pelo NeoFeed, que analisou 261 empresas listadas na Bolsa no período de 12 meses até 30 de setembro.
O estudo calculou a rentabilidade das companhias listadas, numa média histórica. O que se viu é que 75% das empresas apresentam rentabilidade inferior a 10% ao ano. A média foi de 7,76% ao ano, com 45 companhias apresentando rentabilidade negativa.
“O Brasil está desestimulando os investimentos corporativos, a iniciativa, o empreendedorismo, a pesquisa e o desenvolvimento, por conta do ambiente de juros elevados”, diz Flávio Málaga, sócio fundador da Málaga Assessoria, ao NeoFeed.
Os juros são apenas uma parte da equação da questão da rentabilidade, mas representam um aspecto importante da equação, considerando o peso que tem sobre as despesas financeiras das companhias, além de ser um sintoma de uma questão que poderia ter sido endereçado pelo governo através de um ajuste fiscal crível.
Málaga destaca que existe uma “trava concorrencial estrutural” para as empresas aumentarem sua rentabilidade, o que é natural, considerando que muitas companhias enfrentam mercados concorridos, o que naturalmente acaba limitando os ganhos.
“Muitas empresas enfrentam um ambiente concorrencial que impede de auferir grandes rentabilidades, muitas têm teto para aquilo que podem render”, afirma ele. “Mas temos um país que não cresce e uma alta despesa com juros. Essa combinação toda derruba a rentabilidade.”
São poucas as empresas que conseguem contornar a situação, que é o caso da WEG. Um dos principais nomes de seu setor no Brasil e no mundo, com claros diferenciais competitivos, a companhia catarinense consegue entregar uma rentabilidade de 30% ao ano, melhor resultado entre as empresas do estudo. A Ambev e a Vale são outras que estão neste grupo privilegiado, considerando seus tamanhos e relevâncias em seus mercados.
“Para ser uma empresa com uma rentabilidade ótima, a companhia precisa ter uma rentabilidade de 20% ao ano, estaria entre as top 20 ou top 30 do Brasil”, diz o sócio fundador da assessoria financeira.
Málaga destaca que o cenário atual é particularmente nefasto para as empresas de varejo, em que a diferenciação é mais difícil, as rentabilidades são estruturalmente menores e as companhias dependem de dívida para girar estoques e recebíveis.
Das empresas analisadas, 25 delas atuam neste segmento, de RD Saúde e Track&Field, que conseguem apresentar bons índices de rentabilidade, até Casas Bahia e Magazine Luiza, nas últimas posições.
Nesse grupo, segundo Málaga, a margem de lucro gira na casa dos quatro e cinco pontos percentuais sobre a receita. “E as despesas com juros come praticamente todo o lucro operacional”, diz ele. “Se essas companhias estiverem com um desempenho apenas mediano, os juros vão corroer o lucro.”
Para incentivar novamente os investimentos em empresas, Malaga diz que os juros precisariam estar, nominalmente, entre 7% e 8% ao ano, para incentivar novamente os investimentos em empresas, levando em conta a rentabilidade que as companhias vêm apresentando. Mas sem um sinal de ajuste crível do governo federal, a situação deve permanecer difícil para as empresas.
Negócios
A estratégia da Novo Nordisk para enfrentar o fim da patente do Ozempic no Brasil
A menos de dois anos da expiração da patente no Brasil dos blockbusters Ozempic e Wegovy, a farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk se prepara para a inevitável perda de mercado com o fim da exclusividade sobre a molécula da semaglutida. Sua estratégia: a modernização e ampliação bilionária da fábrica de Montes Claros, em Minas Gerais.
A companhia acaba de anunciar o investimento de R$ 500 milhões, na unidade fabril brasileira. Com o novo aporte, o total destinado às obras, apenas em 2024, chega a R$ 1,36 bilhão. A ideia é triplicar, até 2027, a produção da enzima enteroquinase, essencial para a produção de dois de seus medicamentos mais vendidos no mundo. A substância “made in Brazil” garante o abastecimento do Ozempic e do Wegovy para mais de 70 países.
“A demanda para produtos da empresa teve uma explosão no mundo. Por isso, a gente precisa produzir mais esses medicamentos, o que explica a importância da ampliação da fábrica de enzimas em Montes Claros”, afirma Reinaldo Costa, vice-presidente corporativo da unidade mineira da farmacêutica, em conversa com o NeoFeed.
“A companhia viu a possibilidade de o Brasil ser um fornecedor global de enzimas ao invés de comprar de outras empresas. E isso nos garante um diferencial competitivo”, complementa.
O resultado global do terceiro trimestre da Novo Nordisk explica a decisão da companhia. Só com o Wegovy, o aumento foi de 79%, entre julho e setembro deste ano. No período, o faturamento global alcançou 34 bilhões de coroas dinamarquesas (o equivalente a R$ 28,8 bilhões). O crescimento geral das vendas foi de 24% sobre o terceiro trimestre de 2023.
Corrida pelo genérico
Com o aumento da produção da enzima, o custo de fabricação dos remédios naturalmente cai. E isso é também um fator importante a se considerar no momento em que é dada a largada na corrida pelos genéricos da semaglutida. Laboratórios nacionais, como EMS, Biomm, Cimed e Prati-Donaduzzi, já demonstraram interesse em produzir o composto ativo.
“Toda vez que expira uma patente a concorrência aumenta, e isso é muito bom para o setor de saúde no Brasil”, diz Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos do Estado de São Paulo (Sindusfarma), em entrevista ao NeoFeed.
Para ele, faz sentido o investimento da Novo Nordisk em solo nacional para reduzir os custos da fabricação do medicamento. “Com mais capacidade, o custo por unidade vai reduzir. E aí a empresa passa a ter condições de competir em patamar mais flexível com quem for lançar o genérico da semaglutida.”
Ainda que não admita, com a nova fábrica, a Novo Nordisk trabalha para minimizar o possível impacto da perda de parte da fatia de R$ 3,3 bilhões, segundo dados da IQVIA dos últimos 12 meses, das vendas dos dois remédios no Brasil. Por determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os genéricos devem custar, no mínimo, 35% menos do que suas contrapartes de referência.
Atualmente o antidiabético Ozempic e o antiobesidade Wegovy são encontrados nas farmácias por cerca de R$ 1,2 mil e R$ 2,3 mil, respectivamente. Ou seja, os genéricos não poderão ultrapassar R$ 780 e R$ 1,5 mil. Como a competição se anuncia ser acirrada a queda no preço deve ser ainda maior.
No Brasil, a participação dos produtos de marca corresponde a 85% do valor total dos medicamentos vendidos no País. Em unidades, porém, os negócios respondem por 39% do mercado.
Decisão judicial
A Novo Nordisk tentou ampliar o prazo da exclusividade no Brasil, mas não teve sucesso. A empresa entrou com depósito da patente da semaglutida junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) em 2006, o que garante a exclusividade do produto durante 20 anos.
Mas a farmacêutica foi à Justiça, alegando que o prazo venceria em 2029 por causa do atraso do Inpi no processo de registro. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou que a patente teria validade de duas décadas, a partir da entrada do registro. E, em 2023, o Tribunal Regional Federal (TRF-1) confirmou a decisão.
“A dona da patente queria mais prazo do que lei permite, e isso não é possível. Se a empresa é nórdica, argentina ou brasileira, a duração é igual para todas”, diz ao NeoFeed o advogado Pedro Marques Nunes Barbosa, especialista em propriedade intelectual e que atuou em defesa da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina) justamente sobre a patente da semaglutida no Brasil.
No Brasil, o Wegovy chegou às prateleiras das farmácias em julho deste ano, 18 meses após aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em janeiro de 2023, para utilização como medicamento contra obesidade.
Já o Ozempic começou a ser comercializado no País em 2019. A alta procura resultou em escassez do produto no Brasil em alguns períodos deste ano. O medicamento não tem aprovação para uso off-label (fora da recomendação da bula) e é indicado apenas para tratamento do diabetes tipo 2.
Com valor de mercado de US$ 375 bilhões (R$ 2,3 trilhões), segundo a Nasdaq Copenhagen, a ação da Novo Nordisk tem valorização de 13,4% no ano.
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