Negócios
Alfredo Menezes, da Armor: “Dominância fiscal é o pior cenário para o dólar. E estamos nesse caminho”
A decepção com o pacote fiscal levou o dólar a superar a marca de R$ 6 pela primeira vez na história, acumulando uma alta de 25% neste ano frente ao real. No entanto, o pior cenário pode ainda estar por vir, na avaliação de Alfredo Menezes, sócio-fundador da Armor Capital e um dos principais gestores de câmbio do País.
“Estamos chegando a um patamar de juros que compromete a sustentabilidade da dívida. Isso é preocupante e pode reacender as discussões sobre dominância fiscal”, afirma Menezes, em entrevista ao NeoFeed.
Em um cenário de dominância fiscal, os efeitos da política monetária perdem força, o que pode levar o Banco Central a adotar taxas de juros ainda mais elevadas para controlar a inflação ou mesmo abrir mão desse objetivo para preservar a saúde da dívida pública.
“O que poderia fazer o dólar disparar é a desconfiança, um clima de dominância fiscal”, diz ele. “Não acredito que estamos tão longe disso.”
De acordo com as projeções da Armor Capital, o déficit nominal do Brasil deverá atingir 10% do PIB no próximo ano, o que poderia dobrar o valor total da dívida em menos de oito anos.
“Não falta muito para entrarmos [em um cenário de dominância fiscal]. Na verdade, já estamos caminhando nesse sentido. Para reverter essa trajetória, seria necessário discutir uma reforma administrativa e cortes de gastos mais severos”, defende Menezes.
No curto prazo, no entanto, Menezes acredita que o Banco Central terá condições de controlar a desvalorização do real por meio de uma política monetária mais agressiva.
Para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o mercado espera uma aceleração no ritmo de alta da Selic de 0,50 ponto percentual para 0,75 ponto percentual e 1,00 ponto percentual.
Segundo Menezes, qualquer movimento abaixo desse patamar pode reacender a pressão sobre o dólar. “Se nenhuma medida adicional for adotada no campo fiscal, a Selic pode chegar a 14,5%”, estima o gestor.
Além das reformas – nas quais Menezes demonstra pouco otimismo –, ele defende que uma eventual mudança na meta de inflação, atualmente fixada em 3%, poderia aliviar o cenário fiscal.
Os críticos da mudança argumentam que alterar a meta de inflação poderia deteriorar ainda mais as expectativas inflacionárias. Porém, para Menezes, essa pode ser a saída menos prejudicial.
“O que é pior: conviver com uma inflação um pouco mais alta ou enfrentar um problema com a dívida no futuro? Em um cenário de dominância fiscal, a deterioração das expectativas será muito mais severa do que no caso de uma alteração bem planejada da meta”, afirma ele.
Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O dólar acima de R$ 6 tem surpreendido até mesmo as expectativas mais pessimistas do mercado. É um patamar que veio para ficar?
O último trimestre, sazonalmente, é um momento mais apertado para o fluxo de dólar no Brasil, por conta das remessas de dividendos para o exterior e pela redução nas exportações. Uma alta para R$ 5,80 é consequência desse fluxo. Já a alta para próximo de R$ 6,10 tem como principal fator o fiscal. O projeto decepcionou, não houve corte de gastos radicais, o que é normal em governos de esquerda. Estamos chegando a um patamar de juros que vai gerar um déficit fiscal nominal de 10% para o ano que vem. É um número que compromete a sustentabilidade fiscal e dobraria a dívida do país em 7,5 anos. Isso é preocupante e pode reacender as discussões sobre dominância fiscal.
Estamos longe de um cenário de dominância fiscal?
Não acho que estamos tão longe. Com um déficit nominal de 10%, os agentes vão se preocupar muito com a evolução da dívida. A solução fiscal sempre vai passar por um lugar: a inflação mais alta, que é a maior tributação. Não é à toa que o mercado precifica a taxa de juros em quase 15%. A história nos mostra que governos de esquerda não cortam gastos e mudam o patamar de inflação. Isso aumenta a arrecadação nominal, porque os preços sobem.
O argumento dos economistas que defendem a manutenção da meta de inflação é de que uma alteração pioraria ainda mais as expectativas de inflação. Considerando que uma meta mais alta permitiria um juro mais baixo, o saldo da mudança seria positivo para o Brasil?
Com o juro real em que estamos, o país não é solvente. Não adianta fazermos um “faz de conta”. Com um juro real de 7% e uma dívida de 74% do PIB, seria necessário 5% entre crescimento e superávit primário. Com o país crescendo 3%, precisaríamos de um superávit de 2%. Mas ainda temos déficit primário. O que é melhor: uma inflação mais alta ou um problema com a dívida lá na frente? Essa é a balança. Os medalhões da economia têm esse ponto de vista, de que a mudança pioraria as expectativas. Mas, se formos para um clima de dominância fiscal, a expectativa seria muito mais deteriorada do que se a meta fosse ajustada.
“Os medalhões da economia têm esse ponto de vista, de que a mudança pioraria as expectativas. Mas, se formos para um clima de dominância fiscal, a expectativa seria muito mais deteriorada”
Quanto tempo deve demorar para esse dólar mais forte bater na inflação?
Normalmente, demora entre seis e nove meses para impactar a inflação. Até acredito que, no primeiro trimestre, o dólar possa voltar para R$ 5,80 ou R$ 5,70, com a entrada da exportação de grãos. Mas o Banco Central e os agentes econômicos já consideram o dólar em torno de R$ 6. Provavelmente veremos as projeções de inflação no Focus subindo. Não é à toa que os agentes esperam uma alta de 75 ou 100 pontos-base na próxima reunião do Copom.
Entre a alta de 75 e 100 pontos-base, qual é mais provável?
Acredito que o mais provável seja 75 pontos-base, ainda que o ideal fosse uma alta de 100 pontos-base. Porém, imagina a pressão sobre o Roberto Campos se ele subir 100 pontos-base na sua última reunião do Copom. Sempre defendi um ajuste mais rápido na alta de juros, porque isso tende a resultar em uma taxa terminal menor. É melhor do que subir aos poucos. Mas acelerar de 50 pontos-base para 100 pontos-base seria uma mudança muito drástica, e não vi o BC sinalizar que pretende aumentar tanto o ritmo. Por isso, aposto em 75 pontos-base. Até porque, se for só 50 pontos-base, o real deve se desvalorizar ainda mais.
Para este ciclo de alta, é possível chegar a 15%, como o mercado precifica?
Estamos trabalhando com a expectativa de uma taxa final de 14,5%, caso não seja feito mais nada no lado fiscal. Se o mercado acredita em 14,5%, ele precifica 15% no pré-fixado. Isso acontece porque, devido ao descasamento entre ativo e passivo no Brasil, a oferta de títulos pré-fixados vem de arbitradores, que geralmente exigem um prêmio de cerca de 50 pontos-base acima de suas expectativas para a curva de juros.
Esse juro é suficiente para segurar o câmbio ou devemos ver o dólar muito acima de R$ 6,10?
Acredito que não [deve ultrapassar muito R$ 6,10], a menos que ocorra um clima de dominância fiscal muito forte. Se entrarmos nesse clima, será muito difícil que apenas a alta de juros seja suficiente para segurar o dólar.
“Hoje, o melhor termômetro do risco do país é a curva pré-fixada longa, que tem mostrado que o mercado não acredita no ajuste fiscal”
O externo tem influenciado o câmbio no Brasil, com o mercado reduzindo as expectativas de cortes de juros nos Estados Unidos?
Está claro que o dólar será uma moeda forte em um cenário com Trump, principalmente porque ele tende ao protecionismo, aumentando tarifas de importação. Além disso, Trump tem um viés mais liberal, o que deve gerar um crescimento econômico mais robusto nos Estados Unidos. Isso pode levar a juros médios mais altos por lá, fortalecendo o dólar especialmente frente às moedas do G7. No entanto, eu diria que esse não é o principal vetor da desvalorização do real. Acredito que o fiscal tenha tido um impacto maior. Basta comparar a desvalorização do real com as principais moedas emergentes. O que poderia fazer o dólar disparar é a desconfiança: um clima de dominância fiscal. Hoje, o melhor termômetro do risco do país é a curva pré-fixada longa, que tem mostrado que o mercado não acredita no ajuste fiscal.
O que falta para entrarmos no clima de dominância fiscal?
É um tema sobre o qual não gosto muito de falar, porque parece que sou o “vendedor do apocalipse”. Mas não falta muito para isso acontecer. Na verdade, já estamos caminhando nesse sentido. Para reverter essa trajetória, seria necessário discutir uma reforma administrativa e cortes de gastos mais severos.
Como vocês estão posicionados?
Estamos bem defensivos no Brasil, tomado em juros longos nominais, porque vejo a solução passando pela inflação média mais alta. Com a eleição em 2026, dificilmente haverá política de corte de gastos.
Não há mais expectativa, agora só com um eventual novo presidente em 2026?
Sim, é o que eu acho.
Negócios
O “kit Brasil 2.0” da AlphaKey para enfrentar os solavancos da bolsa brasileira
Nos anos 2000, o “Kit Brasil” foi uma estratégia de investimento focada em três apostas: alta da bolsa, queda do dólar e redução dos juros. Agora, a situação do mercado brasileiro é exatamente a inversa.
E a gestora de ações AlphaKey, que tem entre os seus investidores os family offices Aguassanta, de Rubens Ometto, e Citrino, de José Ermírio Moraes Neto, montou o seu próprio “kit Brasil” versão 2.0 para enfrentar os solavancos da bolsa brasileira.
“Você deve investir em empresas com receita em dólar e despesas em real. E ficar longe de companhias com pouco poder de repassar preços e que têm muita dívida”, diz Christian Keleti, fundador e CEO da AlphaKey, ao Café com Investidor, programa do NeoFeed que entrevista os principais investidores do Brasil.
Outros ingredientes do novo “kit Brasil” da AlphaKey são empresas boas pagadoras de dividendos, que tenham uma boa governança corporativa e estruturas de capital adequadas.
“As empresas de energia têm boa proteção contra inflação e gosto muito de shopping, de companhias como Multiplan, Iguatemi e Allos”, afirma Keleti.
Em sua carteira, estão empresas como Cyrela e Direcional, mas também companhias que estão fora do radar do mercado e que estão trazendo um bom retorno para os fundos da AlphaKey.
Uma delas é a C&A, na qual a gestora investiu quando a ação estava na faixa de R$ 4, mas que chegou a quase R$ 13 em novembro deste ano – na quarta-feira, 11 de dezembro, fechou em R$ 10,90.
“Esse é um caso emblemático. No terceiro trimestre de 2023, observamos que a empresa gerou de caixa quase todo o market cap dela. E ninguém olhava para ela”, afirma Keleti.
Agora, a AlphaKey montou uma posição, através de um fundo que captou exclusivamente para investir em um único ativo, na Priner, um spin-off da Mills, que está diversificando sua estratégia.
Na visão de Keleti, a Priner, que presta serviços industriais, tem aproximadamente o mesmo valor do IPO, que aconteceu em fevereiro de 2020, mas, desde então, multiplicou a receita e o Ebitda por aproximadamente cinco vezes, além de ter feito aquisições.
O M&A mais recente foi o da Real Estruturas e Construções, uma aquisição de R$ 170,7 milhões, que vai aumentar o faturamento da Priner em 30%. “É uma empresa diferenciada que está sendo negociada a 3X o Ebitda e crescendo de 20% a 25% por ano, com margens crescentes”, afirma Keleti.
Nesta entrevista, que você assiste no vídeo acima, Keleti detalha as teses da gestora, fala por que aposta em Cyrela e Direcional e conta sobre outra posição que montou em que ganhou 80% em quatro meses.
Negócios
Cimed entra no mercado de oral care para disputar mais de R$ 8 bilhões
Marca de hidratantes labiais da Cimed, a Carmed rapidamente caiu no gosto dos consumidores. Especialmente a partir do boca a boca digital gerado pelos posts dos irmãos – e influencers – João Adibe Marques e Karla Felmanas, respectivamente, o CEO e a vice-presidente da farmacêutica brasileira.
Um número traduz a escalada da linha lançada em junho de 2023. A partir do burburinho nas redes sociais, onde a dupla soma 5,5 milhões de seguidores, a marca deve fechar 2024 com um faturamento de cerca de R$ 400 milhões. E está pronta para turbinar ainda mais essas cifras.
Em uma estratégia antecipada ao NeoFeed, a Cimed está ampliando o alcance e o portfólio da Carmed com o lançamento de cremes dentais e enxaguantes bucais, produtos que marcam a sua entrada no mercado de oral care.
“O impacto do oral care para a Carmed é 20 vezes maior do que o hidratante labial”, diz João Adibe Marques, ao NeoFeed. “A marca já fatura R$ 1 bilhão no sell-out (volume total vendido no varejo). Mas com o oral care, nossa projeção é bater o primeiro bilhão no sell-in (vendas para o varejo) em 2025.”
À parte desse discurso, o que motiva a Cimed são os indicadores da categoria no Brasil.
O setor movimenta R$ 8,2 bilhões anualmente, é o segundo em termos de recorrência e está presente em 98% dos lares do País, atrás apenas de detergentes, segundo a consultoria Kantar.
De acordo com Marques, atualmente, três multinacionais respondem por cerca de 90% do faturamento do setor: as americanas Colgate-Palmolive e Procter & Gamble (P&G), e a britânica GSK, dona de marcas como Sensodyne.
“Nosso objetivo é chegar ao top 3 do segmento em três anos”, afirma o CEO da Cimed. Ele faz uma ressalva, porém, dentro dessa ambição. “Como fazemos em todo mercado que entramos, a ideia não é destruir a categoria. Nossa pegada é de construção de prateleira.”
Com um investimento cujo valor não foi revelado, o projeto para ocupar esse novo espaço teve início há seis meses. A fórmula para se diferenciar e alcançar o pódio da categoria, por sua vez, é conhecida e segue o modelo já adotado pela Carmed.
A começar pelas ações de divulgação, que irão combinar o poder de viralização da marca nas redes sociais com mídias tradicionais, como a TV aberta. Já no que diz respeito ao portfólio, a estreia também vem embalada em uma parceria com a fabricante de balas Fini, assim como feito nos hidratantes labiais.
“Nossa ideia é ter a primeira linha com sabores que fogem dos tradicionais menta e hortelã”, explica Marques. Sob essa orientação, os produtos que chegaram às gôndolas neste mês de dezembro trazem os sabores Fini Beijos e Fini Dentadura, com preços na faixa de R$ 14 a R$ 18.
Em linha com a abordagem de apostar nos sabores mais vendidos em hidratantes, em janeiro, cereja e melancia serão adicionados a esse pacote. E, no segundo semestre de 2025, o plano é complementar esse portfólio com fio dental e escovas de dente.
Nessa largada, a Carmed já contabiliza bons números. Desde a estreia no varejo, mesmo sem nenhum lançamento oficial, a marca registrou a venda de 7 milhões de cremes dentais. Para o primeiro ano da operação, a meta é chegar a um volume de até 100 milhões.
No caminho para perseguir esses números, a Cimed vai se concentrar inicialmente no varejo farmacêutico, que responde por 40% das vendas da categoria no Brasil, aproveitando-se da sua presença em 98% das farmácias no País.
“Com essa penetração, queremos chegar a um market share de 30% no canal farma nesse primeiro ano de operação”, afirma Marques. “E, para 2025, nosso desafio é estruturar a entrada no canal alimentar, de supermercados e lojas de conveniência, que concentra os 60% restantes das vendas.”
Em uma terceira via, o plano é dar sequência aos projetos de lojas pop-ups da Carmed, por meio da repaginação de farmácias parceiras, por períodos que podem se estender de 60 a 120 dias. Nesse ano, foram 14 projetos nesse modelo, contra os quatro inicialmente orçados.
“Ainda vamos entender como vamos avançar nessa frente em 2025, mas já temos mais de mil pedidos de parceiros nesse formato”, diz. “No fundo, ninguém quer visitar uma farmácia. Então, nossa ideia é justamente provocar outra experiência no consumidor e construir um novo mercado.”
Com esse mesmo viés, mas sob a ótica de aproximar as farmácias com o público das academias, em 2025, o formato das pop-ups será estendido à Lavitan, linha de vitaminas e suplementos alimentares da Cimed.
Hoje, excluindo a categoria de medicamentos genéricos, que segue como carro-chefe da Cimed, as linhas Carmed e Lavitan já são as duas principais marcas da farmacêutica, dona de um portfólio de mais de 600 produtos.
Os atalhos para os R$ 5 bilhões
O fato de a companhia reservar cada vez mais investimentos e tempo a essas duas operações dialoga diretamente com a sua meta de alcançar um faturamento de R$ 5 bilhões em 2025. Para esse ano, a projeção é registar um crescimento de 25% sobre 2023, quando a receita bruta foi de R$ 3 bilhões.
“A entrada em novos setores é justamente a alavanca para batermos essa meta”, diz Marques. Nesse contexto, a estreia em oral care, prevista inicialmente para 2025, foi antecipada para cobrir a lacuna de outra iniciativa que figurava no pacote de novos mercados da Cimed para esse ano.
Há pouco mais de três meses, a farmacêutica viu frustrada sua tentativa de comprar a Jequiti, do Grupo Silvio Santos. A aquisição marcaria, na prática, sua entrada no canal de vendas diretas, o famoso “porta a porta”.
“A não compra da Jequiti foi substituída pelo oral care. Do contrário, seria muito difícil entregarmos o que planejamos no ano que vem”, diz. Ele projeta o investimento – orgânico ou via M&As – em novas categorias para 2025. Protetores solares, shampoos e condicionadores são alguns deles que estão no radar.
Em contrapartida, Marques não comenta a matéria publicada no início de setembro pelo jornal Valor Econômico, afirmando que a Cimed teria contratado o J.P. Morgan para vender uma fatia minoritária de sua operação.
Para realçar o momento e as perspectivas da Cimed, ele não se esquiva de falar, porém, sobre outra possível movimentação recente no mercado farmacêutico, revelada pelo portal Pipeline: a notícia de que a francesa Sanofi teria contratado a Lazard para vender a operação da Medley no Brasil.
“Estamos muito atentos para o caixa, mas agora que a Medley voltou ao mercado, vamos entrar nessa disputa”, ressalta. “Então, hoje, num primeiro momento, somos muito mais compradores do que vendedores.”
Negócios
A Caatinga, bioma mais pobre do Brasil, pode ser uma solução para a fome
Com o fim da temporada das chuvas, as folhas caem, deixando os troncos esbranquiçados à amostra. Do tupi, “caa”, “mata” e “tinga“, “branca”. Na Caatinga, a natureza parece morta — só que não.
As plantas desfolham para reduzir a perda de água pela transpiração e, dessa forma, sobreviver aos períodos mais secos. Basta a chuva voltar a cair para a paisagem esverdear de novo. Deveria ser assim, como sempre foi. Mas o caos climático está subvertendo a dinâmica do único bioma 100% brasileiro.
Com secas cada vez mais longas e frequentes, a Caatinga está ameaçada virar deserto. E, com o declínio ambiental, vem o agravamento da miséria, da fome e da sede de uma gente há muito depauperada — quase 20% da população rural mais pobre do país vive no bioma e depende dele para sobreviver.
Mas ainda há esperança, revela estudo recém-divulgado pelo Instituto Escolhas. Intitulado Os bons frutos da recuperação de florestas: do investimento aos benefícios, o levantamento da ONG socioambiental mostra: a restauração de 1 milhão de hectares da Caatinga, em áreas de preservação permanente e reserva legal, criaria 465,8 mil empregos e produziria 7,4 milhões de toneladas de frutas, hortaliças e verduras.
É comida em quantidade o suficiente para alimentar as comunidades locais e ainda proporcionar renda extra aos agricultores. Os produtos, aponta o relatório da entidade, poderiam ser incorporados ao Programa Nacional de Alimentação Escolar e vendidos nas feiras e mercados das localidades onde são produzidos — muitas delas, inseridas em desertos alimentares, onde o acesso a alimentos frescos e nutritivos é precário.
Ao fim e ao cabo, os R$ 15 bilhões necessários para a recuperação do 1 milhão de hectares resultariam em R$ 29,7 bilhões em receita líquida — quase o dobro do total investido.
“Isso é renda, isso é gente comendo, isso é mais alimentos nas feiras, isso é a agricultura familiar sendo empoderada”, diz Sergio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, em conversa com o NeoFeed. “Ou seja, a recuperação do que já foi desmatado na Caatinga é uma estratégia também de redução da pobreza, de combate às desigualdades e pelo fim da fome.”
O modelo avaliado pela organização é o chamado sistema agroflorestal (SAF). As agroflorestas alinham os interesses ecológicos aos econômicos, conciliando o plantio de espécies nativas com culturas agrícolas — os dois interagindo entre si e ambos se beneficiando mutuamente.
De um lado, a preservação ambiental, com a promoção da biodiversidade, melhoria da qualidade do solo, controle da erosão, preservação dos recursos hídricos… e de outro, o cultivo sustentável de alimentos, com alívio da pressão sobre a terra e a água, queda na incidência de pragas e doenças e, consequentemente, redução da necessidade de agrotóxicos.
Luz no fim do túnel
Atualmente, no Brasil, a produção agroflorestal é desenvolvida majoritariamente pela agricultura familiar. E, como define a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares, a Caatinga é “o bioma mais rural do país”. Cerca de 32% dos estabelecimentos agropecuários estão na região.
E pouco mais de 25% de seus 28 milhões de habitantes trabalham no setor agropecuário, enquanto a média nacional é de cerca de 6%, informa o estudo Agricultores familiares da Caatinga e do Cerrado: Mapeamento para a promoção de uma transição rural justa no Brasil, elaborado pela ONG Climate Policy Initiative (CPI).
Das cerca de 1,6 milhão de propriedades rurais da região, 75% têm, no máximo, 20 hectares. Ou seja, o bioma é dos pequenos produtores. Mas há um (enorme) problema, como alertam os analistas da CPI.
“Os agricultores familiares da Caatinga apresentam níveis mais baixos de produtividade e de acesso à assistência técnica. Ainda mais importante é o fato de que um grande número de agricultores familiares depende da agricultura de subsistência e vive em locais de extrema pobreza. Tal realidade os expõe ainda mais ao risco climático, devido ao acesso restrito a mecanismos de mitigação, como seguros ou insumos resilientes ao clima.”
Um passo importante rumo à preservação produtiva do bioma foi dado nesta quarta-feira, 11 de dezembro. Por unanimidade, a Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovou o projeto de lei (PL) 1990/2024, que institui a Política Nacional para a Recuperação da Vegetação da Caatinga.
Proposto pela senadora Janaína Farias, do PT, do Ceará, o dispositivo determina, entre outras medidas, a ação articulada da União, Estados, municípios e ONGs para a formulação e implementação de políticas públicas para a restauração e o uso sustentável dos recursos ambientais do ecossistema. E, isso, com a participação das comunidades locais, prevendo a capacitação dos trabalhadores. O projeto segue agora para apreciação da Câmara dos Deputados.
“A aprovação do PL é um marco histórico. Pela primeira vez, um bioma no Brasil terá uma política própria para guiar a sua recuperação”, comemora o diretor executivo do Instituto Escolhas. “Para que a bioeconomia possa crescer, essas comunidades precisam de apoio. O Brasil, por exemplo, é forte no agro porque foi feito todo um aporte de investimentos e formação de pessoal.”
Uma evolução muito peculiar
Se aprovado também na Câmara, o PL acena com a promessa de um olhar mais atento e cuidadoso para uma região que, desde sempre, sofre com a “falta de vigor institucional”, como definem os pesquisadores do projeto No Clima da Caatinga.
“Há menos conhecimento científico produzido sobre o bioma e menos grupos de pesquisadores seniores em atividade, se compararmos com a Amazônia e a Mata Atlântica, mesmo a Caatinga apresentando biodiversidade comparável”, escrevem os especialistas no relatório Caatinga, a floresta que é a cara do Brasil.
Estendendo-se pelos nove estados do Nordeste e o extremo norte de Minas Gerais, a Caatinga já perdeu 34 milhões de seus 82,6 milhões de hectares. É o quarto maior bioma brasileiro, atrás apenas da Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado e à frente do Pampa e do Pantanal.
Durante milênios, a região passou por oscilações intensas de temperaturas, curtos períodos de tempo nos quais o calor e o frio se alternavam drástica e rapidamente, submetendo a flora e fauna a um processo evolutivo muito particular.
Assim, algumas espécies não são encontradas em nenhuma outra floresta semiárida, apenas aqui — o que explica a importância do bioma para o planeta.
Três em cada dez plantas da região são endêmicas. Mandacaru, xique-xique, catingueira, barriguda e umbuzeiro, por exemplo, são privilégio brasileiro. Tal qual 317 dos 1.1824 tipos de animais. Entre eles, o tatu-bola, o periquito-cara-suja, o mocó, o tamanduá-mirim, o veado catingueiro… dos quais 47 estão ameaçados de extinção.
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