Negócios
O que mudará a indústria de fundos, na visão de uma gigante quantitativa
A inteligência artificial tem trazido grandes dúvidas e desafios para diferentes indústrias, inclusive a de gestão de recursos. As máquinas conseguem processar uma quantidade enorme de dados, refinar as pesquisas e impactar os resultados. Esse é o futuro desse mercado?
“Finanças é um problema muito complexo para ser resolvido só por máquinas. Mas certamente elas trazem um novo poder de análise que pode ser usado para ter resultados mais eficientes, ou um viés descorrelacionado do mercado”, diz Gregor Andrade, diretor e global head of institutional business development da AQR Capital Management.
A AQR tem propriedade para falar de máquinas, inteligência artificial e gestão quantitativa. Com cerca de US$ 110 bilhões sob gestão, foi uma das precursoras da gestão quantitativa no mundo, criando muitos modelos de investimento com base em pesquisas científicas. Esses modelos foram se provando uma maneira inteligente e descorrelacionada do restante do mercado para produzir alpha (retorno acima do índice de referência).
No entanto, nem mesmo a AQR, como uma das grandes defensoras do modelo quantitativos, acredita que o mundo evoluirá para apenas robôs fazerem a gestão. A gestora acredita que as novas ferramentas podem ajudar o mundo da gestão a otimizar processos, mas para tomar a decisão – ou pelo menos guiar a máquina a produzir uma decisão – será sempre um trabalho de gestores talentosos.
“Um gestor que tem uma ideia diferente e entende de fato um setor consegue gerar alpha. É raro, mas tem”, afirma Andrade. “No mundo quantitativo, a dificuldade é a mesma. É conseguir ver uma tese de investimento, um viés do mercado, que a maioria das pessoas não sabem, e assim, gerar alpha”.
Fundada em 1998 nos Estados Unidos por três acadêmicos do mercado financeiro da Universidade de Chicago e da Northwestern University (Cliff Asness, David G. Kabiller e John M. Liew), na época que a gestora começou, não havia a quantidade de dados que existem atualmente.
Mas, nesses mais de 25 anos, a indústria foi evoluindo e hoje já é cerca de 20% do mercado de fundo de ações globais. E vem crescendo no mundo desenvolvido, ganhado ainda mais tração nos últimos anos com a volta da volatilidade dos mercados.
No Brasil, a AQR tem duas estratégias: o AQR Long Biased Equities, com retorno de 47,7% (em dólar) em 12 meses, e o AQR Corporate Arbitrage, com retorno de 7,5% (em reais) em 12 meses.
“Queremos trazer mais. Mas o Brasil é um país ainda muito fechado para investimento, e os brasileiros parecem estar muito contentes com os retornos das suas taxas de juros. Além disso, falta entendimento do que é uma gestão quantitativa e o que ela pode agregar no portfólio”, diz o diretor da AQR.
Em visita recente ao Brasil, Andrade, PHD pela universidade de Chicago e há 21 anos na AQR, onde é responsável pelo crescimento e atendimento do business global, falou com exclusividade ao NeoFeed. Confira os principais trechos da entrevista:
Muito tem se falado sobre o desenvolvimento da inteligência artificial e seus impactos no mercado financeiro e na indústria de asset management: robôs poderiam fazer as vezes de analistas e até mesmo de gestores. Como vocês enxergam essa evolução?
Acredito que inteligência artificial e machine learing são técnicas quantitativas. Não vejo um mundo em que só exista gestores quantitativos, ou seja, apenas gestores que sejam de inteligência artificial. Mas há algumas funções que as máquinas fazem melhor hoje que podem vir a ser usadas por todos os gestores no futuro com a ajuda da inteligência artificial. Por exemplo, a leitura de notícias, reports, balanços… Isso até pouco tempo atrás era tarefa de um jovem analista, reunir informações e sintetizar isso. Mas agora podem ser feitos ainda melhor por tecnologia. E isso mudará o processamento de informações na indústria.
O que você está dizendo é que os modelos, com dados, cálculos e novas ideias, não podem ser substituídos inteiramente por inteligência artificial?
Finanças é algo muito complexo. Estão conseguindo usos incríveis de inteligência artificial em hard science, como biologia e outras ciências de resultados mais exatos. Os mercados financeiros mudam e evoluem de acordo com a sociedade. Os mercados são resultados de pessoas, que mudam e evoluem. São dinâmicos, ou seja, um problema mais complicado para as máquinas, que têm dificuldade em lidar com a diferença entre os ruídos e os verdadeiros sinais. E outro grande problema é que há muito menos dados no mercado financeiro do que no mundo. Isso tudo não é um bom ambiente para a IA navegar, mesmo evoluindo do que temos hoje.
“Os mercados financeiros mudam e evoluem de acordo com a sociedade. São dinâmicos, ou seja, um problema mais complicado para as máquinas”
Ferramentas de gestão usadas apenas por gestores quantitativos poderão ser usadas por gestores discricionários?
Isso sim. Acredito que, no futuro, toda a gestão de ativos terá um pouco de quantitativo em algum grau de análise, o que torna a gestão mais eficiente. Mas o alpha da gestão discricionária está mais em ver as mudanças e tendências do mercado. Coisas que as máquinas, processando dados antigos, acredito que não possam ser melhores. Elas podem competir no mercado, como muitos gestores ruins que temos e que não batem o benchmark, mas não gerarão alpha como é esperado de um bom gestor discricionário.
Tem sido cada vez mais difícil para a gestão ativa bater o benchmark. Isso também tem acontecido com a gestão quantitativa?
Os estudos acadêmicos mostram que, ao menos nos EUA e mercados desenvolvidos, sempre foi difícil para os gestores baterem o mercado, principalmente em ações. E faz sentido, porque as informações são limitadas e tem muita gente analisando as mesmas informações, o que leva a um preço justo. Mas, um gestor que tem uma ideia diferente e entende de fato um setor consegue gerar alpha. É raro, mas tem. E no mundo quantitativo, a dificuldade é a mesma. É conseguir ver uma tese de investimento, um viés do mercado, que a maioria das pessoas não sabem, e assim, gerar alpha. E depois que essas teses forem descobertas, elas param de funcionar e você precisa encontrar outras.
Isso significa que os desafios são iguais?
Sim, os desafios da gestão discricionária e quantitativa são iguais, mas a solução para os problemas é diferente. Enquanto o gestor vai procurar se especializar muito em uma área para entender qualquer mudança, no lado quantitativo iremos buscar novos dados que não são usados por outros, e outras técnicas como machine learning entre outras coisas.
Como analisa o desenvolvimento da gestão sistemática no mundo? Em que momento estamos?
Tenho algumas hipóteses do porquê o Brasil, uma indústria de asset management tão desenvolvida, ou outros países similares, ainda não desenvolveram bem os modelos quantitativos. O melhor ambiente para esse modelo é onde existem muitos ativos, muitos dados e quando há muita liquidez. Quando o mercado é menor e concentrado, às vezes o modelo não consegue trabalhar como devia. Porque existem apenas algumas empresas em um setor, ou poucas dezenas de um segmento. Como gestão de portfólio global nós fazemos trading de milhares de posições. Temos portfólios com cerca de duas mil ações, por exemplo. Temos estratégias globais que negociam centenas de ativos, long and short.
No Brasil, ela ainda não é muito conhecida ou aplicada. Por quê?
Pode ser mais difícil para um gestor local, focado em ações Brasil de fato seguir um modelo quantitativo, porque tem menos informações e menos ativos. Mas isso não significa que esse gestor não possa gerir portfólios globais. Nós não fazemos mandatos de um único país ou único setor, por exemplo. Porque sabemos que os modelos trabalham melhor com mais ativos.
“Pode ser mais difícil para um gestor local, focado em ações Brasil de fato seguir um modelo quantitativo, porque tem menos informações e menos ativos”
E o momento no mundo?
No mundo, ainda há uma restrição em relação a ativos ilíquidos. Nós gostaríamos de gerenciar quantitativamente venture capital, private equity e real estate, mas a verdade é que os dados sobre esses mercados são ruins e a falta de liquidez impede uma negociação sistemática necessária.
Quais tipos de ideias e temas vocês estão usando agora nas suas estratégias?
Posso falar dois grandes temas. Em ações, no pós-pandemia, está havendo um movimento de retorno para ações de valor. Durante a pandemia, esse tipo de ação sofreu muito e as de growth supervalorizaram sem ter exatamente fundamentos para isso. Agora, esses mercados estão se equilibrando e as ações de valor estão se valorizando.
Qual é o segundo?
Do lado macro, estamos vendo o retorno da volatilidade. Entre 2010 e 2020, os mercados ficaram muito calmos, não tinha muito movimento e era difícil negociar mercados macro quantitativamente. Mas desde o fim da pandemia houve grande mudança na taxa de juros, a inflação voltou, assim como a dispersão em diferentes mercados. Isso é muito bom para estratégias quantitativas, que usam muitos dados para perceberem disparidades nesses movimentos de volatilidade.
E qual é o diferencial da gestão quantitativa em relação a gestão tradicional?
É importante dizer que o oposto da gestão quantitativa não é a fundamentalista. Você pode fazer gestão fundamentalista pelo quantitativo. O oposto é a gestão discricionária, com a decisão partindo de uma pessoa. Na quantitativa, são os modelos que dizem o que comprar e o que vender. Nesse tipo de gestão, se perde muito tempo criando o modelo, mas depois que ele está pronto é ele que decide os ativos e a quantidade. Mas os temas que estão por trás dos investimentos podem ser os mesmos dos dois. A diferença é que na gestão discricionária será analisado por pessoas e na quantitativa é o que os analistas irão usar para criar o modelo.
“O oposto da gestão quantitativa não é a fundamentalista. Você pode fazer gestão fundamentalista pelo quantitativo. O oposto é a gestão discricionária”
Há uma forma melhor de gestão?
Deixamos bem claro que não acreditamos que a gestão sistemática ou quantitativa seja melhor que a gestão discricionária ativa, com bons gestores. Elas são complementares, porque têm abordagens diferentes. Nossa performance tem um comportamento diferente, ajudando a diversificar. É descorrelacionado do restante e, por isso, acreditamos que o investidor deva ter os dois tipos de investimento.
Mas como vocês se diferenciam?
É muito difícil a gente explicar o que fazemos, porque tem muitas coisas envolvidas. Para nós, uma posição de 1% é muito grande. Enquanto os gestores buscam estar convencidos sobre o potencial de uma empresa, nós buscamos entender os movimentos de mercado.
A decisão final de investimento é tomada por um gestor ou por uma máquina?
Existem abordagens diferentes. O modelo faz um ranking com os melhores papéis. Algumas gestoras fazem com que a decisão final sobre quem entra [na carteira] seja de um gestor. Nós, não. Acreditamos que essa interferência prejudica o resultado. Se o modelo diz que tal empresa é a mais barata, não vamos julgar isso. Isso não significa dizer que não fazemos análises qualitativas; ao contrário, isso é muito importante. Mas nós transcrevemos tudo que queremos analisar em sinais quantitativos para serem processados. De forma que o resultado já é o que queremos, sem sermos enganados por vieses externos que recebemos em um dia ou outro, ou sobre a fala de um executivo da companhia.
Nunca há intervenção humana?
Há apenas uma exceção em que, de fato, intervimos. Se aparecer uma notícia sobre uma mudança futura. Por exemplo, o governo irá sobretaxar uma companhia. O modelo não sabe lidar com isso porque lida com dados passados. Mas nós não iremos fazer uma análise própria sobre a nova perspectiva dessa empresa. O que fazemos é retirá-la do nosso universo de análise.
Existem outros exemplos?
Sim, com um fundo de emerging markets e o início da guerra na Ucrânia. O modelo não entende nada sobre guerra, não há como modelar isso. Mas sabemos que os ativos de Rússia e Ucrânia deixaram de tratar pelos seus fundamentos para seguir o risco da guerra. Então, retiramos esses ativos do nosso universo. É preciso ter clareza sobre o que o modelo sabe e o que ele não sabe.
Isso significa que há pouquíssimas pessoas trabalhando na gestora?
Não exatamente. Temos cerca 300 pessoas no time que fazem pesquisas ou monitoram os portfólios. A área de pesquisa é fundamental para ver quais são as novas tendências, as novas ideias que irão nos ajudar a melhorar o portfólio. As pessoas mais importantes no longo prazo, e é daí que conseguimos gerar alpha no longo prazo. E as pessoas que monitoram os portfólios hoje precisam garantir que os modelos estão sendo implementados. E tem uma área de gestão de risco, em que monitoramos se os modelos estão trabalhando como esperado ou se precisam de ajustes. Converter o modelo em um portfólio demanda muita gente.
Cada pessoa tem uma função específica?
Precisamos de pessoas específicas para montarem todas as nossas mais de 15 estratégias: ações single style, que só usam uma estratégia como defensiva, valor ou momentum, ou multi-style. Ou Arbitragem, macro global ou ESG, por exemplo.
O investimento em ESG depende de uma grande análise de risco e de leitura de dados nem sempre financeiros e assim menos padronizados. Como fazem esse tipo de investimento na filosofia de vocês?
Nós não buscamos intervir nas empresas e torná-las mais ESG como importantes gestoras ESG. Então, não fazemos ESG ativista, não iremos mudar o mundo. Nossas posições são sempre pequenas, por nossa natureza. O que fazemos é achar portfólios que têm boas características ESG: poluem menos, usam menos carbono, são diversas etc. Tudo isso são números que podemos usar. O que dá para mensurar nós atuamos incorporando na estratégia quantitativa. Isso torna os portfólios com os melhores ratings de ESG do mercado.
Isso torna os portfólios mais rentáveis?
A verdade é que não dá para verificar isso empiricamente ainda. Mas há investidores globais que usam esses ratings como mandatórios para investimentos, principalmente na Europa. É por isso que criamos essa estratégia. Nos EUA, há muita polêmica sobre isso, mas para ter o mercado europeu isso é mandatório.
Negócios
O “kit Brasil 2.0” da AlphaKey para enfrentar os solavancos da bolsa brasileira
Nos anos 2000, o “Kit Brasil” foi uma estratégia de investimento focada em três apostas: alta da bolsa, queda do dólar e redução dos juros. Agora, a situação do mercado brasileiro é exatamente a inversa.
E a gestora de ações AlphaKey, que tem entre os seus investidores os family offices Aguassanta, de Rubens Ometto, e Citrino, de José Ermírio Moraes Neto, montou o seu próprio “kit Brasil” versão 2.0 para enfrentar os solavancos da bolsa brasileira.
“Você deve investir em empresas com receita em dólar e despesas em real. E ficar longe de companhias com pouco poder de repassar preços e que têm muita dívida”, diz Christian Keleti, fundador e CEO da AlphaKey, ao Café com Investidor, programa do NeoFeed que entrevista os principais investidores do Brasil.
Outros ingredientes do novo “kit Brasil” da AlphaKey são empresas boas pagadoras de dividendos, que tenham uma boa governança corporativa e estruturas de capital adequadas.
“As empresas de energia têm boa proteção contra inflação e gosto muito de shopping, de companhias como Multiplan, Iguatemi e Allos”, afirma Keleti.
Em sua carteira, estão empresas como Cyrela e Direcional, mas também companhias que estão fora do radar do mercado e que estão trazendo um bom retorno para os fundos da AlphaKey.
Uma delas é a C&A, na qual a gestora investiu quando a ação estava na faixa de R$ 4, mas que chegou a quase R$ 13 em novembro deste ano – na quarta-feira, 11 de dezembro, fechou em R$ 10,90.
“Esse é um caso emblemático. No terceiro trimestre de 2023, observamos que a empresa gerou de caixa quase todo o market cap dela. E ninguém olhava para ela”, afirma Keleti.
Agora, a AlphaKey montou uma posição, através de um fundo que captou exclusivamente para investir em um único ativo, na Priner, um spin-off da Mills, que está diversificando sua estratégia.
Na visão de Keleti, a Priner, que presta serviços industriais, tem aproximadamente o mesmo valor do IPO, que aconteceu em fevereiro de 2020, mas, desde então, multiplicou a receita e o Ebitda por aproximadamente cinco vezes, além de ter feito aquisições.
O M&A mais recente foi o da Real Estruturas e Construções, uma aquisição de R$ 170,7 milhões, que vai aumentar o faturamento da Priner em 30%. “É uma empresa diferenciada que está sendo negociada a 3X o Ebitda e crescendo de 20% a 25% por ano, com margens crescentes”, afirma Keleti.
Nesta entrevista, que você assiste no vídeo acima, Keleti detalha as teses da gestora, fala por que aposta em Cyrela e Direcional e conta sobre outra posição que montou em que ganhou 80% em quatro meses.
Negócios
Cimed entra no mercado de oral care para disputar mais de R$ 8 bilhões
Marca de hidratantes labiais da Cimed, a Carmed rapidamente caiu no gosto dos consumidores. Especialmente a partir do boca a boca digital gerado pelos posts dos irmãos – e influencers – João Adibe Marques e Karla Felmanas, respectivamente, o CEO e a vice-presidente da farmacêutica brasileira.
Um número traduz a escalada da linha lançada em junho de 2023. A partir do burburinho nas redes sociais, onde a dupla soma 5,5 milhões de seguidores, a marca deve fechar 2024 com um faturamento de cerca de R$ 400 milhões. E está pronta para turbinar ainda mais essas cifras.
Em uma estratégia antecipada ao NeoFeed, a Cimed está ampliando o alcance e o portfólio da Carmed com o lançamento de cremes dentais e enxaguantes bucais, produtos que marcam a sua entrada no mercado de oral care.
“O impacto do oral care para a Carmed é 20 vezes maior do que o hidratante labial”, diz João Adibe Marques, ao NeoFeed. “A marca já fatura R$ 1 bilhão no sell-out (volume total vendido no varejo). Mas com o oral care, nossa projeção é bater o primeiro bilhão no sell-in (vendas para o varejo) em 2025.”
À parte desse discurso, o que motiva a Cimed são os indicadores da categoria no Brasil.
O setor movimenta R$ 8,2 bilhões anualmente, é o segundo em termos de recorrência e está presente em 98% dos lares do País, atrás apenas de detergentes, segundo a consultoria Kantar.
De acordo com Marques, atualmente, três multinacionais respondem por cerca de 90% do faturamento do setor: as americanas Colgate-Palmolive e Procter & Gamble (P&G), e a britânica GSK, dona de marcas como Sensodyne.
“Nosso objetivo é chegar ao top 3 do segmento em três anos”, afirma o CEO da Cimed. Ele faz uma ressalva, porém, dentro dessa ambição. “Como fazemos em todo mercado que entramos, a ideia não é destruir a categoria. Nossa pegada é de construção de prateleira.”
Com um investimento cujo valor não foi revelado, o projeto para ocupar esse novo espaço teve início há seis meses. A fórmula para se diferenciar e alcançar o pódio da categoria, por sua vez, é conhecida e segue o modelo já adotado pela Carmed.
A começar pelas ações de divulgação, que irão combinar o poder de viralização da marca nas redes sociais com mídias tradicionais, como a TV aberta. Já no que diz respeito ao portfólio, a estreia também vem embalada em uma parceria com a fabricante de balas Fini, assim como feito nos hidratantes labiais.
“Nossa ideia é ter a primeira linha com sabores que fogem dos tradicionais menta e hortelã”, explica Marques. Sob essa orientação, os produtos que chegaram às gôndolas neste mês de dezembro trazem os sabores Fini Beijos e Fini Dentadura, com preços na faixa de R$ 14 a R$ 18.
Em linha com a abordagem de apostar nos sabores mais vendidos em hidratantes, em janeiro, cereja e melancia serão adicionados a esse pacote. E, no segundo semestre de 2025, o plano é complementar esse portfólio com fio dental e escovas de dente.
Nessa largada, a Carmed já contabiliza bons números. Desde a estreia no varejo, mesmo sem nenhum lançamento oficial, a marca registrou a venda de 7 milhões de cremes dentais. Para o primeiro ano da operação, a meta é chegar a um volume de até 100 milhões.
No caminho para perseguir esses números, a Cimed vai se concentrar inicialmente no varejo farmacêutico, que responde por 40% das vendas da categoria no Brasil, aproveitando-se da sua presença em 98% das farmácias no País.
“Com essa penetração, queremos chegar a um market share de 30% no canal farma nesse primeiro ano de operação”, afirma Marques. “E, para 2025, nosso desafio é estruturar a entrada no canal alimentar, de supermercados e lojas de conveniência, que concentra os 60% restantes das vendas.”
Em uma terceira via, o plano é dar sequência aos projetos de lojas pop-ups da Carmed, por meio da repaginação de farmácias parceiras, por períodos que podem se estender de 60 a 120 dias. Nesse ano, foram 14 projetos nesse modelo, contra os quatro inicialmente orçados.
“Ainda vamos entender como vamos avançar nessa frente em 2025, mas já temos mais de mil pedidos de parceiros nesse formato”, diz. “No fundo, ninguém quer visitar uma farmácia. Então, nossa ideia é justamente provocar outra experiência no consumidor e construir um novo mercado.”
Com esse mesmo viés, mas sob a ótica de aproximar as farmácias com o público das academias, em 2025, o formato das pop-ups será estendido à Lavitan, linha de vitaminas e suplementos alimentares da Cimed.
Hoje, excluindo a categoria de medicamentos genéricos, que segue como carro-chefe da Cimed, as linhas Carmed e Lavitan já são as duas principais marcas da farmacêutica, dona de um portfólio de mais de 600 produtos.
Os atalhos para os R$ 5 bilhões
O fato de a companhia reservar cada vez mais investimentos e tempo a essas duas operações dialoga diretamente com a sua meta de alcançar um faturamento de R$ 5 bilhões em 2025. Para esse ano, a projeção é registar um crescimento de 25% sobre 2023, quando a receita bruta foi de R$ 3 bilhões.
“A entrada em novos setores é justamente a alavanca para batermos essa meta”, diz Marques. Nesse contexto, a estreia em oral care, prevista inicialmente para 2025, foi antecipada para cobrir a lacuna de outra iniciativa que figurava no pacote de novos mercados da Cimed para esse ano.
Há pouco mais de três meses, a farmacêutica viu frustrada sua tentativa de comprar a Jequiti, do Grupo Silvio Santos. A aquisição marcaria, na prática, sua entrada no canal de vendas diretas, o famoso “porta a porta”.
“A não compra da Jequiti foi substituída pelo oral care. Do contrário, seria muito difícil entregarmos o que planejamos no ano que vem”, diz. Ele projeta o investimento – orgânico ou via M&As – em novas categorias para 2025. Protetores solares, shampoos e condicionadores são alguns deles que estão no radar.
Em contrapartida, Marques não comenta a matéria publicada no início de setembro pelo jornal Valor Econômico, afirmando que a Cimed teria contratado o J.P. Morgan para vender uma fatia minoritária de sua operação.
Para realçar o momento e as perspectivas da Cimed, ele não se esquiva de falar, porém, sobre outra possível movimentação recente no mercado farmacêutico, revelada pelo portal Pipeline: a notícia de que a francesa Sanofi teria contratado a Lazard para vender a operação da Medley no Brasil.
“Estamos muito atentos para o caixa, mas agora que a Medley voltou ao mercado, vamos entrar nessa disputa”, ressalta. “Então, hoje, num primeiro momento, somos muito mais compradores do que vendedores.”
Negócios
A Caatinga, bioma mais pobre do Brasil, pode ser uma solução para a fome
Com o fim da temporada das chuvas, as folhas caem, deixando os troncos esbranquiçados à amostra. Do tupi, “caa”, “mata” e “tinga“, “branca”. Na Caatinga, a natureza parece morta — só que não.
As plantas desfolham para reduzir a perda de água pela transpiração e, dessa forma, sobreviver aos períodos mais secos. Basta a chuva voltar a cair para a paisagem esverdear de novo. Deveria ser assim, como sempre foi. Mas o caos climático está subvertendo a dinâmica do único bioma 100% brasileiro.
Com secas cada vez mais longas e frequentes, a Caatinga está ameaçada virar deserto. E, com o declínio ambiental, vem o agravamento da miséria, da fome e da sede de uma gente há muito depauperada — quase 20% da população rural mais pobre do país vive no bioma e depende dele para sobreviver.
Mas ainda há esperança, revela estudo recém-divulgado pelo Instituto Escolhas. Intitulado Os bons frutos da recuperação de florestas: do investimento aos benefícios, o levantamento da ONG socioambiental mostra: a restauração de 1 milhão de hectares da Caatinga, em áreas de preservação permanente e reserva legal, criaria 465,8 mil empregos e produziria 7,4 milhões de toneladas de frutas, hortaliças e verduras.
É comida em quantidade o suficiente para alimentar as comunidades locais e ainda proporcionar renda extra aos agricultores. Os produtos, aponta o relatório da entidade, poderiam ser incorporados ao Programa Nacional de Alimentação Escolar e vendidos nas feiras e mercados das localidades onde são produzidos — muitas delas, inseridas em desertos alimentares, onde o acesso a alimentos frescos e nutritivos é precário.
Ao fim e ao cabo, os R$ 15 bilhões necessários para a recuperação do 1 milhão de hectares resultariam em R$ 29,7 bilhões em receita líquida — quase o dobro do total investido.
“Isso é renda, isso é gente comendo, isso é mais alimentos nas feiras, isso é a agricultura familiar sendo empoderada”, diz Sergio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, em conversa com o NeoFeed. “Ou seja, a recuperação do que já foi desmatado na Caatinga é uma estratégia também de redução da pobreza, de combate às desigualdades e pelo fim da fome.”
O modelo avaliado pela organização é o chamado sistema agroflorestal (SAF). As agroflorestas alinham os interesses ecológicos aos econômicos, conciliando o plantio de espécies nativas com culturas agrícolas — os dois interagindo entre si e ambos se beneficiando mutuamente.
De um lado, a preservação ambiental, com a promoção da biodiversidade, melhoria da qualidade do solo, controle da erosão, preservação dos recursos hídricos… e de outro, o cultivo sustentável de alimentos, com alívio da pressão sobre a terra e a água, queda na incidência de pragas e doenças e, consequentemente, redução da necessidade de agrotóxicos.
Luz no fim do túnel
Atualmente, no Brasil, a produção agroflorestal é desenvolvida majoritariamente pela agricultura familiar. E, como define a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares, a Caatinga é “o bioma mais rural do país”. Cerca de 32% dos estabelecimentos agropecuários estão na região.
E pouco mais de 25% de seus 28 milhões de habitantes trabalham no setor agropecuário, enquanto a média nacional é de cerca de 6%, informa o estudo Agricultores familiares da Caatinga e do Cerrado: Mapeamento para a promoção de uma transição rural justa no Brasil, elaborado pela ONG Climate Policy Initiative (CPI).
Das cerca de 1,6 milhão de propriedades rurais da região, 75% têm, no máximo, 20 hectares. Ou seja, o bioma é dos pequenos produtores. Mas há um (enorme) problema, como alertam os analistas da CPI.
“Os agricultores familiares da Caatinga apresentam níveis mais baixos de produtividade e de acesso à assistência técnica. Ainda mais importante é o fato de que um grande número de agricultores familiares depende da agricultura de subsistência e vive em locais de extrema pobreza. Tal realidade os expõe ainda mais ao risco climático, devido ao acesso restrito a mecanismos de mitigação, como seguros ou insumos resilientes ao clima.”
Um passo importante rumo à preservação produtiva do bioma foi dado nesta quarta-feira, 11 de dezembro. Por unanimidade, a Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovou o projeto de lei (PL) 1990/2024, que institui a Política Nacional para a Recuperação da Vegetação da Caatinga.
Proposto pela senadora Janaína Farias, do PT, do Ceará, o dispositivo determina, entre outras medidas, a ação articulada da União, Estados, municípios e ONGs para a formulação e implementação de políticas públicas para a restauração e o uso sustentável dos recursos ambientais do ecossistema. E, isso, com a participação das comunidades locais, prevendo a capacitação dos trabalhadores. O projeto segue agora para apreciação da Câmara dos Deputados.
“A aprovação do PL é um marco histórico. Pela primeira vez, um bioma no Brasil terá uma política própria para guiar a sua recuperação”, comemora o diretor executivo do Instituto Escolhas. “Para que a bioeconomia possa crescer, essas comunidades precisam de apoio. O Brasil, por exemplo, é forte no agro porque foi feito todo um aporte de investimentos e formação de pessoal.”
Uma evolução muito peculiar
Se aprovado também na Câmara, o PL acena com a promessa de um olhar mais atento e cuidadoso para uma região que, desde sempre, sofre com a “falta de vigor institucional”, como definem os pesquisadores do projeto No Clima da Caatinga.
“Há menos conhecimento científico produzido sobre o bioma e menos grupos de pesquisadores seniores em atividade, se compararmos com a Amazônia e a Mata Atlântica, mesmo a Caatinga apresentando biodiversidade comparável”, escrevem os especialistas no relatório Caatinga, a floresta que é a cara do Brasil.
Estendendo-se pelos nove estados do Nordeste e o extremo norte de Minas Gerais, a Caatinga já perdeu 34 milhões de seus 82,6 milhões de hectares. É o quarto maior bioma brasileiro, atrás apenas da Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado e à frente do Pampa e do Pantanal.
Durante milênios, a região passou por oscilações intensas de temperaturas, curtos períodos de tempo nos quais o calor e o frio se alternavam drástica e rapidamente, submetendo a flora e fauna a um processo evolutivo muito particular.
Assim, algumas espécies não são encontradas em nenhuma outra floresta semiárida, apenas aqui — o que explica a importância do bioma para o planeta.
Três em cada dez plantas da região são endêmicas. Mandacaru, xique-xique, catingueira, barriguda e umbuzeiro, por exemplo, são privilégio brasileiro. Tal qual 317 dos 1.1824 tipos de animais. Entre eles, o tatu-bola, o periquito-cara-suja, o mocó, o tamanduá-mirim, o veado catingueiro… dos quais 47 estão ameaçados de extinção.
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