Negócios
Locaweb integra empresas, cria “banco” e quer avançar em conta digital e crédito
Foram mais de R$ 1,24 bilhão desembolsados em 16 aquisições. Com esses acordos, a Locaweb viu sua receita saltar de R$ 386 milhões para R$ 1,1 bilhão entre 2020 e 2022. Mas pagou o preço na sequência com a queda nas suas margens combinada à piora no cenário macroeconômico.
Sob o mantra de recuperação da rentabilidade, a empresa de tecnologia pôs um freio nos M&As e investiu na simplificação da sua estrutura, consolidando parte desses ativos em unidades de negócio. E, no fim de 2023, para ilustrar esse novo desenho, anunciou um rebranding, passando a se chamar LWSA.
Empresa de pagamentos e segunda maior aquisição do grupo, no valor de R$ 180 milhões, a Vindi é um dos nomes que simbolizam essa virada. A marca foi escolhida para batizar a divisão de serviços financeiros da LWSA, que vai começar a ganhar evidência – e mais crédito – na estratégia da companhia.
“Esses últimos meses foram de construção interna da divisão e de produtos”, diz Fernando Cirne, CEO da LWSA, ao NeoFeed. “Agora, já não é mais desenhar ou planejar. Os verbos são diferentes. Já temos tudo pronto. É botar na rua, testar o que funciona e o que não funciona para começar a ganhar escala.”
Outros negócios da LWSA também cumpriram essa integração nos bastidores da empresa, mas em áreas já existentes. A divisão Be Online/SaaS, por exemplo, incorporou a Tray, a Bagy, a Bling e a Melhor Envio. Já a unidade de Commerce foi reforçada com ativos como KingHost e Nextios.
No caso da Vindi, que reúne ainda outras duas empresas adquiridas, a Pagcerto e a Credisfera, além da Yapay, solução de pagamentos criada internamente, esse processo começou a ganhar corpo e velocidade em agosto de 2023, a partir da chegada de Cassius Schymura ao grupo.
Com mais de 30 anos de carreira e passagens por empresas como Itaú, Santander e Sofisa, ele atendia a exigência da LWSA de buscar alguém com “cabelo branco” para assumir como vice-presidente de serviços financeiros e tocar a recém-criada divisão.
“Já tínhamos uma operação de pagamentos com um volume muito grande e que roda com uma margem alta”, afirma Schymura. “Por outro lado, os outros produtos financeiros estavam sem foco. Temas como crédito e conta digital ainda não eram uma prioridade corporativa.”
De fato, a LWSA não parte do zero nessa empreitada. No primeiro trimestre de 2024, o grupo registrou um volume total de pagamentos (TPV) de R$ 1,7 bilhão, alta anual de 17,3%. “Hoje, 70% dos nossos clientes usam nossas soluções de pagamento. É um dos nossos grandes cases de cross sell”, diz Cirne.
Nas demais ofertas, porém, os números – e o portfólio – ainda são realmente mais tímidos. Esse é o caso de um projeto-piloto de conta digital associado ao Bling, seu sistema de gestão para pequenas e médias empresas.
A iniciativa está estacionada em cinco mil usuários, muito em função de a conta digital ser operada por um parceiro, cujo nome não foi revelado. O mesmo cenário se aplica ao segmento de crédito, em que, hoje, a LWSA atua basicamente como um intermediário para ofertas pontuais de terceiros.
Um dos principais passos para tentar mover esses ponteiros foi dado em janeiro deste ano, quando a empresa concluiu a integração das equipes agora sob o guarda-chuva da Vindi. Esse time, antes disperso, foi reduzido de 440 para 390 pessoas, além de ser reforçado com profissionais mais sêniores.
Outro movimento importante ocorreu em fevereiro, com a entrada no processo junto ao Banco Central para obter a licença de instituição de pagamento (IP) para a Vindi. Essa agenda é vista como essencial justamente dentro da lógica de começar a internalizar e expandir o portfólio da divisão.
“Hoje, nós terceirizamos tudo e pagamos pedágio para muita gente”, afirma Schymura. “Além de melhorar nossa rentabilidade, operar como uma IP vai nos permitir ter mais domínio dessas relações e acelerar essas ofertas.”
“Barril de peixes gordos”
Esse olhar para dentro de casa também explica mais um viés que sustenta a tese da divisão. Outra aposta para escalar a Vindi é a sua conexão com o ecossistema da LWSA, seja para explorar as vendas cruzadas ou para desenvolver produtos mais assertivos e de menor risco, especialmente em crédito.
“A Vindi tem um barril bom e de peixes gordos para pescar”, brinca Cirne, ao citar as 183,4 mil empresas clientes da LWSA. “E um volume enorme e rico de informações sobre indicadores como fluxo de vendas e capital de giro desses negócios, que passam, por exemplo, pelo nosso ERP.”
Partindo dessas premissas, o plano é aproveitar que esse cliente passa horas logado nas plataformas do grupo para encaixar, pouco a pouco e de forma natural, produtos financeiros nessa jornada, dentro do conceito conhecido como embedded finance.
A primeira onda de produtos desenvolvidos dentro dessa abordagem já está no forno. Um deles já começou, inclusive, a ser pilotado no fim de maio e envolve a oferta de um limite rotativo para as empresas usuárias do Bling, o ERP da LWSA.
“É um produto similar a um cheque especial, lastreado na quantidade de boletos que esse cliente já emitiu e no que ele tem a receber na conta digital do Bling”, explica Schymura. “Estamos testando ainda no esquema de family & friends, mas vamos começar a ampliar no segundo semestre.”
Com a previsão de lançamento no fim do terceiro trimestre e em fase final de estruturação, uma segunda oferta vai marcar a estreia da fintech no chamado crédito fumaça, como são mais conhecidas no mercado os empréstimos realizados com base em projeções de recebíveis futuros.
Esse pacote inclui ainda a oferta da infraestrutura tecnológica da Vindi a outras companhias, no formato de white label. O plano é avançar no volume expressivo de franquias que usam as plataformas da LWSA e, em outra ponta, nos clientes atendidos pela Wake, operação do grupo voltada a grandes empresas.
“Já fechamos um cliente em franquias, que começa a operar neste mês”, diz Schymura. “E estamos começando a trabalhar essa oferta na Wake, mas já temos um pipeline de quatro clientes em negociação.”
O grupo não é o único a usar essa lógica de ecossistema, com um volume expressivo de clientes e dados detalhados desses negócios, como um trampolim para impulsionar seu braço financeiro. Para citar apenas alguns casos, a Totvs e a Omie, que também atuam com ERPs, seguiram esse mesmo percurso.
Da mesma forma, a dupla investiu em M&As para acelerar os avanços na área. Na Totvs Techfin, essa trilha incluiu acordos como uma joint venture com o Itaú Unibanco para turbinar a oferta de crédito. Já a Omie desembolsou R$ 120 milhões no fim de 2021 para comprar o banco digital Linker.
Enquanto tenta se posicionar nessa disputa, que não está restrita a esses players, a LWSA ainda convive com o desafio de recuperar não apenas suas margens e rentabilidade, mas também a confiança dos investidores e analistas.
Em relatório recente, o Itaú BBA ressaltou que o balanço do primeiro trimestre trouxe pontos positivos, como a retomada em indicadores como GMV e a melhora significativa no lucro líquido. Mas manteve a recomendação neutra e o preço-alvo de R$ 7,20, citando questões como a piora no consumo de caixa.
Entre prós e contas, o saldo no mercado capitais aponta para uma desvalorização acumulada de 27,7% na ação da LWSA em 2024. O papel LWSA3 fechou o pregão da quarta-feira, 5 de junho, em queda de 3,34%, cotado a R$ 4,34, e a empresa está avaliada em R$ 2,55 bilhões.
Nesse contexto, na última segunda-feira, 3 de junho, a companhia anunciou a aprovação de um novo programa de recompra de até 30,9 milhões de ações, volume que, acrescido do saldo atual em tesouraria, equivale a 10% dos papéis em circulação.
“Nossos múltiplos estão depreciados, mas eu entendo. O mercado de capitais gosta de linearidade e recorrência, e ainda está aprendendo a lidar com a LWSA, que mudou muito em quatro anos”, diz Cirne. “Mas temos caixa e entendemos, que, nesse momento, esse é o melhor uso do capital do acionista.”
Negócios
Como Christopher Reeve, o Superman, se tornou um super-herói da vida real
Comovente, sem ser piegas, o documentário Super/Man — A História de Christopher Reeve, é, acima de tudo, um filme sobre o amor à vida. O relato de como o eterno Superman, galã de Hollywood, atlético, marido e pai amoroso, amigo querido, de uma hora de uma hora, perde tudo.
E, de como, apesar das imensas dificuldades impostas pelo acidente que o deixou tetraplégico, encontra forças para dar um novo significado à sua existência.
De 27 de maio de 1995, quando em uma competição de hipismo, Reeve caiu do cavalo e fraturou as duas primeiras vértebras cervicais, até sua morte, em 10 de outubro de 2004, aos 52 anos, foram quase nove anos e meio, preso à uma cadeira de rodas, sem mexer um músculo do pescoço para baixo e respirando a maior parte do tempo por aparelhos.
Mesmo assim, o ator transformou a tragédia em ação. Virou ativista e lutou até o fim pelos direitos das pessoas com paralisia. “Eu achei que tinha de fazer algo, não só por mim, mas por todos na mesma condição”, diz, no filme.
Obcecado pela cura, Reeve, com sua fundação, financiou procedimentos médicos inovadores. Defendeu mudanças nas normas dos seguros de saúde. Comprou briga, em 2001, com o então presidente George W. Bush, quando o governo americano proibiu as pesquisas com células-tronco embrionários.
Em 2013, graças às iniciativas do ator, foi aprovada a Lei de Assistência Acessível, que garante aos portadores de paralisia acesso a cuidados de alta qualidade, de modo a atender as necessidades individuais dos pacientes e permitir-lhes viver da maneira mais independente possível.
Dirigido por Ian Bonhôte e Peter Ettedgui, o longa foi construído a partir de uma extensa e minuciosa pesquisa sobre a vida de Reeve, antes e depois da tragédia.
O projeto contou com a participação ativa de seus três filhos — Matthew e Alexandra, do primeiro casamento, com a agente de modelos britânica Gae Exton, e o caçula William, da união com a atriz e cantora Dana Morosini, o grande amor da vida do ator, morta em 2006, vítima de um câncer de pulmão, aos 44 anos.
Apresentado de forma não linear, o longa inclui imagens de arquivo e filmes caseiros, inéditos do grande público. Traz ainda entrevistas com atrizes e atores de Hollywood que eram amigos e colegas de Reeve, como Meryl Streep, Susan Sarandon, Glenn Close e Whoopi Goldberg,
Como disseram várias vezes, Bonhôte e Ettedgui não queriam “mais um daqueles documentários bobos que colocam as celebridades em um pedestal”.
A vida de Reeve nunca foi fácil, mesmo com a fama. E Super/Man mostra as dificuldades.
Traz a juventude conturbada pelo divórcio dos pais e a complicada relação com o poeta Franklin Reeve (1928-2013), que cobrava do filho excelência acadêmica, atlética e artística — depois do acidente, os dois se reconciliaram. Revela ainda o casamento conturbado com Gae. E a queixa de Matthew sobre a ausência do ator durante a maior parte da infância do primogênito.
O filme tampouco esconde as crises de profunda tristeza de Reeve e Dana pelas perdas provocadas pela lesão na medula espinhal — conhecida no meio médico como “fratura do enforcado”.
“Você continua sendo você e eu te amo”
Formado pela Cornell University, em 1974, Reeve estudou artes dramáticas na Julliard School, onde conheceu Robin Williams (1951-2014), seu melhor amigo. Depois de alguns papéis na Broadway, no cinema e na televisão, veio 1977, o ano que marcaria a virada em suas pretensões como ator.
Vários artistas, mais famosos do que ele queriam ser o Superman. Mas o diretor Richard Donner (1930-2021) procurava alguém desconhecido. Reev fez o teste e ganhou o papel. Seu pai e alguns colegas condenaram a decisão: achavam aquele personagem menor, infantil.
A equipe do filme ficou impressionada com sua atuação tanto como Superman quanto como alter ego do super-herói, o tímido jornalista Clark Kent.
“Eu entendi que se eu me saísse bem nesse papel, minha vida mudaria”, conta ele, em entrevista da época. “John Hauseman [o lendário ator e produtor, professor na Julliard] me disse: ‘Senhor Reeve, é importante que o senhor seja um ator clássico sério, a menos, claro, que te ofereçam muito dinheiro para fazer outra coisa.”
Graças ao herói vindo do planeta Kripton, Reeve foi lançado ao estrelato. Viriam mais três filmes, nos nove anos seguintes, os dois últimos massacrados pela crítica. Depois do sucesso, o ator tentou se livrar do estigma de Superman. Em vão. Ele ficaria ternamente marcado pelo personagem de collant azul e capa vermelha.
Os filhos de Reeve são presenças constantes e importantes no documentário. Eles mostram generosidade e afeto pelo pai, apesar de expor suas falhas junto à família. Os três contam que tudo com o ator era sobre “atividade e ação” — nadar, andar de bicicleta, correr… Reeve sempre muito competitivo.
“Eu arruinei minha vida e a de todo mundo. Não vou poder mais esquiar, velejar, jogar bola com Will [à época do acidente, o caçula tinha apenas três anos]. Não vou mais poder fazer amor com Dana. Talvez seja melhor eu partir”, diz o ator, no documentário.
Mas uma frase da mulher o livrou dos pensamentos suicidas, como ele conta no filme: “Você continua sendo você e eu te amo”.
A consciência da “escuridão”
Reeve encontrou forças na família, nos amigos e na convivência com pacientes como ele. Williams foi fundamental. É ele quem arranca o primeiro riso do ator, ao entrar no quarto de hospital fingindo ser um proctologista russo.
Foi ideia do comediante levar o amigo, a bordo de sua van, à premiação do Oscar, de 1996. Lá, Reeve foi aplaudido de pé. Lá, sua vida sofreria (outra) reviravolta.
O ator percebeu o poder de sua influência e passou a usar a fama para mobilizar autoridades e cientistas na busca por tratamentos que devolvessem os movimentos a pacientes como ele. Com isso, as pessoas começaram a se unir em torno dele, inclusive políticos como o presidente Bill Clinton — essa parte de sua biografia era desconhecida até mesmo pelos fãs.
Em Super/Man, Meryl Streep diz acreditar que, se Reeve estivesse vivo, Williams não teria cometido suicídio, uma década depois da morte do amigo, aos 63 anos. Mas é como Susan Sarandon lembra: os dois tinham consciência da “escuridão”. Um, a tetraplegia, e o outro, a depressão.
Com todas as limitações (e apesar delas), Reeve estreou na direção, com o filme In the Gloaming, de 1997. Sete anos depois, lançou The Brooke Ellison Story, sobre a vida da ativista americana, tetraplégica, ao ser atropelada na adolescência.
Perseverança e resiliência
Em 9 de outubro de 2004, poucas horas depois de acompanhar um jogo de hóquei de Will, o ator entrou em coma. Por causa de uma infecção, sofreu uma parada cardíaca no dia seguinte.
Super/Man é um filme pesado, porém necessário e inspirador. “Ver alguém que luta assim e mantem sua humanidade te dá uma grande esperança”, declara Williams, em um vídeo, recuperado por Bonhôte e Ettedgui.
Depois de voar nas telas como o maior de todos os super-heróis (“mais rápido do que uma bala, um trem e um avião”), Reeve conseguiu driblar as adversidades que lhe foram impostas pela vida e deixar um legado de perseverança e resiliência.
Apesar de seu otimismo e força de vontade, o ator sabia que não viveria para usufruir de suas conquistas como ativista. Daí sua generosidade.
No documentário, ele fala sobre seu principal personagem, muito tempo antes do acidente: “Eu não sou aquele herói. Interpretei um papel. Não sou aquele homem”. Na vida real, sem mexer um músculo, Reeve foi muito mais do que apenas o Superman.
Negócios
Mira Schendel, a artista que soube “brincar” com as palavras
Nos anos 1960, a artista Mira Schendel (1919-1988) ganhou uma quantidade enorme de papel japonês. Reconhecida como um dos nomes mais representativos da arte brasileira do século 20, ela se viu diante do desafio de trabalhar com um material extremamente delicado. Como rasgava com facilidade, Mira não conseguia desenvolver nada com o presente recebido.
Até que ela conheceu a monotipia — técnica de impressão, situada entre a gravura e a pintura ou o desenho, que consiste em criar uma mancha com tinta sobre uma superfície não porosa e então transferi-la para o papel. Imediatamente, Mira se apropriou do método, adaptando-o ao seu modo de trabalhar.
Sobre vidro ou acrílico, ela espalhava uma camada de tinta a óleo, polvilhava talco por cima e, com extrema delicadeza, riscava o papel — às vezes utilizando a própria unha.
Daquele momento em diante, Mira produziu mais de 2 mil monotipias. Agora, cerca duas centenas delas estão expostas na mostra Mira Schendel — esperar que a letra se forme, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, até 2 de fevereiro.
“Nas monotipias, é a plataforma em que o escrever e o desenhar se emaranham infinitamente”, diz o curador Paulo Miyada, em entrevista ao NeoFeed. Ao realizar esse processo, é como se Mira revelasse algo que estava escondido dentro do papel, à espera de um toque para se manifestar.
Como a tinta penetra no papel ficando visível nas duas faces, o crítico de arte Rodrigo Naves, em seu ensaio sobre a artista no livro O Vento e o Moinho, compara as monotipias de Mira a tatuagens: “Essas linhas que parecem tatuadas na pele falam de um corpo generoso que, ao agir no mundo, simultaneamente sente e dá sentido”.
Sobre a superfície branca, Mira “tatuou” linhas, círculos, letras soltas e frases como “este é um desenho gostoso”, de 1965. “Ela elimina qualquer hierarquia ou causalidade entre a escrita e o desenho. Não é um desenho escrito, nem uma escrita desenhada. São as duas coisas, indissociáveis”, afirma Miyada.
Alemão, italiano, francês e português
Myrrha Dagmar Dub nasceu em Zurique, Suíça, em 1919. Mudou-se para Milão, Itália, na década de 1930, onde estudou arte e filosofia, sendo a primeira mulher a se matricular no curso, da Univerita Cattolica del Sacro Cuore. Com a ascensão do nazismo, porém, foi expulsa das aulas, por ser judia.
Em 1949, veio para o Brasil com o passaporte amarelo dos apátridas. Inicialmente, ela se estabeleceu em Porto Alegre. Segundo sua filha, Ada, Mira lia em alemão, contava em italiano, mas falava português nas ruas. Em suas monotipias, é possível encontrar palavras nesses idiomas, além de francês.
Na capital gaúcha, além de realizar pinturas, trabalhou com design gráfico para complementar sua renda. Ao observar as capas de livros criadas por Mira, é possível perceber seu talento para compor imagens com massas de cor e palavras.
“Quando olhamos para esse trabalho gráfico, já podemos ver que ela tem um entendimento compositivo do plano, que lida com a palavra, e que é menos sobre a ilusão de profundidade e mais sobre a justaposição”, observa o curador.
O interesse pelas palavras também está em suas pinturas figurativas da década de 1960, onde a artista insere textos, seja pintando palavras ou colando recortes de jornal.
Em uma dessas obras, ela retrata a mesa de um artista e insere a manchete “REAÇÃO TENTA TOMAR O CNTI”, de 1964. Por meio da colagem, Mira captura o clima de tensão gerado pelo recente golpe militar ocorrido no ano em que fez a pintura. CNTI é a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria.
“Uma arte-escritura”
Em 1951, Mira participou da 1ª Bienal Internacional de São Paulo, o que lhe permitiu contato com experiências internacionais e facilitou sua inserção na cena artística nacional. Dois anos depois, mudou-se para São Paulo aproximando mais dos artistas de vanguarda e adotou o sobrenome Schendel, de seu segundo marido.
Embora seu trabalho tenha pontos de contato com os movimentos de arte concreta, neoconcreta e até com a poesia concreta, Mira nunca se filiou a nenhum grupo.
“É possível vê-la ao lado de vários artistas, mas ela nunca quis entrar em um grupo ou fazer parte de um movimento, pois entendia a importância dessa percepção subjetiva de cada pessoa”, lembra Miyada. “Seria impossível imaginar o que seria a obra de Mira se a poesia concreta não existisse no Brasil. Eles têm muitos temas em comum, cada um em sua própria avenida, mas estão compartilhando as mesmas perguntas.”
É difícil não pensar nas frases escritas em seus trabalhos também como poemas. “Uma arte-escritura /de cósmica poeira de palavras/uma semiótica arte de ícones, índices, símbolos que deixa no branco da página seu rastro numinoso/esta é a arte de Mira Schendel”, escreveu o poeta Haroldo de Campos (1929-2003), em texto republicado no catálogo da mostra.
As nuvens de letras e palavras ganham corpo e tridimensionalidade no final dos anos 1960, quando Mira começa a produzir os Objetos Gráficos. Ela insere suas monotipias entre duas placas de acrílico, criando um objeto tridimensional em que o espectador não consegue distinguir o que é frente ou verso.
Em um texto publicado no material de apresentação de Mira Schendel — esperar que a letra se forme, a artista elenca as vantagens da descoberta do suporte para expor o trabalho:
“Torna visível a outra face do plano, negando que o plano seja apenas plano; possibilita uma leitura circular, na qual o texto é um centro imóvel e o leitor, um móvel; e a transparência que caracteriza o acrílico é uma falsa transparência do sentido explicado. Não é a transparência clara e monótona do vidro, mas a transparência misteriosa da explicação, que suscita questões”.
“O silêncio visual”
Esses trabalhos geralmente são expostos pendurados por fios de nylon, dando a sensação de estarem suspensos no ar — ajudando o visitante a compreender o estado gasoso que o trabalho de Mira evoca, um mundo onde não parece haver gravidade.
A exposição se encerra com a instalação Ondas paradas de probabilidade, apresentada em 1969, na 10ª Bienal Internacional de São Paulo. Esta edição da Bienal ficou conhecida como a “Bienal do Boicote”, devido ao protesto de artistas nacionais e internacionais que se recusaram a enviar obras, por causa da ditadura.
Como a exposição era organizada pelo físico e crítico de arte Mário Schenberg (1914-1990), amigo de Mira, ela topou participar. Contudo, criou uma obra quase invisível.
Suspendeu fios de nylon que pendiam do teto ao chão, distribuídos em grades quadriculadas. Sobre o trabalho, em um texto exposto ao lado da obra, a artista escreve: “a visibilidade do invisível”, “o silêncio visual”.
Essa era sua forma de protesto: estar presente de forma quase invisível, silenciosa.
Hoje, na era das mídias sociais, com seu excesso de conteúdo e palavras, a exposição termina com uma ode ao silêncio, em um espaço onde a artista Mira tem tanta voz — ainda que em texto.
Negócios
“Guerra da geração distribuída” chega ao Congresso e expõe distorções dos subsídios no setor elétrico
A disputa pelo bilionário mercado de geração distribuída (GD) envolvendo as comercializadoras e as distribuidoras de energia, avaliado em R$ 140 bilhões, ganhou escala com uma série de denúncias contra as distribuidoras, acusadas de concorrência desleal e alvo de um projeto de lei em discussão no Congresso Nacional.
O Projeto de Lei 671/2024, apoiado pelas empresas de energia solar, passou por uma audiência conturbada esta semana na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados e pode ir à votação em até duas semanas.
Proibidas por lei de desempenhar atividade de geração ou de comercializar energia via GD – atuações estranhas ao seu objeto de concessão, limitado à distribuição de energia -, as distribuidoras estão sendo acusadas de barrar pedidos de conexão à rede feitos por outras comercializadoras, alegando que o sistema está sobrecarregado.
Na audiência na Câmara, surgiu outra acusação, ainda mais grave, que vai além de uma possível má vontade das distribuidoras – elas estariam usando outras unidades de seu grupo, com outro CNPJ, não só para comercializar energia como para aproveitar os pedidos das outras comercializadoras para oferecer conexão a empresas que tiveram seu pedido barrado.
O PL, com relatoria do deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), tem como objetivo justamente vedar a atividade de micro e minigeração distribuída de energia (MMGD) por distribuidoras ou empresas de um grupo econômico que atua na distribuição.
Por trás da disputa, vem à tona um problema que permeia o setor elétrico nacional: o crescimento desordenado da GD, de 35% apenas este ano, impulsionado por subsídios generosos para as fontes renováveis, em especial para a energia solar.
Esse crescimento está distorcendo o mercado de energia e levando ao limite a capacidade do sistema de atender a demanda do consumidor comum, que recebe energia das distribuidoras.
O fato é que a GD ajudou a transformar a energia solar num grande negócio, por permitir a geração de energia elétrica no local ou próximo ao ponto de consumo e colocar o excedente no sistema.
Concentrada nos painéis fotovoltaicos que captam energia nos telhados, o segmento de geração distribuída deve fechar o ano com cerca de 35 gigawatts (GW) em capacidade instalada, o equivalente a mais de duas usinas de Itaipu.
Novo nicho
A atual crise é resultado de um desdobramento do boom da energia solar – o surgimento de um modelo de negócio mais sofisticado e lucrativo do que a instalação de painéis fotovoltaicos nos telhados das residências, que já garantia subsídios na conta de luz até 2045.
Avaliado em R$ 40 bilhões, atrai empresas que investem numa fazenda solar, com vários painéis fotovoltaicos (com capacidade máxima de 5 MW, suficiente para atender 3 mil residências). A fazenda solar produz energia e vende via aplicativo para um consumidor, que “aluga” um pedaço dessa usina com desconto de 15%, em média, na conta de luz.
A nova modalidade, que não exige que o cliente tenha painel solar, também é beneficiada pelos subsídios das fontes renováveis e não paga nada à distribuidora para transmitir a energia. O público-alvo das fazendas solares são empresas que consomem muita energia, como comércio de pequeno e médio porte, mas não suficiente para migrar para o mercado livre.
Na prática, as fazendas solares oferecem preço mais baixo na conta de luz do que o cobrado pelas distribuidoras e, além de “roubar” seus clientes com maior tíquete, indiretamente exigem mais investimento da concessionária para aumentar a capacidade de transmissão do sistema. Apesar da distorção, a atuação das fazendas solares é assegurada pela Lei 14.300, de 2022.
A taxa de retorno das fazendas solares, calculado em 35% ao ano pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), explica o crescimento desse nicho e também a reação das distribuidoras, que entraram no negócio por meio de outras empresas do grupo.
A audiência na Câmara colocou lado a lado as partes envolvidas na disputa. Representantes de entidades que atuam no segmento de GD, como Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), INEL (Instituto Nacional de Energia Limpa) e a FMGD (Frente Mineira de Geração Distribuída), fizeram acusações graves, contestadas pela Abradee.
Boa parte das denúncias de irregularidades está concentrada em Minas Gerais, estado que atrai instalações de fazendas solares pelo preço baixo do terreno e incentivos fiscais oferecidos pelo governo estadual.
A grande demanda de instalações levou a Cemig, concessionária local, a alegar sobrecarga do sistema para barrar cerca de 80% dos pedidos de conexão à rede, de acordo com as comercializadoras. Mas Wedson dos Reis Alves da Silva, presidente-executivo da FMGD, citou o caso da Universidade de Viçosa como exemplo de suposta atuação desleal da Cemig.
“O integrador tinha procurado a universidade para fazer a instalação, propôs o projeto, assinou o contrato com essa universidade e, um tempo depois, teve resposta da Cemig Distribuição falando que era impossível, cobrando R$ 4 milhões para fazer a melhoria de rede para fazer a inserção nesse sistema. Dois meses depois, um sistema já estava sendo instalado pela própria Cemig”, contou na audiência.
Procurada, a Cemig negou em nota praticar a irregularidade, esclarecendo que “trata com total isonomia todas as empresas de geração distribuída (GD), sem qualquer distinção, atuando de acordo com a regulação existente, de forma técnica e responsável”.
“Boi de piranha”
Levantamento da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) indica que, no primeiro semestre, foram recusados pedidos de conexão à rede em Minas Gerais com investimentos que somam R$ 10 bilhões.
Bárbara Rubim, vice-presidente de geração distribuída da Absolar, diz que o argumento das distribuidoras de que as fazendas solares sobrecarregam o sistema não se sustenta. “Do total de produção fotovoltaica do País, 75% são de painéis instalados em telhado, as fazendas solares viraram boi de piranha para as distribuidoras recusarem pedidos de conexão.”
Outro representante do setor, Carlos Evangelista, presidente da ABDG, aponta dois problemas em relação à recusa das distribuidoras em fazer a conexão. Um deles é um problema técnico chamado inversão de fluxo de potência – que ocorre quando um sistema solar instalado em uma unidade consumidora gera mais energia do que esta consome.
“Esse problema ocorre em determinados horários e só a distribuidora dispõe dessa informação”, diz Evangelista. “Além disso, é comum as distribuidoras não cumprirem o prazo para analisar o pedido de conexão, jogando fora milhões de reais de investimento de uma empresa para montar uma fazenda solar; mesmo indo à Justiça, a resolução demora.”
Em entrevista ao NeoFeed, Marcos Madureira, presidente-executivo da Abradee, que representa as distribuidoras, rebateu as acusações do segmento solar e enfatizou que o PL apresentado na Câmara não tem base legal.
“O PL é contrário à Lei de Liberdade Econômica que assegura o direito à iniciativa privada”, diz Madureira. “As distribuidoras não fazem investimentos em geração distribuída, são impedidas por serem concessionárias, o que existe são grupos econômicos que atuam em transmissão, geração, distribuição e comercialização há algum tempo, e que também têm empresa de geração distribuída no seu portfólio.”
Em relação à Cemig, o presidente da Abradee afirma que a fiscalização efetuada pela Aneel não encontrou indícios de irregularidades. “Há, sim, um grande número de pedidos de conexão à rede em todo o País, numa média de 60 mil solicitações mensais”, afirma Madureira.
Em uma mostra de dinamismo das distribuidoras, segundo ele, o volume de conexões efetuadas foi de 70% em relação ao total solicitado, “o que desmente a ideia de que estaríamos barrando a maioria dos pedidos”.
Madureira admite, porém, a saturação em alguns locais do número de pedidos de conexão à GD, citando inversão de fluxo de potência em alguns horários. “É um problema técnico que já passou da GD e começa a afetar o sistema interligado nacional como um todo”, diz.
Para o presidente da Abradee, os subsídios continuam sendo o pano de fundo dessa crise que atinge a geração distribuída. “O que vemos é o Congresso Nacional com vários projetos de lei propondo ampliar os prazos para o uso de subsídios, o que só agrava a distorção na GD”, afirma Madureira.
Ele também propõe uma discussão de endereçar o problema técnico que atinge a geração distribuída, como o uso de baterias para armazenar a energia excedente e jogá-la no sistema quando a demanda for maior, tendo em vista o preço adequado.
“Por isso, as distribuidoras veem o projeto de lei como uma forma de puni-las pelas dificuldades que estão sendo provocadas pelo próprio segmento de geração distribuída”, diz Madureira.
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