Negócios
Avon ofusca avanços na reestruturação da Natura
Em meio a um extenso plano de reestruturação, a Natura atualizou o andamento desse processo ao divulgar seu resultado do segundo trimestre de 2024 na noite da segunda-feira, 12 de agosto. O balanço trouxe alguns indicadores acima das projeções de analistas, mas um outro tema ofuscou esses números.
Os números foram acompanhados pelo anúncio do pedido voluntário de proteção contra credores da Avon Products Inc. (API), subsidiária não operacional da marca Avon nos Estados Unidos, por meio do Chapter 11 da justiça americana.
O movimento surpreendeu o mercado. Especialmente pelo fato de que a Natura estudava separar as operações da Avon International e da Natura na América Latina em mais um capítulo dos esforços para simplificar sua estrutura, após reduzir a ambição de consolidar uma plataforma global de cosméticos.
“A nossa estratégia de ter unidades de negócio trabalhando independentes permanece”, disse Fabio Barbosa, CEO da Natura&CO, a jornalistas nessa terça-feira. “Mas para isso acontecer, é preciso que a empresa pare de pé. Essa foi a percepção da API em relação à sustentabilidade da operação.”
Em alguns números que ilustram esse contexto, a dívida da API pode chegar a até US$ 10 bilhões, fruto, em boa parte, de litígios envolvendo a marca, que não opera no mercado americano desde 2016, mas que mantém ativos fora do mercado americano. E, nesse pacote, a Natura é a “primeira na fila”.
“A Natura é, de longe, a maior credora da API”, disse Guilherme Castellan, CFO da Natura. “E por isso estamos acompanhando esse processo, oferecendo, inclusive, um debtor-in-possession e fazendo uma proposta de compra dos ativos fora dos Estados Unidos.”
No detalhe dessas iniciativas, a Natura se comprometeu a fornecer um financiamento de devedor em posse (DIP, na sigla em inglês) de US$ 43 milhões no processo, além de fazer uma oferta de US$ 125 milhões pelos ativos fora dos Estados Unidos, em um leilão que será supervisionado pela justiça.
“Nós vamos usar parte dos créditos da dívida que temos a receber da API para comprar esses ativos. Isso não envolveria pagamento de caixa da Natura”, afirmou o CFO. “E caso uma outra parte compre os ativos, como maiores credores, estaremos com a mão levantada para receber esses recursos.”
Esse pacote além do mercado americano envolveria operações em 37 países. Os ativos da Avon na América Latina, por sua vez, não integram esse portfólio, dado que já estão incorporados à operação da Natura na região.
Segundo os executivos, a Natura fará esse “lance” no leilão pois ainda enxerga bastante valor nos ativos da Avon fora dos Estados Unidos, apesar do foco maior nas operações do grupo de cosméticos no mercado latino-americano.
“Na internacionalização, nesse momento, temos concentrado os investimentos nos países com maior potencial de retorno”, disse Barbosa, citando mercados como Turquia e Romênia. “Mas a prioridade é deixar a empresa forte na América Latina e estamos conseguindo.”
Impacto na última linha do balanço
O fato é que o anúncio trouxe impactos no balanço do segundo trimestre. A Natura encerrou o periodo com um prejuízo líquido de R$ 858,9 milhões, o que representou um crescimento de 17,4% sobre a perda de R$ 731,9 milhões registrada no mesmo intervalo de 2023.
Segundo o grupo, a piora nessa linha foi explicada por um write-off não-caixa não-recorrente de R$ 725 milhões, contabilizado justamente como resultado da reestruturação voluntária da Avon Products Inc. (API) no Chapter 11.
A companhia ressaltou que esse processo torna improvável continuar a reconhecer os ganhos obtidos com a otimização da estrutura corporativa da Avon, originalmente contabilizados no segundo trimestre de 2021.
Excluindo esses efeitos não operacionais, a empresa informou que o lucro líquido underlying da operação foi de R$ 162 milhões, contra um prejuízo líquido de R$ 219 milhões em igual período, um ano antes.
Por outro lado, a receita líquida no trimestre foi de R$ 7,35 bilhões, alta, em base anual, de 5,4%, e acima das projeções de analistas. Na América Latina, essa linha avançou 8,4%, para R$ 5,92 bilhões, enquanto na Avon International, houve um recuo de 5,5%, para R$ 1,42 bilhão.
O Ebtida cresceu 57,2% e ficou em R$ 670,8 milhões e a margem Ebitda evoluiu 3 pontos percentuais, para 9,1%. A dívida líquida, excluindo leasing, foi de R$ 2,1 bilhões, contra uma dívida líquida de R$ 10 bilhões, um ano antes, e de R$ 275 milhões no primeiro trimestre de 2024.
A Natura ressaltou que o acréscimo em relação ao período de janeiro a março se explica principalmente pelo pagamento de dividendos de R$ 1 bilhão. Já a alavancagem da operação, medida pela relação dívida líquida/Ebitda ficou em 0,97 vez, contra 4,17 vezes, há um ano.
Em relatório, o BTG Pactual destacou que a recuperação da Natura segue em curso, citando avanços em linhas como o Ebtida e margem bruta. O banco ressaltou que, embora adicione complexidade, o Chapter 11 nos Estados Unidos pode, eventualmente, simplificar sua estrutura. Mas acrescentou:
“A recuperação contínua e desafiadora ainda nos deixa à margem, apesar dos sinais mais encorajadores”, escreveram os analistas Luiz Guanais e Gabriel Disselli, com recomendação neutra e preço-alvo de R$ 18 para a ação.
Na B3, porém, o saldo dos anúncios não foi bem digerido. As ações abriram o dia com forte queda e, por volta das 14h30, recuavam 12,09%, cotadas a R$ 14,40. No ano, os papéis registram uma desvalorização de 14,7%. O grupo está avaliado em R$ 19,9 bilhões.
Negócios
Lucro do Inter vai superar o consenso, diz CFO
O Inter deve entregar um lucro líquido “um pouco maior” do que aponta a média das expectativas de 14 analistas que acompanham a companhia, de R$ 950 milhões, disse diz Santiago Stel, CFO do Inter, ao NeoFeed.
Se confirmado, o resultado supera, em muito, o último recorde, estabelecido em 2023, quando o banco fechou a última linha do balanço com lucro de R$ 352 milhões. E reforça a convicção do Inter em relação ao plano batizado de “60-30-30”, que está em seu segundo ano de implantação.
“Este ano foi um ano de salto de patamar muito grande”, diz Santiago Stel, CFO do Inter, ao NeoFeed. “E vamos aproveitar a situação do mercado para ganhar mais market share em 2025.”
Anunciada no começo de 2023, a estratégia 60-30-30 prevê atingir, até 2027, 60 milhões de clientes, um índice de eficiência de 30% e um retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) de 30%. “Nós estamos entregando exatamente aquilo que tínhamos previsto entregar”, diz Stel.
Para 2025, a expectativa é continuar contando com o que deu certo neste ano. O CFO do Inter destaca que o banco vem num processo de expansão da margem financeira (NIM), que no terceiro trimestre bateu 9,6%, aumento de 0,4 ponto percentual ante o segundo trimestre e o mesmo período de 2023.
Segundo ele, a carteira continua crescendo, apoiada numa estrutura de depósito à vista robusta, gerando um custo de funding mais baixo. O Inter se apoia em produtos colateralizados e foca o crédito pessoal para sua base – 80% do crédito não colateralizado está voltado para quem já é cliente.
Essa estratégia e o uso intenso dos dados dos clientes devem ajudar a manter a inadimplência em baixa no próximo ano, levando em conta a perspectiva de piora de cenário e de estresse no mercado bancário – no terceiro trimestre, o NPL acima de 90 dias caiu 0,2 ponto percentual em base trimestral, para 4,5%.
Outro ponto é o fato de o banco ter um terço das receitas oriundas de serviços como seguros, e-commerce e investimentos. O Inter vê este segmento mantendo seu crescimento, graças a sua diversificação e a demanda da parte de comércio eletrônico. No terceiro trimestre, a receita de serviços subiu 21,1%, para R$ 541 milhões.
Esses fatores se combinam com a expansão da base de clientes, que no terceiro trimestre cresceu 19% em base anual, para 35 milhões, e com o formato de banco digital, que resulta num índice de eficiência perto de 50%, abaixo dos 52,4% no terceiro trimestre de 2023 (quanto mais baixo, melhor). “Seguimos muito atrativos num mercado brasileiro repleto de produtos”, diz Stel.
Um foco do Inter daqui para frente é a parte de pessoas jurídicas (PJ). Uma das ações para crescer nesta frente foi tomada em maio, quando o Inter assumiu 100% da adquirente Granito. O banco fechou o terceiro trimestre com 2 milhões de contas do tipo, 6% do total, boa parte deles MEIs e pequenas e médias empresas.
Para crescer nessa linha, o banco pretende plugar o serviço no app do banco e apostar no cross selling de produtos bancários do Inter para os clientes PJ e vice-versa. O Inter também quer aproveitar seu custo de funding mais baixo para oferecer produtos como antecipação de recebíveis e cartão corporativo.
No caso do plano de expansão aos Estados Unidos, que começou com a compra da fintech de câmbio Usend, em 2021, o Inter quer atingir a chamada “brazilian diaspora”, brasileiros que conhecem o banco e usam sua conta digital lá fora, um público estimado em 4 milhões de pessoas. “A marca é a nossa vantagem competitiva”, diz.
Diante dessas expectativas, fica a dúvida se o Inter voltará a pagar dividendos. Em abril, o banco anunciou a primeira distribuição de proventos, de R$ 70 milhões, 20% do lucro de 2023. Sobre isto, Stel limitou-se a dizer que é um assunto que será discutido no conselho de administração.
Negociadas na Nasdaq, as ações do Inter fecharam o pregão de quinta-feira, 19 de dezembro, com alta de 2,28%, a US$ 4,04. No ano, os papéis acumulam queda de 24,9%, levando o valor de mercado a US$ 1,7 bilhão.
Negócios
O dólar nas alturas e Lula em um mundo paralelo
O Banco Central vem intervindo fortemente no câmbio nos últimos dias. Desde o início de dezembro, o País já queimou perto de US$ 21 bilhões de suas reservas internacionais para evitar uma desvalorização (maior) do real sobre o dólar.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse na manhã de quinta-feira, 18, que a autoridade monetária “vai atuar quando necessário” para estabilizar a moeda. O País detém, hoje, cerca de US$ 360 bilhões em reservas.
O BC vem atuando no câmbio tanto para conter a tendência de alta do dólar como para manter a liquidez de um mercado vendedor – sem isso o dólar já poderia ter batido R$ 7. Mas por trás de toda essa movimentação está um governo federal inepto com o rumo desenfreado das contas públicas.
Um empresário com trânsito na Faria Lima e em Brasília disse ao NeoFeed que a situação é preocupante. “É perigoso entrar na espiral de queimar reserva para conter a alta do dólar todos os dias”, disse, reforçando que foram US$ 8 bilhões na quinta-feira, 18 de dezembro, nos leilões no mercado à vista, na maior intervenção diária já feita desde 1999.
Outro empresário de alta patente, espantado com a deterioração rápida do mercado, mesclou incredulidade e indignação ao analisar o momento atual. “O que está acontecendo com o Brasil!?”, disse. “O governo está brincando com fogo, as coisas começam devagar e vão tomando uma proporção que depois fica difícil de controlar.”
Mas o presidente, ao que parece, não está nem aí. Em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, o presidente Lula disse que “ninguém nesse país, do mercado, tem mais responsabilidade fiscal do que eu”.
“Entreguei esse país numa situação muito privilegiada. É isso que eu quero fazer outra vez. E não é o mercado que tem ficar preocupado com os gastos do governo. É o governo. Porque, se eu não controlar os gastos, se eu gastar mais do que eu tenho, quem vai pagar é o povo pobre”, disse ele, no domingo, 15 de dezembro.
“O governo deveria se preocupar porque essa saída de dólares é um sinal de perda de credibilidade no País. Lembrando que essas pessoas estão decidindo sair com o câmbio no nível mais barato de todos os tempos [o real está no nível mais barato ante o dólar]”, diz Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central e professor-adjunto na Georgetown University, ao NeoFeed. “Tem gente que jogou a toalha, não está esperando para ver se haverá mais medidas de Lula.”
Um gestor com algumas dezenas de bilhões sob gestão se disse ainda mais preocupado porque o Congresso, que poderia atuar na questão, vai focar nas eleições para a Presidência da Câmara e do Senado. “Essa situação vai correr solta e o Lula parece que está vivendo em um mundo paralelo. Quem manda no governo é o Rui Costa e a Janja”, diz, referindo-se ao ministro da Casa Civil e à primeira-dama.
Fabio Giambiagi, economista do FGV Ibre, reforça a barreira imposta pela mudança das lideranças no Congresso: nos próximos 40 dias não há condições de ir além do que foi proposto até agora pelo governo federal.
“Imagino que no começo de fevereiro, já definidos os novos interlocutores no Senado e na Câmara, será feita uma avaliação da situação”, diz Giambiagi. “Se o dólar ficar em torno de R$ 6, provavelmente se tentará levar o ano sem novos ajustes, mas se o clima dos últimos dias persistir, creio que será inevitável pensar numa agenda mais ambiciosa pelo lado do gasto.”
A volatilidade do mercado vem da impressão de que o governo não fará mais nenhum esforço fiscal além do que foi apresentado até agora. Para desfazer essa impressão, seria preciso uma ação rápida e uma certa dose de coragem política, uma combinação que não deve vir do governo.
É difícil acreditar que essa situação pode ser sustentável no médio prazo. Desde o segundo trimestre deste ano, o mercado financeiro vem alertando sobre o perigo do aumento das contas públicas. Um gestor disse ao NeoFeed que a “impressão atual é que está beirando o descontrole”.
Essa impressão com o pouco caso do governo começou logo após o anúncio em cadeia nacional do pacote de corte de gastos feito pelo ministro Fernando Haddad, em 27 de novembro. Na ocasião, o mercado financeiro entendeu a mensagem do governo como uma propaganda político-eleitoreira em um “embrulho mal feito”. Na rede social X, o gestor Pedro Cerize, da Skopos, escreveu: “caro ministro, vai dar m…”
A mensagem não era uma ameaça da Faria Lima para começar com o que vem sendo chamado de “ataque especulativo” – como o ministro Haddad sugeriu em entrevista em Brasília. Era apenas a percepção de que o governo federal não tratou com a devida urgência o problema fiscal do País.
“Não concordo com o Haddad que estamos sofrendo um ataque especulativo, porque há fundamentos para mostrar esse desequilíbrio. O problema é que a incerteza é tão grande que os piores cenários estão na mesa”, diz Valter Bianchi Filho, CEO da gestora Fundamenta.
Gabriel Galípolo, que assume a presidência do Banco Central a partir de 1º de janeiro de 2025, vai na mesma direção: “Ataque especulativo como algo coordenado não representa bem [o que está acontecendo]”, disse ele na manhã de quinta-feira, 18.
As medidas anunciadas estavam na direção correta, mas foram implodidas pelo próprio governo. Ao NeoFeed, Luis Stuhlberger, da gestora Verde Asset, um dos maiores nomes da indústria de investimentos do Brasil, disse que o pacote pareceu uma “gorjeta” diante do tamanho dos gastos do governo que vêm subindo ano a ano.
“O que apareceu foi ‘vamos subir a isenção de imposto para R$ 5 mil’. Foi um discurso extremamente populista. Não foi discurso de quem está pregando austeridade”, disse ele nesta entrevista.
O pacote, embalado pela isenção do IR, não foi suficientes para garantir a estabilidade fiscal. Nas semanas seguintes, inúmeras trocas com o Congresso para aprovação mostram que não devem ser feitas mais medidas, além das apresentadas, de ajuste fiscal até 2027.
“Não há nenhuma bala de prata que possa ser usada, o que falta é uma medida fiscal mais tempestiva por parte do governo. É clara a ausência de vontade política do governo de conter os gastos”, diz Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter.
“O pacote foi na direção correta, mas frustrou as expectativas, as medidas foram tímidas no conjunto. O Congresso está desidratando as medidas e, neste cenário, não vejo o governo com intenção de adotar uma atuação energética.”
No cálculo dos economistas, o câmbio médio do atual governo, entre R$ 5,50 e R$ 6, já reflete uma inflação de 5% e uma taxa Selic na faixa de 14% – está em 12,25% neste momento com guidance do BC de duas altas de um ponto percentual nas próximas duas reuniões.
O dólar, que fechou a quarta-feira, 18 de dezembro, negociado a R$ 6,29, chegou a tocar em R$ 6,30 no ínicio da negociação de quinta-feira. E fechou o dia em R$ 6,12, queda de 2,27%.
“Para reverter essa tendência, para chegar num ponto de estabilidade ou até mesmo o dólar voltar a cair, a gente vai precisar de novas medidas de corte de gastos. E isso para logo”, afirma Alexandre Viotto, chefe da mesa de câmbio da EQI Investimentos.
“Se isso não acontecer, é provável que o dólar siga descolando e não tem, pelo menos no momento, nenhum teto”, complementa.
Nos últimos 12 meses, o real se desvalorizou 26% sobre o dólar. O mercado projetava, no início de 2024, um câmbio entre R$ 4,90 e R$ 5,10 para o ano. O primeiro boletim Focus trazia uma divisa a R$ 5. Mas está tudo bem, é claro, porque ninguém, na história deste País, tem mais responsabilidade fiscal do que o presidente Lula. Concorda?
(Colaboraram Ivan Ryngelblum, José Eduardo Barella e Patricia Valle)
Negócios
Natal e Ano Novo podem dar uma mãozinha ao governo na batalha do câmbio?
Selic a 15%, inflação a 5%, dólar acima de R$ 6, juro real a 9,5%, PIB em queda e crédito firme, mas com bancos na retranca em novas concessões e de olho na inadimplência compõem o cenário econômico do Brasil até onde a vista alcança. E o Ano Novo não dá pinta de ser tão novo assim.
Nem a desova de US$ 20 bilhões pelo Banco Central em dezembro, até a quinta-feira, 19, nem o avanço nas votações do pacote fiscal no Congresso, a regulamentação da Reforma Tributária sobre o consumo e o encaminhamento do Orçamento de 2025 neutralizaram o mau humor do mercado.
A desidratação do pacote pelos parlamentares aprofundou a desconfiança nos rumos da política fiscal e não há sinal de alívio consistente à frente porque o mercado quer mais medidas. E para já.
A visão de que o governo só vai driblar o risco fiscal se cortar gastos, que gastar menos não conta e que o momento exige melhor articulação no Congresso mantém o dólar pressionado. E o dólar arrasta os juros.
A persistir o movimento – por demanda para hedge e remessas ao exterior ou especulação – o câmbio não tardará a elevar o risco Brasil, afastando, de vez, o investidor estrangeiro do País. O financeiro e o focado na economia real.
A aprovação da Reforma Tributária sobre o consumo, que levará o Brasil à liderança global em cobrança do IVA com alíquota de 28%, em vez de ser comemorada agrava expectativas com a reforma sobre a renda. E a percepção de analistas é de que ela reservará surpresas para além da taxação de quem ganha R$ 50 mil para compensar a isenção de quem ganha até R$ 5 mil.
E prevalece o entendimento de que a tensão fiscal não será atenuada tão cedo e tampouco haverá reancoragem de expectativas de inflação. Há possibilidade de arrefecimento de preços com dólar em alta de quase 28% no ano?
Embora pontual, mas com chance de aprofundar a instabilidade dos mercados, a valorização do dólar poderá aumentar nos próximos dias com os feriados de Natal e Ano Novo que levam à redução da liquidez das operações pelo fechamento da B3 nos dias 24, 25, 31 de dezembro e 1º de janeiro.
A queda no volume de negócios poderá provocar e/ou ampliar a distorção de preços dos ativos – especialmente câmbio e juros – negociados em instrumentos derivativos na bolsa. Mas não pode ser descartada uma trégua no debate sobre a escalada desses indicadores pelo esvaziamento previsto (e sazonal) das mesas de operações, sobretudo, de tesourarias bancárias.
Ainda que mais brando após o BC bombardear o mercado com US$ 8 bilhões na quinta, 19, o câmbio produzirá estrago na inflação e sob o risco de abater a popularidade de Lula, praticamente estável em dezembro ante outubro, segundo as pesquisas Quaest e Datafolha divulgadas, respectivamente, em 11 e 18 de dezembro. Porém, a sondagem da Quaest disparou alertas relevantes.
Entre eles, a percepção dos entrevistados – 8.598 em todo o País – de forte elevação nos preços de alimentos, contas de água e luz e combustíveis. Melhora do mercado de trabalho, mas menor poder aquisitivo.
Para 43% dos pesquisados hoje está mais fácil conseguir um emprego. Entretanto, para 68%, o poder de compra é menor que um ano atrás. E, tão relevante quanto inesperado, “economia” e “violência” encabeçam o ranking de maiores problemas do Brasil, segundo a sondagem da Quaest.
Freio de arrumação sem recessão
Apesar da turbulência no mercado e de indicadores apontarem para um 2025 menos favorável, é arriscado apostar em cenário péssimo. Um “socorro” poderá vir do campo. Grandes bancos preveem fortalecimento importante do agronegócio, gerando renda e suporte ao PIB já no primeiro trimestre.
“A economia passará por um freio de arrumação devido à política monetária altamente restritiva, mas sem recessão”, avalia Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional de Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi).
Em entrevista ao NeoFeed, Tingas observa que a desaceleração da atividade já está dada com inflação e câmbio em forte alta. Um binômio que levará a remarcações de preços e à abertura de um ano difícil, sem contar as repercussões das medidas fiscais e do próprio Orçamento do governo. Entretanto, sem recessão à frente. “Para 2025, estima-se PIB em alta de 1,8% a 2,2%. Expansão menor que 2024, mas não há sinal de retração”, reforça.
Para o economista, o País atravessa uma crise com origem sobretudo fiscal e política, com o governo entregando incerteza ao demonstrar dificuldade em sinalizar claramente sua política fiscal.
E o câmbio, diz, reflete essa deficiência local, além da incerteza decorrente da vitória de Trump à Casa Branca e quanto à política econômica futura dos EUA que coloca em xeque a política de juros executada pelo Federal Reserve. Na quarta-feira, 18, o Fed reduziu sua taxa em 0,25 ponto – para 4,25% a 4,50% – e sinalizou um freio para 2025 que sacudiu ativos no mundo inteiro.
Essas condições apontam para um ambiente mais hostil, observa Tingas, que considera provável que uma parte do sistema financeiro se afaste de um ano muito bom que foi 2024, para um 2025 pautado pela desalavancagem.
“Empresas e famílias vão tentar tomar menos crédito ao mesmo tempo em que as instituições financeiras vão tentar montar carteiras com mais qualidade e, portanto, tomar menos risco. Mas o crédito deverá ter crescimento ainda expressivo no próximo ano”, afirma Tingas.
Ele destaca que em períodos de desaceleração econômica e fluxo de caixa mais apertado muitas empresas refinanciam suas dívidas, mantendo as operações bancárias.
Quanto à demanda das famílias por crédito, o economista é positivo. Avalia que o mercado de trabalho não enfraquece de um dia para o outro e que o governo poderá dar fôlego às operações por meio de bancos públicos. A expansão geral das carteiras poderá recuar de cerca de 11% esse ano para 8% em 2025. “É uma queda, mas a taxa ainda forte”, garante.
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