Negócios
Essas mulheres incríveis (suas casas e cidades) esquecidas pela história
Terceira mulher no Brasil a se formar engenheira civil, a sul-mato-grossense Carmen Portinho (1903-2001) foi a criadora do Departamento de Habitação Popular da prefeitura do Rio de Janeiro, em 1948, então capital do país. E, uma de suas ações inaugurais no cargo foi a construção do conjunto residencial Prefeito Mendes de Moraes, o Pedregulho.
Carmen foi responsável pelo programa do complexo habitacional, que deveria “contar com serviços coletivos, como lavanderias comunitárias, que libertassem as mulheres das sobrecargas dos trabalhos domésticos”, como descreve a arquiteta argentina Zaida Muxí Martínez, no recém-lançado livro Mulheres, casas e cidades, da editora Olhares.
Na obra, Zaida resgata a memória de mulheres cujo pensamento e cuja produção na arquitetura e no urbanismo foram apagados ou relegados a um segundo plano pela historiografia oficial. Nesse contexto, Carmen é um caso exemplar entre as brasileiras.
A engenheira civil também capitaneou as obras do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, entre 1954 e 1967, quando também ocupava o cargo de diretora adjunta da instituição.
No entanto, quando falamos de MAM Rio e também do Pedregulho, frequentemente, vêm à lembrança os nomes de Affonso Eduardo Reidy (1909-1964), um dos maiores nomes da arquitetura modernista brasileira, e do paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994), partícipes de ambos os projetos.
A propósito, Carmen e Reidy foram um casal por cerca de 30 anos, sem nunca terem se casado oficialmente. A ideia de uma mulher profissional à sombra dos homens, não raro seus maridos, é recorrente no livro de Zaida.
Sem educação formal como arquiteta, a irlandesa Eileen Gray (1878-1976) foi responsável pelo projeto da casa modernista E-1027, construída entre 1926 e 1929, em Roquebrune Cap-Martin, na França, assim como de seu mobiliário.
No entanto, por muito tempo se atribuiu ambos a Le Corbusier (1887-1965), somente porque o arquiteto suíço pintara um de seus famosos murais no balneário francês e, ao publicá-los no livro Oeuvre Complète (1946) e na revista L’architecture d’aujourd’hui (1948), mencionara a casa sem dar os devidos créditos a Eileen.
“Não existiam mulheres antes de nós?”
Em certos casos, Zaida considera que as arquitetas que ficaram à sombra de seus maridos como estratégia para se manterem em atividade, mesmo que tivessem filhos, como é o caso da finlandesa Aino Aalto (1894-1949) e seu parceiro Alvar Aalto (1898-1976).
“Não iam aos ateliês trabalhar, mas à noite, em casa, comentavam os projetos, faziam desenhos nas plantas e diziam suas opiniões. Então essas mulheres estiveram presentes nos projetos destes arquitetos, mas depois a história não as reconhece”, escreve a autora.
Em entrevista ao NeoFeed, Zaida conta que iniciou sua investigação para o livro, em 2002, quando, durante uma pesquisa na biblioteca da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, questionou-se: “Onde estão as mulheres? Não existiram mulheres antes de nós?”.
Como vive em Barcelona, prosseguiu com seu levantamento na Espanha, na Grã-Bretanha e na Finlândia, para somente depois chegar às Américas do Norte e do Sul.
A argentina ressalta que não colocou a palavra arquitetas no título do livro porque buscou, em sua pesquisa, “mulheres que propuseram melhorias em seu habitat, ou seja, a casa, a cidade”, conta.
Uma delas, lembra Zaida, foi a norte-americana Melusina Fay Peirce (1836-1923), que, na segunda metade do século 19, teria proposto moradias sem cozinhas, pois “as tarefas domésticas pressupunham uma monotonia diária e uma pressão para as mulheres que queriam seguir com suas ambições pessoais”.
Outro exemplo do século 19 é a inglesa Octavia Hill (1838-1912) que, diante das condições insalubres das chamadas slums de Londres, posicionou-se contra a demolição e realocação de famílias da classe operária como solução para o problema.
“O que ela propunha era melhorar as condições de vida das mulheres e de suas famílias e, em alguma forma, de elas trabalharem juntas”, diz Zaida. “Para mim, esse pensamento é precursor do que vemos nos planos de reabilitação e renovação de favelas. E é um exemplo que parte de uma experiência privada, da casa, e atinge um impacto coletivo, na cidade.”
Essa lógica também fez parte da trajetória de umas das primeiras mulheres com educação formal, universitária, em arquitetura, como a austríaca Margarete Schütte-Lihotzky (1897-2000). “Ainda estudante, ela se interessa por tudo que envolve a vida diária, não somente na casa, mas na vizinhança, na escola, nos equipamentos de saúde”, diz Zaida.
“E Margarete começa a trabalhar com populações de baixa renda de cidades austríacas, ou mesmo de Viena, que enfrentam grandes deslocamentos para trabalhar nas fábricas porque não há habitações o suficiente onde elas estão instaladas”, completa a autora.
A partir dessa experiência, a arquiteta austríaca viria a propor, num zeitgeist transatlântico com o pensamento de Melusina, programas habitacionais públicos que não contemplavam cozinhas.
“Se todos os adultos trabalham fora, numa fábrica, por que alguém terá de voltar para casa e ter outro turno de trabalho que envolva cozinhar”, questiona Zaida. “Elas estiveram por trás de uma proposta de cozinha coletiva com pessoas encarregadas de preparar as refeições, que seriam consumidas pelos operários em casa ou em um refeitório comunitário.”
Ao citar a arquiteta italiana radicada no Brasil Lina Bo Bardi (1914-1992), a autora destaca que seu projeto expositivo para o Museu da Arete de São Paulo (Masp) não pressupunha uma hierarquia e que “o tempo da história e da arte ocidental se transforma em um tempo presente, onde tudo está junto, sem início nem evolução temporal, refletindo o impacto de milhares de anos de evolução de diferentes culturas que se superpõem em um único momento, em um mesmo lugar, numa colisão cultural”.
Apesar da importância de Lina para a arquitetura brasileira — também são de sua autoria os projetos do Sesc Pompeia, do Museu de Arte Moderna da Bahia, entre outros —, ela é um exemplo de arquiteta cujo devido reconhecimento só viria postumamente. E que, agora, junto com Carmen, Eileen, Aino e Margarete, têm suas histórias contadas por Zaida.
Negócios
Flávio Cerqueira, o garoto pobre fascinado por Rodin que se tornou um dos grandes escultores brasileiros
Em 2001, a Pinacoteca do Estado de São Paulo recebeu uma marcante exposição do escultor francês Auguste Rodin (1840-1917), apresentando, entre outras obras, o gesso original usado como molde para fundir A Porta do Inferno. Naquele mesmo ano, Flávio Cerqueira, que trabalhava como office boy e era calouro de artes visuais, passava pela região sem a intenção de visitar o museu.
No entanto, ao avistar o cartaz com uma das esculturas de Rodin, pensou intrigado: “Que estátua interessante. Será que está aí dentro?”. Movido pela curiosidade, entrou na fila e atravessou, pela primeira vez, as portas de um museu. O impacto do encontro foi imediato. Fascinado, Flávio chegou a tocar uma das esculturas, batendo levemente nela para sentir o material.
“Ali foi meu encontro com o Rodin”, recorda o artista, em conversa com o NeoFeed. “A partir daquele momento, ele passou a me guiar na escultura. O trabalho tinha uma escala que não era monumental, mas humana. Aquilo me atingiu de tal forma que pensei: é isso que quero fazer.”
Em 2024, Flávio comemora 15 anos de uma trajetória marcada pelo diálogo criativo com o bronze. Suas obras estão em exibição na mostra Eutonia, na Galeria Simões de Assis, na capital paulista, até 14 de dezembro.
Em breve, em 7 de dezembro, o artista inaugura Flávio Cerqueira — um escultor de significados, sua primeira retrospectiva no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), apresentando 40 peças que revisitam momentos cruciais de sua carreira.
“Flávio aborda experiências e questões negras de maneira profundamente original, utilizando o bronze — um material historicamente associado às elites econômicas, políticas, religiosas, sociais e culturais”, comenta a historiadora Lilia Schwarcz, curadora da exposição do CCBB, em entrevista ao NeoFeed.
Como define a autora de Brasil: Uma Biografia, “ele subverte a lógica tradicional desse material ao empregá-lo para retratar as pessoas, não apenas em contextos de sofrimento, mas frequentemente em situações de lazer e plenitude.”
Lilia tem certeza de que Flávio vai ficar como um dos nomes a nova geração de artistas negros e negras, “que veio com uma perspectiva decolonial, alterando as agendas da história da arte e das exposições de arte também”, completa Lilia.
Um lugar todo seu
Em 7 de setembro de 1989, quando tinha 6 anos, Flávio estava na avenida Tiradentes, em São Paulo, com seu pai, Floriano, para assistir ao desfile da Independência. Ao se deparar com o imponente edifício da Pinacoteca, o menino perguntou o que era aquele lugar. “É um espaço onde a gente não pode entrar”, respondeu Floriano.
“Meu pai era operário e acreditava que aquele lugar era só para os ricos, impressionado pela grandiosidade do prédio. Nossa família não tinha nenhuma ligação com o mundo da arte”, relembra Flávio.
Criado na periferia de Guarulhos, o escultor foi o primeiro de sua família a concluir o ensino universitário e, atualmente, cursa doutorado em Artes Visuais, no Instituto de Artes, da Universidade Estadual Paulista (Unesp):
“O lance acadêmico, para mim, é mais uma questão pessoal do que profissional. É para entender como funciona, como quem diz: ‘Pô, tá vendo? Eu posso navegar nos dois mundos”. E Flávio, hoje, com 41 anos, navega bem por diversos mundos.
Seu trabalho tem entrada no mercado de arte e também nos principais acervos institucionais, a exemplo de MASP (Museu de Arte de São Paulo), Instituto Inhotim, MAC-USP (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo) e a própria Pinacoteca de São Paulo.
Sua carreira também o levou a exposições internacionais em instituições como National Gallery de Washington e Museum of Fine Arts de Houston, ambos nos Estados Unidos, e Museu Stefano Bardini, na Itália.
Contador de histórias
Por trabalhar essencialmente com a figura humana, cada escultura de Flávio também representa uma personagem imersa em uma trama que se conecta tanto à sua trajetória pessoal quanto ao contexto social brasileiro. Em seus primeiros trabalhos, o artista camuflava o bronze com uma pintura eletrostática branca, dando a aparência da fragilidade da porcelana ao material rígido.
Ainda em seu processo de entrada no circuito artístico brasileiro, Flávio descreve esses trabalhos como monólogos: “Eu estava falando comigo mesmo. Era um momento reflexivo.”
Entre as obras dessa fase introspectiva, destaca-se Antes que eu me esqueça, de 2013 que retrata uma figura masculina de olhos fechados, tateando seu reflexo no espelho. As esculturas desse período raramente estabelecem contato direto com o espectador, com olhares vagos, direcionados para baixo ou voltados para si mesmas, intensificando o caráter introspectivo.
Na sua exposição individual, realizada na Galeria Triângulo, em 2016, Flávio assume plenamente a materialidade do bronze, apresentando figuras mais dinâmicas e carregadas de desejo. Entre os destaques estão Avua! e Passarinho, que exploram o sonho do voo. Essas obras marcam uma transição para um momento mais expansivo e ambicioso.
Durante uma residência no Kansas City Art Institute, no Missouri, Estados Unidos, em 2018, Flávio criou sua primeira figura feminina. Inspirado pela história de Ruby Bridges, a primeira criança negra, nos anos 1960, a estudar em uma escola destinada exclusivamente a brancos, ele esculpiu Uma palavra que não seja esperar.
A obra retrata uma jovem caminhando com determinação, equilibrando uma pilha de livros sobre a cabeça, simbolizando o peso e o poder do conhecimento em meio à luta por igualdade.
“Até então, minha relação com o trabalho era muito pessoal; eles falavam das minhas experiências com o mundo, por isso as figuras masculinas”, explica. “Quando começo a pensar no outro, passo a incluir personagens femininas, porque começo a abordar questões humanas que podem tocar em mim, mas também em qualquer outra pessoa, incluindo mulheres.”
Elementos do cotidiano
Um aspecto marcante no trabalho de Flávio é a incorporação de elementos do cotidiano, que dialogam com suas esculturas e expandem suas narrativas. Letras pichadas, livros, espelhos e objetos urbanos, como tênis e bonés, integram suas personagens, conferindo-lhes proximidade com o universo contemporâneo.
Além disso, suas obras frequentemente sugerem movimentos, como o ato de pichar, regar uma planta ou soltar uma bolha de sabão, capturando instantes de ação e transformando-os em momentos de contemplação:
“Eu coloco o bronze em um lugar comum”, comenta o artista. “Porque não estou retratando nenhum herói, personalidade ou acontecimento histórico. Estou trazendo situações cotidianas e usando o bronze para dar legitimidade a essas cenas do dia a dia, mostrando que elas são dignas de serem eternizadas”.
Na exposição Eutonia, Flávio apresenta seis trabalhos inéditos que exploram sensações de dor e força. Em um objeto de parede, o escultor utilizou suas próprias costas como molde, imprimindo uma mensagem: “Não estou no meu passado”.
A frase, gravada no dorso, surge como uma cicatriz, simbolizando um ponto de reflexão sobre o presente e o passado do artista.
Em Desenho Cego, Flávio faz uma homenagem ao ato de esculpir. A obra retrata uma figura masculina de olhos fechados, borrados de argila, segurando uma especa com uma das mãos.
Com a ferramenta, ele rasga a própria pele a partir da palma, ampliando a linha que simboliza a linha da vida.
“Estou fazendo uma alegoria à minha relação com a escultura. Porque, nos últimos 20 anos, tudo o que eu tenho, tudo o que eu conquistei, tudo o que eu aprendi foi por causa da escultura”, conclui o artista, que, ao dar forma ao bronze, não apenas molda o mundo, mas também a si mesmo.
Negócios
O “aquoir” dos vinhos e espumantes envelhecidos no fundo do mar
Por trazer à lembrança as histórias de naufrágios e tesouros, as imagens de garrafas incrustradas de cracas envolvem com uma aura de fantasia e charme os vinhos e espumantes envelhecidos nas profundezas dos oceanos.
A maturação de bebidas em altas profundidades, porém, vai muito além do fascínio pela ideia de aventura, despertando cada vez mais o interesse de produtores e especialistas de todo o mundo — e se transformado em um promissor negócio. A enologia descobre o aquoir, uma adaptação ao universo subaquático do conceito de terroir.
A nova tendência está baseada na hipótese segundo a qual o ambiente dentro d’água oferece condições únicas para o processo de amadurecimento das bebidas. A pouca luz, a pressão elevada, as temperaturas constantes e a baixa concentração de oxigênio poderiam aprimorar a qualidade dos vinhos e espumantes.
Ainda que o método não tenha sido corroborado por estudos científicos definitivos, vinícolas de todos os cantos do planeta estão lançando ao mar pequenos lotes de suas produções. Quando resgatadas, as garrafas fazem brilhar os olhos de muitos de seus clientes — sobretudo os de alto padrão, sempre dispostos a pagar mais por experiências exclusivas e inusitadas.
“As garrafas emergem cobertas por conchas e sedimentos, o que as torna um atrativo único”, diz Jean Carraro, proprietário e sócio da Videiras Carraro, sediada na cidade gaúcha de Bento Gonçalves, em conversa com o NeoFeed. Em 2018, ele se uniu a Fabiano Müeller, da Vinícola Fama, de São Joaquim, em Santa Catarina, para experimentar o envelhecimento undersea.
As primeiras remessas ficaram um ano, a 12 metros de profundidade, na costa catarinense. “Conforme fomos provando e analisando os vinhos e espumantes, vimos que havia muita diferença entre a maturação submarina e na cave. Com o passar do tempo notamos mudanças de cor, aroma e sabor”, conta Jean. “Um ano sob a água equivale a três anos em adega terrestre.”
Mais frutados, os espumantes envelhecidos no fundo do mar custam cerca de R$ 1,9 mil. E os tintos, com taninos mais macios e aromas intensificados, R$ 2,2 mil. Uma valorização de, pelo menos, 955% em relação às bebidas deixadas para amadurecer em terra firme.
Outra vinícola brasileira a testar os poderes das adegas subaquáticas foi a gigante Miolo Wine Group. Em 2016, a companhia gaúcha mergulhou 504 garrafas do Miolo Cuvée, a 60 metros no mar da Bretanha, na costa da França. O projeto foi criado para celebrar a exportação de 100 mil garrafas do espumante para o mercado francês.
“O lote foi retirado do mar em 2017 e depois veio para o Brasil, onde ficou na cave subterrânea da Miolo, no Vale dos Vinhedos [cidade do Rio Grande do Sul]”, conta, ao NeoFeed, Adriano Miolo, diretor superintendente do grupo, sem revelar quanto investiu na experiência.
A coleção Miolo Cuvée — Under The Sea foi recém-lançada e cada garrafa é vendida por R$ 3,5 mil — a título de comparação os espumantes mais caros da marca, quando maturados em terra firme custam em torno de R$ 440.
A cena vem se repetindo mundo afora. Na Grécia, a Gaia Wines usou o envelhecimento undersea, pela primeira vez, em 2011. Maturou o vinho branco Thalassitis, na profundezas do Mar Egeu. Nos Estados Unidos, a Mira Winery lançou alguns exemplares de cabernet sauvignon em Charleston Harbor, no litoral da Carolina do Sul. Aliás foi a vinícola americana a primeira a usar o termo aquaoir, quando do lançamento do projeto, em 2013.
Naufrágio do século 19
O entusiasmo em torno das adegas subaquáticas é tanto que já existem (embora poucas) empresas especializadas no serviço. A Miolo, por exemplo, contou com a parceria da francesa Amphoris. Operando desde 2013, no Mediterrâneo, a empresa faz o monitoramento constante das condições de pressão e temperatura.
Na Croácia, a Coral Wine Project mergulha vinhos no Mar Adriático, a profundidades entre 15 e 30 metros, sob temperaturas que variam de 8 a16 graus Celsius. No Japão, a Hokkaido Kaiyo Matsuri permite que consumidores submerjam, além de vinhos, saquê e uísque, na costa de Hokkaido, a mais setentrional das ilhas japonesas. Todo o processo de envelhecimento é acompanhado por câmeras.
A maturação undersea começou a ganhar força em 2010. Naquele ano, mergulhadores encontraram 145 garrafas de champanhe, entre elas, Veuve Clicquot, Juglar e Heidsieck, nos destroços de um navio naufragado, no século 19, no Mar Báltico, próximo ao arquipélago de Åland, entre Finlândia e Suécia. Para surpresa de todos, as bebidas estavam impecáveis.
Uma das unidades foi arrematada em um leilão, realizado em 2011, por Є 15 mil (o equivalente hoje a quase R$ 91 mil).
De olho em um mercado com grande potencial de expansão, em 2014, a Veuve Clicquot lançou o projeto Cellar in the Sea. Para a primeira experiência, a vinícola submergiu 300 garrafas de champanhe no mesmo Mar Báltico, a 40 metros de profundidade, com objetivo de estudar e comparar o produto amadurecido no ambiente subaquático com o maturado da maneira tradicional nas caves da maison em Reims, no nordeste da França.
Como já descreveu Jean-Marc Gallot, presidente da companhia, as garrafas envelhecidas no ambiente subaquático voltam com “notas terrosas e aromas de cogumelos e trufas”, enquanto as mantidas nas adegas tradicionais conservam “aromas de brioche e pêssego”. O experimento Cellar in the Sea permanece ativo e análises sensoriais e técnicas são realizadas periodicamente.
A sede dos consumidores por novidade
O envelhecimento subaquático pode parecer simples. Basta jogar algumas garrafas ao mar e esperar o tempo passar, só que não. A técnica exige muitos cuidados. Todas as vinícolas seguem basicamente o mesmo roteiro. As garrafas são protegidas por gaiolas de aço inoxidável, vedadas com cera e lacradas com arames de aço e rolhas premium para evitar a intrusão de água salgada. O que varia, de uma empresa para outra, é a profundidade e o tempo.
Por falta de pesquisas robustas sobre a ação real das condições do fundo do mar na qualidade das bebidas, a técnica divide opiniões. “É mais uma estratégia de marketing do que um avanço enológico,” afirma Mário Telles Jr., presidente da Associação Brasileira dos Sommeliers – São Paulo (ABS-SP), em conversa com o NeoFeed.
Mario Lucas Ieggli, vice-presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE) traz uma perspectiva técnica. “O armazenamento é responsável por 99% da qualidade final. Se o vinho não for armazenado adequadamente, a experiência final será comprometida,” explica, ao NeoFeed. “E uma boa adega terrestre climatizada — com controle de umidade, temperatura e luz —oferece praticamente tudo o que o fundo do mar proporciona.”
Exceto, como o especialista lembra, a pressão atmosférica. “Ela até pode influenciar no processo de maturação, mas não há estudos conclusivos sobre o quanto isso impacta a evolução da bebida”, diz.
O próprio Adriano Miolo faz questão de frisar a ausência de provas científicas. “Na Miolo, tudo exige muita pesquisa e tempo para avaliar, conhecer cada ambiente e como ele interfere em cada vinho”, faz questão de reafirmar.
Mas ele, como Ieggli, reconhece: a técnica tem seu apelo. “O consumidor está sempre em busca de novidades e experiências únicas. O inusitado desperta curiosidade, e isso cria espaço para explorar diferentes formas de apresentar o vinho”, diz o empresário.
A ousadia dos produtores tem sido recompensada pela sede dos clientes por novidade. Jean Carraro comemora: “Começamos o projeto como uma brincadeira entre amigos, para podermos consumir algo diferente, e acabou virando um grande negócio”.
Negócios
O campeão da NBA vai para o Oriente e tenta “criar uma jogada” com o Mubadala
O Boston Celtics, atual campeão da NBA, esteve no Oriente Médio em road show. Enquanto a equipe de basquete participava de jogos da pré-temporada em Abu Dhabi, os executivos buscavam se conectar com os maiores investidores da região.
Colocado à venda há alguns meses pelo empresário americano Wyc Grousbeck, que comprou a franquia em 2002 por US$ 360 milhões, a ideia é atrair investidores capazes de fazer um aporte de milhões de dólares na equipe com o maior número de títulos da NBA – são 18 ao todo.
Entre os investidores cortejados está o Mubadala, fundo soberano dos Emirados Árabes, de acordo com fontes ouvidas pela Bloomberg. Mas, até o momento, não há nenhuma definição sobre um possível investimento do fundo soberano, apesar da empresa já ter demonstrado interesse em entrar na liga americana.
Apesar das oportunidades no esporte, grandes investidores do Oriente Médio estão relutantes em aceitar participações em equipes avaliadas a preços elevados, sem direito a influenciar a gestão, segundo a reportagem. Atualmente, os fundos soberanos podem deter até 20% de uma franquia da NBA.
Essa visão dos investidores causa um problema para os times americanos. Com as avaliações das equipes atingindo níveis recordes ano após ano, os empresários do Oriente Médio estão entre os poucos com recursos suficientes para adquirir participações nas equipes.
O Celtics se encaixa nesse perfil. Avaliado em US$ 5,1 bilhões pela Sportico, a venda do clube de Boston parece cada vez mais desafiadora – e cara. Com jogadores mais valorizados, o mercado espera que o time registre prejuízo no próximo ano, o que dificulta ainda mais o processo.
Além disso, a franquia também não possui uma arena própria, ativo considerado como importante fonte de receita para investidores.
Apesar do dinheiro dos investidores não estar fluindo da forma esperada, os times e a própria NBA têm se beneficiado da relação com o Oriente Médio por meio de patrocínios.
Neste ano, a liga realizou discussões com investidores soberanos do Catar, apresentando uma série de possíveis parcerias, incluindo a realização de jogos exibição no país e diversos acordos de direitos de mídia.
“Estamos explorando várias opções para continuar ampliando nossos esforços de engajamento de fãs na região do Golfo, onde há um interesse crescente na NBA”, disse Mike Bass, porta-voz da liga.
Um exemplo da relação entre os países se dá pela parceria com a Emirates Airlines, que é a principal patrocinadora da NBA Cup, o torneio da temporada regular que estreou na temporada passada.
Do lado dos clubes, em meados de 2023, o Qatar Investment Authority adquiriu uma participação de 5% na Monumental Sports & Entertainment, holding que controla o Washington Wizards.
Na temporada deste ano, os uniformes do New York Knicks dão destaque para a promoção de Abu Dhabi como destino turístico. O time também tem sido cogitado a receber aportes provenientes do Oriente Médio.
Aposta do Mubadala nos esportes
O fundo soberano dos Emirados Árabes tem se envolvido em diversas conversas relacionadas a esportes. E algumas delas têm ligação com o Brasil.
No ano passado, o Mubadala participou da iniciativa da Liga Brasileira de Futebol (Libra), entidade criada em 2022 por sete clubes brasileiros. O fundo atraiu nomes como a CVC Capital Partners, um dos principais players globais de private equity, para suportar o desenvolvimento da liga, que ainda busca se firmar por aqui.
Além disso, o Mubadala adquiriu uma equipe na competição internacional de vela SailGP para representar o Brasil. Ela será a 11ª equipe do campeonato e a primeira da América do Sul.
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