Negócios
Os “quadros de lã” de uma brasileira autodidata ganham exposição nos EUA
É uma irônica coincidência que algumas semanas após o governo Trump começar a prender e deportar imigrantes, o American Folk Art Museum, em Nova York, dê voz para uma brasileira que viveu à margem do sistema de produção da arte. Madalena Santos Reinbolt nasceu em Vitória da Conquista, na Bahia, em 1912, trabalhou a maior parte da vida como empregada doméstica e hoje suas obras valem mais de US$ 100 mil.
Esta será a sua primeira exposição individual no exterior e a visibilidade que tem ganhado seu trabalho fez com que o preço de suas obras dobrasse nos últimos dois anos. “Madalena Santos Reinbolt: Uma cabeça cheia de planetas” é o título da exposição com 42 obras têxteis que vai de 12 de fevereiro a 25 de maio. A artista autodidata, mais conhecida por seus bordados em grande escala, feitos com centenas de fios coloridos e vibrantes, e chamados “quadros de lã”, teve reconhecimento tardio.
Durante toda a vida, ela serviu em casas da elite brasileira e uma das fazendas onde trabalhou como cozinheira foi a Samambaia, em Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde viviam a arquiteta Lota Macedo Soares e sua mulher, a escritora norte-americana Elisabeth Bishop. Madalena morreu em Petrópolis, em 1976.
Novas datas de nascimento e morte são apresentadas pela primeira vez nessa exposição novaiorquina em consequência das pesquisas feitas por um dos curadores, Blau Edelstein, que ficou vários meses no Brasil apurando detalhes da vida da artista.
“Achei o cemitério onde ela teria sido enterrada e esta exposição está oferecendo novas datas, diferentes das que você encontrará se pesquisar online, porque como empregada doméstica ela meio que escapa dos arquivos”, diz Edelstein, ao NeoFeed.
Blau é americano, mas começou a estudar português na faculdade, veio para o Brasil várias vezes e acabou criando uma relação com o País. Atualmente, ele prepara uma tese de doutorado na Universidade de Princeton, em Nova Jersey, no departamento de espanhol e português.
O tema central é a circulação de obras produzidas em hospitais psiquiátricos brasileiros, algo pensado a partir do projeto de Nise da Silveira, psiquiatra brasileira que se tornou conhecida por revolucionar o tratamento destinado a doentes mentais internados no país.
A exposição do American Folk Art Museum é uma parceria com o Museu de Arte de São Paulo (Masp), que realizou com o mesmo título a primeira individual da artista em 2022. “Estamos atualizando a exposição de alguma forma, com novas pesquisas e contextualizando para o público norte americano, que não só desconhece a obra dela como desconhece muito a arte brasileira”.
Atualmente, com todo o movimento decolonial da arte, várias nomenclaturas passaram a ser rejeitadas. Uma delas é arte “naif” ou “ingênua” ou “primitiva”, categorias nas quais a obra de Madalena foi enquadrada. “Rejeito essas palavras”, diz Edelstein. “Um dos motivos que me levou a fazer a pesquisa foi ajudar a criar uma imagem dela como pessoa, que ia além dessas categorias.”
O valor do bordado
O curador conta que Madalena era descrita como uma grande primitiva, em cartas de Elizabeth Bishop, nas quais a escritora dizia que seria possível ganhar uma fortuna vendendo obras dela na Quinta Avenida, em Nova York. Nessas cartas, escritas por volta de 1952, e posteriormente publicadas, ela dizia que “Madalena era uma grande artista, mas que ela, Bishop, tinha que optar entre a paz e tranquilidade na casa ou a arte. Ela optou pela tranquilidade e Madalena saiu de lá”.
Trabalhou em outras casas de veraneio, sempre como doméstica e cozinheira. O trabalho artístico era feito nas horas vagas. Madalena começou com pinturas, teve uma alergia à tinta e a partir de meados da década de 1960 passa a produzir bordados. “Ela tinha consciência do valor do bordado”, diz o curador. “Embora demorasse muito mais tempo para fazer um quadro bordado ganhava mais dinheiro com ele”.
Anos mais tarde, foi a crítica de arte, curadora, museóloga e antropóloga Lélia Coelho Frota, que descobriu Madalena e foi duas vezes a Petrópolis para entrevistá-la. A artista já tinha morrido quando, em 1978, Lélia foi curadora da seleção dos artistas brasileiros na Bienal Internacional de Veneza e incluiu Madalena.
A presidente Curatorial do American Folk Art Museum, Valerie Rousseau, ao comentar a obra da artista, afirma que só agora, quase 50 anos após sua morte, as realizações artísticas de Madalena começam a receber a atenção crítica que merecem. “O trabalho dela apresenta espaços de liberdade criativa tanto quanto expressões de resistência, ecoando sua própria existência”.
Num dos poucos depoimentos que há da artista, ela diz: “Resolvo tudo na cabeça. Posso ver tudo, mesmo com os olhos fechados… Na verdade, são as agulhas que fazem o desenho”.
Negócios
Nas empresas familiares, os herdeiros estão indo para o conselho antes de assumir a gestão
O que Magalu, Votorantim, Gerdau, JBS, Safra, Marfrig e Weg têm em comum? Além de serem companhias brasileiras extremamente robustas em seus segmentos, elas possuem o DNA familiar na formação de suas histórias. Ainda que com executivos de mercados em posições estratégias, a maior parte delas é dirigida por integrantes de familiares ligados aos fundadores.
Mas qual é o segredo para que essas empresas, geridas por familiares, tenham sucesso? E, mais do que isso: como garantir a perenidade dos negócios? Esses talvez sejam os principais desafios das empresas familiares brasileiras.
Fato é que, ainda que com esses grandes cases de sucessos, os números trabalham contra essa realidade. Levantamento realizado pelo Banco Mundial mostrou que apenas 30% das empresas familiares chegam à terceira geração. E apenas 15% sobrevivem a essa sucessão. E o principal motivo é a falta de planejamento sucessório.
Segundo a 11ª Pesquisa Global sobre Empresas Familiares da PwC, somente 24% das companhias familiares se preparam para a sucessão. O resultado são conflitos entre os integrantes da família. E, por consequência, da empesa. O problema é que, sem a clareza de uma liderança, a empresa acaba vendida ou até mesmo indo à falência.
“O grande desafio das empresas familiares é separar as três caixinhas de cada um como família, como sócio e como funcionário. Nem todo mundo tem perfil para ser funcionário, muito menos executivo. Mas todos devem saber cobrar os executivos por resultados como sócios. E isso não pode afetar a relação familiar entre eles”, diz Gilson Faust, sócio da consultoria GoNext, que atuou em mais de 200 sucessões familiares.
Uma ideia está começando a ganhar corpo no mundo corporativo: o conselho de herdeiros. Na prática, são como conselhos de administração, mas que reúnem herdeiros de todas as idades. O objetivo é ensinar sobre o papel de sócios, discutindo questões da empresa e entendendo se possuem o perfil para serem executivos ou não.
No conselho, os herdeiros têm como principal objetivo aprenderem sobre a empresa e seus valores, o mercado que está inserida e seus desafios e oportunidades, além de começarem a acompanhar os resultados da empresa para aprendem a sua futura função de sócios e seus deveres e responsabilidades.
Isso já acontece na rede de supermercados Jacomar, uma das maiores redes de supermercados de Curitiba, fundada em 1966, que já passou de forma organizada para a segunda geração composta por oito irmãos, e que tem 20 pessoas da terceira geração que compõe o conselho de herdeiros.
Priscila Fantin, 27 anos, economista e especialista em gestão empresarial, é uma delas. Primeiro trabalhou no mercado e depois foi para a empresa da família, onde está há sete anos como analista de controladoria. O seu pai é o atual CEO da empresa, mas isso não muda a trajetória que ela precisa seguir na empresa. Ela veio para a área porque havia a vaga e ela tinha a experiencia.
“Nós já não tivemos o contato com os fundadores como a segunda geração, então muito do que fazemos é ver quais são os valores da empresa e como modernizar isso para os novos tempos. E levamos essa ideia para os sócios atuais”, afirma Fantin.
As reuniões do conselho são mensais e híbridas, para contemplar tanto os herdeiros que trabalham na empresa como os que não e estão em outra cidade ou país. Os herdeiros mais atuantes também passam a partilhar das reuniões do Conselho de Administração da empresa como ouvintes para ficarem por dentro das questões atuais, e também absorverem conhecimento para o momento em que passarem a atuar de forma definitiva na empresa.
A família Nichele, dona da Nichele Materiais de Construção, em Curitiba, descobriu as dificuldades de uma sucessão não planejada na prática. O fundador da empresa preparou o filho, Cristiano, para assumir o comando da empresa. Mas, na última hora, resolver compartilhar a gestão com suas outras duas filhas.
A consultoria GoNext foi acionada para ajudar e foi entender qual seria o melhor papel de cada um na empresa. Cristiano se tornou CEO com a aprovação de todos os sócios. As irmãs assumiram as diretorias financeiras e comercial. Já no marketing, ninguém da família tinha vocação e foi contratado um profissional de mercado.
“Meu pai sempre me preparou para assumir, mas depois não sabia muito bem o que fazer com as minhas irmãs e tentou colocar nós três na liderança”, diz Cristian. “Foi muito bom passar todo esse processo mais científico porque assim a aceitação da família foi muito melhor, sem deixar brechas que um ou outro estava sendo beneficiado”.
A terceira geração da família Nichele já começou a ser preparada desde cedo e passou a integrar o conselho de herdeiros com a orientação da consultoria. Já são nove pessoas de um grupo heterogêneo com crianças, adolescente e adultos. Todos os maiores de 14 anos já podem participar das reuniões.
Para Helena Rocha, sócia da PwC Brasil, apesar da transferência do controle para a próxima geração ser um evento extremamente importante e único na vida da empresa familiar, na prática é algo sobre o qual raramente se fala. E isso gera problemas, principalmente quando a sucessão precisa ser antecipada de forma inesperada.
“Ausência de comunicação, de alinhamento e planejamento estratégico comprometem qualquer negócio, mas principalmente as empresas familiares, onde as emoções se misturam entre família e negócio. É imprescindível a comunicação entre as gerações e um contrato geracional honesto”, afirma Rocha.
A organização e sucesso das empresas familiares beneficia a economia. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 90% das empresas brasileiras são familiares e empregam 75% dos brasileiros. Elas são responsáveis por mais de 60% do Produto Interno Bruto (PIB).
Negócios
O “mar agitado” para o design de interiores dos iates em águas brasileiras
O segmento de iates de luxo no Brasil está indo de vento em popa. Neste ano, o setor deve alcançar um faturamento de R$ 4 bilhões, segundo projeções da Associação Brasileira de Construtores de Barcos e seus Implementos (Acobar) e do Conselho Internacional de Associação da Indústria Marinha (Icomia). Esse número representa o dobro do faturamento de 2021, que foi impulsionado pela busca por isolamento no mar durante a pandemia pelas pessoas mais abastadas.
Com o avanço do setor, um mercado altamente especializado vem ganhando força: o design de interiores náuticos. “Com o aumento da venda de barcos novos e o crescimento da procura por refit, que é a reforma de embarcações antigas, a minha área está aquecida”, diz ao NeoFeed Naiara Bogo, designer náutica que trabalha para a grife italiana Azimut Yachts. Entre os mais de 300 projetos de barcos que ela assina, estão o iate de Roberto Justus e o do jogador de futebol Thiago Silva.
Diferentemente de um projeto para apartamento ou para casa, o de design de interiores de um iate exige um planejamento minucioso e é preciso ter bastante conhecimento sobre embarcações. “Todos os projetos precisam ser pensados e estudados junto com a engenharia de cada estaleiro. E os desafios são inúmeros, desde considerar o peso dos itens que vão compor os ambientes – que interferem na estabilidade do barco – até o aproveitamento de cada canto da embarcação”, afirma Bogo.
Os móveis que serão colocados no barco têm de ser fixados ao chão ou equipados com travas de segurança para evitar deslocamentos durante a navegação. No mobiliário, as quinas arredondas e as formas orgânicas são sempre as mais utilizadas por não oferecerem riscos de acidentes.
Objetos decorativos como vasos, esculturas e bandejas também devem ser presos com uma fita apropriada para evitar quedas. Berços de acrílicos são feitos para aninhar parte das louças, dos copos e de outros utensílios do barco. Já o uso de materiais como mármores e vidros devem ser usados com muito critério porque podem trincar ou quebrar.
“A maresia, a exposição ao sol e a umidade aceleram o desgaste, então optamos por tecidos náuticos, madeiras tratadas e metais resistentes à corrosão”, afirma Fabianne Domingos, dona da Fabianne Domingos Luxury Decor.
E até os eletrodomésticos marinizados, ideais para as embarcações, podem entrar no planejamento dos projetos que, em média, levam entre 6 meses e um ano para ficarem prontos.
Com mais de 20 anos de experiência, Domingos faz projetos de interiores para embarcações de luxo e é bastante conhecida por criar enxovais de cama, mesa e banho, além de louças customizados, como os que apresentou recentemente no Rio Boat Show 2024.
Mais recentemente, ela criou uma linha pet para atender aos clientes que, cada vez mais, têm levado seus animais de estimação para navegar. “Oferecemos caminha, lençol, toalha, travesseiro, bolsa de brinquedos, além de personalização de colete salva-vidas, boné e até óculos de natação”, conta.
Tudo isso pode parecer exagero. No entanto, para uma pessoa que faz um investimento de milhões na compra de um barco de luxo não faz o menor sentido economizar na customização, até porque ela também reflete na valorização do iate. Por isso, os clientes querem ambientes harmoniosos e que imprimam seu gosto pessoal, já que um barco é seu outro lar.
“Muito desejam exclusividade. Por isso, querem, além do design de interiores, que a gente crie estampas personalizadas com suas iniciais ou com logotipo do barco em jogo de cama, toalhas e louças”, explica Domingos.
Academias, cinemas particulares e até adegas climatizadas são alguns dos pedidos que costumam ser feitos às designers de interiores náuticas, revelando que há uma grande preocupação em manter a bordo um estilo de vida bastante próximo do que costumam levar em terra firme. Mesmo que isso signifique abrir mão de algum espaço.
“Roberto Justus, por exemplo, me pediu para transformar uma das suítes em um mini cinema com telão e poltronas de couro. Fiz o projeto e o resultado ficou incrível”, conta Bogo.
Para ela, isso mostra que o design náutico está sendo elevado a um novo patamar nos últimos anos. Mesmo quando se trata de iates antigos, os proprietários têm investido em refit para que atender aos padrões de luxo e de tecnologia.
“Antes, essas embarcações seguiam um padrão mais tradicional, com madeiras nobres e elementos clássicos. Hoje, quem tem um iate deseja mais. Quer algo único e que reflita sua identidade”, diz Bogo.
A conexão imersiva com o exterior é outro ponto que costuma marcar presença nos projetos de iates de luxo. Para isso são instaladas janelas panorâmicas, que vão do chão ao teto, com vista do mar, que ainda permitem a entrada de luz natural; além de ambiente ar livre conectado com a parte interna por meio de portas de vidros retrateis.
Universo minimalista nos mares
As tendências em design de interiores náuticos são inspiradas pelo que dita o universo da decoração e da arquitetura. Fato é que uma das mais fortes é o minimalismo, bastante comum nos projetos de casas e apartamentos de altíssimo padrão. Mas o design de interiores de iates não segue apenas tendências da arquitetura.
“As grandes marcas de moda de luxo, como Fendi, Hermès e Louis Vuitton, influenciam diretamente nos acabamentos e em materiais que utilizamos. E muitos clientes desejam tecidos e móveis assinados por designers renomados”, diz Domingos.
A crescente preocupação ambiental tem levado o design de interiores de iates a olhar com mais atenção para a sustentabilidade. Essa nova forma de pensar a decoração leva em conta o impacto ambiental.
“Hoje, utilizamos materiais ecológicos, como madeira certificada, tintas naturais e tecidos reciclados e temos priorizado a reutilização e o upcycling de objetos”, diz Domingos.
Além da sustentabilidade, a automação e o uso eficiente de energia estão ganhando importância no design de interior náutico. Sistemas de purificação de água e iluminação de LED são alguns exemplos desse interesse em causar baixo impacto.
Soluções tecnológicas também têm sido incorporadas ao universo náutico de luxo. “A automação está cada vez mais presente nos projetos. Estamos incluindo em nossos projetos sistemas de iluminação, áudio e vídeo que podem ser controlados por aplicativo para que os clientes tenham uma experiência melhor e muito mais prática enquanto estiverem navegando”, diz Domingos.
Entre as inovações aplicadas estão a iluminação e a temperatura do ambiente que podem ser ativadas antes mesmo de a pessoa embarcar. Cortinas automatizadas, fechaduras digitais e climatização inteligente também estão se tornando cada vez mais comuns em iates de luxo. Além disso, os óculos de realidade virtual já estão sendo utilizados no processo de design.
“Conseguimos simular a experiência do barco pronto para que o cliente veja já no pré-projeto como ficariam os ambientes depois de prontos”, afirma Domingos.
Para ela e outros profissionais do setor, o trabalho do designer de interiores náutico não se trata apenas de decorar embarcações, mas de criar espaços que transformam a experiência de navegação. Por isso, mais do que nunca a criatividade e a especialização são as chaves para continuar navegando nesse oceano de oportunidades.
Negócios
Um “Domingo no Parque” que subverte espaços e questiona limites entre arte, arquitetura e cidade
É um hábito. Quem visita a Estação Pinacoteca, em São Paulo, costuma preferir a entrada discreta dos fundos, que dá acesso ao metrô e ao estacionamento, evitando o largo General Osório, onde cenas de vulnerabilidade social contrastam com a imponência do prédio desenhado por Ramos de Azevedo. Acostuma-se a situações que talvez não se devesse aceitar com tanta facilidade.
A exposição Domingo no Parque, de Renata Lucas, em cartaz até 6 de abril no museu, desafia a apatia. Com curadoria de Pollyana Quintella, a mostra revisita quase duas décadas de produção da artista, apresentando versões reinterpretadas de obras já existentes e novos trabalhos.
A artista é um nome incontornável da história da arte contemporânea brasileira, tendo participado de mostras internacionais importantes como a dOCUMENTA (13), em Kassel (2012); a 53ª Bienal de Veneza (2009); e a 27a. Bienal de São Paulo (2006). Com sutileza e precisão, Renata convida o público a reexaminar seus passos e a questionar as convenções sociais e urbanas que moldam — e silenciam — o cotidiano das cidades.
“Não prestamos atenção ao quanto estamos condicionados. Mexer nessas estruturas e dialogar com as pessoas pode inspirar algo”, diz Renata ao NeoFeed. “Nunca sabemos exatamente quem é o nosso público. A interlocução começa antes mesmo do trabalho estar pronto, como uma ressonância. Você mexe, e de algum modo toca um acorde na estrutura da cidade.”
A artista costuma dizer que seu trabalho começa já nos processos de negociação para obter autorizações tanto para intervir na paisagem urbana quanto dentro do espaço museal. Na praça em frente à instituição, Renata realizou a intervenção Roda Gigante: recortou um círculo na calçada e rotacionou o pavimento de maneira que um fragmento da calçada invade o jardim e vice-versa. Um gesto simples, mas que desconstrói a separação formal entre espaço público e natureza.
Outro trabalho que também explora a relação com a natureza é o letreiro na fachada do museu: “Amanhã não tem feira”. Por que não tem feira? Perdeu-se a colheita? Não houve alimento? Foi a seca? A chuva? A frase provoca a imaginação, suscitando perguntas sobre ciclos naturais, abastecimento e rupturas no cotidiano.
O letreiro, assim como o título da exposição, é apropriado da música Domingo no Parque, de Gilberto Gil, escrita em 1967 e apresentada no III Festival da Canção no mesmo ano. Naquela época, o prédio que hoje abriga o museu era a sede do Dops, órgão de repressão aos movimentos sociais e populares durante a ditadura do Estado Novo e o regime militar.
A música de Gilberto Gil é levada para dentro do espaço expositivo, ampliando suas camadas de significado. Logo, o visitante atento percebe que o chão que pisa guarda mistérios. Um deles é o vinil da obra Long Play (Hidden Track): ao colocar o disco para girar, a icônica canção Domingo no Parque ganha vida. E, ao levantar o olhar, encontra-se a obra Olha a Faca, uma esculta de madeiras que esconde uma faca — referência direta ao verso da música e à arma do crime cometido por José.
O hall oferece dois caminhos. À esquerda, está a instalação Cabeça e Cauda de Cavalo, exibida pela primeira vez no KW Institute for Contemporary Art, em Berlim, em 2010. A obra estabelece uma conexão metafórica entre interior e exterior por meio de uma plataforma giratória.
Ao empurrar a parede do museu, o público faz o chão girar, revelando uma área gramada similar ao solo do Largo General Osório, onde está localizada a obra Roda Gigante. O movimento cria uma sensação de embriaguez e vertigem que também está presente na música de Gil.
Na segunda sala, à direita, o visitante encontra [ ], composta de paredes móveis e discos embutidos no chão. Ao girar as paredes falsas, o movimento aciona trechos da música de Gil, reproduzidos em velocidades variáveis. Dependendo do ritmo, a legibilidade dos versos é distorcida, fragmentando o significado da canção.
“A exposição está toda costurada pela música, mas tudo fica dilacerado, estressado, ela acontece com fragmentos”, comenta Renata. Ainda nessa sala está O Perde, uma mesa de sinuca modificada. Suas caçapas foram substituídas por encanamentos que conduzem as bolas para canaletas embutidas no solo, onde desaparecem de vista.
No térreo do museu, as bolas reaparecem de tempos em tempos, expelidas por buracos nas paredes, acompanhadas de um som fantasmagórico que ecoa enquanto elas circulam pelos canais internos. Esse som evoca o passado sombrio do prédio e a época em que presos políticos desapareceram sem deixar vestígios.
Na última sala da exposição, encontra-se Falha, onde as chapas de compensado que recobrem todo o piso do museu desaguam. Unidas por dobradiças, as tábuas podem ser movimentadas por puxadores, dobrando e desdobrando o chão, reconfigurando temporariamente o espaço e alterando sua percepção.
“A exposição inteira te conduz a esse estado de suspensão, quase como se estivesse numa brisa. Acho que é isso: essa sensação de deslocamento, de alteração”, explica Renata.
As amplas janelas da sala oferecem uma visão panorâmica do entorno do museu. Em uma delas, encontra-se Tempo Curto, um copo que metaforiza um gole da paisagem. “Eu queria um gesto menor, que mostrasse como existem várias formas de lidar com o espaço. O impacto pode ser imenso, mesmo em algo muito reduzido”, comenta.
Artista desde sempre
Reparar na paisagem e no que acontece ao seu redor é algo que Renata faz desde a infância. Nascida em 1971, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, ela cresceu em um bairro em constante construção, onde a paisagem parecia estar sempre se transformando.
Em um dos terrenos do bairro, havia um projeto para uma praça. Renata acompanhava a obra e imaginava como seria o espaço finalizado. “Para mim, era um depósito de imaginação absurda. Como seria a praça? Eu achava que ia ter uma lagoa, animais pré-históricos, sabe? Com pescoços grandes!”, lembra. A praça, para frustração da pequena artista, não recebeu dinossauros, apenas árvores e bancos.
Imaginar situações e possibilidades diferentes da realidade ao seu redor já era uma forma de trabalho para Renata, muito antes de frequentar a faculdade de artes visuais. Quando chegou à idade escolar, ela surpreendeu os pais com um pedido inusitado: queria adiar a entrada na escola por um ano para terminar seus projetos.
“Naquela época, eu sabia exatamente o que queria. Queria fazer o meu trabalho. Passava noites inteiras desenhando e fazendo maquetes”, relembra. “Meus pais confiavam em mim. Sentiam que, de certa forma, eu estava sendo guiada por algo natural e que não poderiam me impedir de fazer o que precisava.”
Esse senso de tempo dilatado que Renata cultivava na infância continua presente em seus projetos atuais. Ela deseja que suas obras ultrapassem a efemeridade de um vernissage. Para a exposição aberta na Pinacoteca, em 9 de novembro de 2024, Renata ainda planeja ativar alguns trabalhos e instalar mais um em março.
“Os meus trabalhos são projetos sempre em andamento, nunca terminados”, diz. “Ele continua vivo, se desdobrando” também em quem os vivencia, levando consigo uma reverberação cíclica, como a música de Gilberto Gil.
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