Negócios
As três questões que não saem da cabeça do economista-chefe do Itaú Unibanco
A trajetória da política monetária do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, está impactando o ciclo de queda de juros de outros países, incluindo o Brasil. É o que afirma Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú, nesta entrevista ao NeoFeed.
Segundo ele, a autoridade monetária americana errou ao antecipar de forma precoce, na virada do ano, a discussão de corte de juros nos EUA. “Agora, o Fed vai precisar de uma sequência de dados que lhe dê conforto para aí sim mudar o discurso e depois flexibilizar a política monetária”, diz Mesquita.
Embora boa parte do mercado aposte para setembro o início do ciclo de corte de juros nos EUA, o Itaú revisou essa estimativa apenas para dezembro. Para Mesquita, essa mudança de perspectiva em relação ao Fed está por trás da recente desaceleração do ciclo de corte de juros no Brasil.
Esse fator, somado à piora do quadro fiscal do País e a expectativa de inflação, levou o Itaú a prever que o BC fará apenas mais um corte de juros até dezembro, com a taxa Selic fechando o ano em 10,25%.
Mesquita dedicou boa parte da entrevista para falar do déficit fiscal, que, segundo ele, causa preocupação por causa do aumento do endividamento. “Estive em contato com investidores estrangeiros no último mês e notei que o tema fiscal voltou a ser discutido. Isso não era tão urgente e agora se tornou o primeiro assunto da discussão”, afirma.
Sobre recursos extras do governo federal para socorrer o Rio Grande do Sul, cuja utilização ele afirma ser necessária, o que mais preocupa são “as iniciativas oportunistas” de políticos de usar a tragédia para expandir os gastos, mesmo fora do arcabouço fiscal.
“No Brasil, basta escrever uma lei definindo que tal gasto não está incluído em tal conta e o problema está resolvido. Não está, pode não estar sendo contabilizado, mas vai continuar existindo e precisa ser pago”, diz Mesquita.
O economista-chefe do Itaú faz também críticas ao governo Lula, afirmando que a mudança de comando na Petrobras reforça o objetivo da atual gestão em apostar no capitalismo de Estado. “É uma estratégia que o Brasil vem tentando há décadas, sem obter resultados”, afirma.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Mario Mesquita ao NeoFeed.
Apenas no último mês, tivemos piora do quadro fiscal, com mudança de meta, divisão no BC, além da indefinição da queda de juros nos Estados Unidos. Qual sua avaliação do cenário?
Em relação ao cenário global, aumentou muito a preocupação quanto a trajetória da política monetária nos Estados Unidos. É o fator determinante em relação a tudo a que você se referiu. Há, nos EUA, uma combinação de atividade resiliente, mercado trabalho ainda apertado, índice de inflação e de salários também pressionados. Isso levou o Fed a adotar uma postura mais cautelosa. Aqui no Itaú revisamos nossa expectativa de início do corte de juros nos Estados Unidos para dezembro. Portanto, essa alteração na perspectiva para a política monetária americana está impactando a política monetária dos outros países.
Parte do mercado aposta o início dos cortes de juros nos EUA para, no máximo, em setembro. Por que essa previsão tão distante?
O fato é que o Fed levantou, de forma precoce, a discussão de corte de juros na virada do ano. A tempo perceberam que seria um erro e mudaram o discurso. Agora, devem ser relutantes em novamente adotar um discurso mais consistente sobre a queda rápida de juros, vão precisar de uma sequência de dados que lhes dê conforto para aí sim mudar o discurso e depois flexibilizar a política monetária.
Qual o impacto para o Brasil?
Até pelo adiantado processo de redução da Selic, essa mudança de perspectiva em relação ao Fed está levando à desaceleração do ciclo de corte de juros no Brasil, como acabamos de ver. Isso pode levar eventualmente até o fim do ciclo de cortes pelo BC.
“O Fed está levando à desaceleração do ciclo de corte de juros no Brasil. Isso pode levar eventualmente até o fim do ciclo de cortes pelo BC”
Qual sua estimativa da taxa Selic para fechar o ano: em um ou dois dígitos?
Estamos prevendo apenas mais um corte de juros, com a Selic fechando 2024 em 10,25% ao ano.
Apenas um corte da Selic até dezembro? Então, a previsão é de uma piora fiscal bem acentuada para imaginar esse cenário…
A preocupação com a situação fiscal está nos documentos do Banco Central e não é de agora. Mas talvez o que tem piorado na margem é a expectativa de inflação. Podemos até discutir por que ela está subindo – talvez tem um pouco a ver com o quadro fiscal, sim. Mas é mais a soma da expectativa de inflação e a perspectiva para a política monetária nos Estados Unidos.
Qual o peso da política fiscal do governo para essa redução do ritmo de corte de juros?
A trajetória da política fiscal no Brasil é complicada e não é de hoje. Segue apontando para uma relação dívida/PIB que tem tendência de crescimento. Discutimos muito meta de superávit primário equilibrado e déficit zero. Só que para estabilizar a dívida precisamos de um superávit de 1,5%. Muita gente diz que se a economia crescer mais, resolve. Mas acho muito arriscado apostar num crescimento permanentemente mais alto como solução para o problema da dívida.
Qual o impacto da tragédia da enchente gaúcha na política fiscal?
Já esperávamos, antes da tragédia no Rio Grande do Sul, um déficit primário de 0,6% do PIB este ano, aumentando para 0,9% no ano que vem. O problema não é o gasto eventual com a mitigação dos impactos da tragédia – é preciso apoiar a população, ninguém questiona isso -, o que nos incomoda é que, mesmo sem levar em conta esses gastos, já temos embutido uma trajetória de aumento do déficit. É possível que a alteração da meta de déficit primário equilibrado para 2025 tenha sido apenas um ato de realismo fiscal por parte da equipe econômica.
Os gastos do governo para a reconstrução gaúcha, mesmo sendo incluídos na rubrica de despesas extraordinárias, sem afetar as metas do arcabouço fiscal, pioram indiretamente o quadro fiscal?
O que preocupa são iniciativas mais oportunistas de expandir gastos, ou seja, estender o auxílio ao Rio Grande do Sul para outras regiões do País. A imprensa tem noticiado que parte da classe política está vendo um “senso de oportunidade” de usar a tragédia do Rio Grande do Sul para viabilizar novos aumentos de gastos, tirando despesa A ou despesa B da contabilidade. Gasto é gasto e ele só poderá ser pago de duas formas: via emissão de dívida ou se for pago via taxação, que pode ser explícita (por meio dos impostos que temos) ou o chamado imposto inflacionário, que recai sobre as camadas menos favorecidas da população.
Então, esse “senso de oportunidade” é uma forma de ludibriar o equilíbrio fiscal do governo?
Há no Brasil uma visão excessivamente jurídica da coisa, no sentido de que basta escrever uma lei definindo que tal gasto não está incluído em tal conta e o problema está resolvido. Não está, pode não estar sendo contabilizado, mas vai continuar existindo e precisa ser pago. Então, parece haver uma desconexão entre parte da classe política e a perspectiva dos milhões e milhões de poupadores, que são os compradores de dívida pública.
“Há no Brasil uma visão excessivamente jurídica da coisa, no sentido de que basta escrever uma lei definindo que tal gasto não está incluído em tal conta e o problema está resolvido”
A sucessão de Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central, a ser definida no segundo semestre, ajuda a piorar esse cenário?
A sucessão no BC é sempre um momento delicado, mas o regime de metas em si, pela transparência, acaba limitando o que o presidente do Banco Central pode fazer. Se ele ou ela começar a desviar-se sistematicamente da meta de inflação, as expectativas sobem, a credibilidade do BC é arranhada e, mais cedo ou mais tarde, será necessário compensar isso com taxas de juros ainda mais elevadas. O regime, por ser transparente, leva a política monetária para o centro. Aí fica difícil desviar consistentemente numa direção ou em outra. Espero não estar sendo excessivamente otimista.
O combo com gasto fiscal excessivo mais a recente mudança na Petrobras indica um governo Lula 3 mais parecido com o governo Dilma do que com o governo Lula 1?
Desde o início do ano, a imprensa internacional tem reportado a opção que o governo atual fez pelo chamado capitalismo de Estado. Nesse contexto, a ideia de usar a Petrobras como instrumento de uma política industrial não surpreende. O atual governo acredita no capitalismo de Estado, o que por sinal já deu errado várias vezes no Brasil, e está agindo consistente com suas ideias. Por isso, acho que ninguém, nem o investidor externo, pode dizer que foi tomado de surpresa. Quanto mais nervoso o ambiente político, quanto mais ruído nesse front, mais o Banco Central ganha por se ater a decisões e a fazer comunicação estritamente técnicas. Isso, na minha visão, poderá contribuir para a economia passar por essa travessia em boa forma. Por outro lado, aumentou a preocupação dos investidores estrangeiros em relação à capacidade de ajuste que o País dispõe.
Em que sentido aumentou essa preocupação dos investidores?
É parecido com a questão da meta de inflação: mesmo sabendo que é difícil cumprir, mantém-se a meta para sinalizar seu compromisso. Se a equipe econômica eleva a meta com tanta antecedência, levanta dúvidas sobre esse compromisso. Isso causou um certo estranhamento no mercado. Estive em contato com investidores estrangeiros no último mês e notei que o tema fiscal voltou a ser discutido. Isso não era tão urgente e agora se tornou o primeiro assunto da discussão.
O que impede mais a atração de investimentos estrangeiros, os juros elevados nos EUA ou a questão fiscal aqui?
Do jeito que o gasto público está crescendo no Brasil, a melhor forma de tentar estabilizar a dívida é por meio de aumento de imposto. Essa perspectiva de uma elevação relevante da tributação da renda, seja a pessoa física ou jurídica, tende a fazer com que os investidores fiquem mais cautelosos. Uma empresa que opera no exterior e pensa em investir aqui vai olhar as condições que o País oferece, como mão-de-obra, logística, respeito às leis e etc., mas também a perspectiva para política fiscal e, em especial, do regime tributário. Na hora do desempate, entre fazer o investimento aqui ou em outros lugares que não têm essa pressão fiscal, isso pesa. Não tem por que vir para cá, para de cara começar a pagar mais imposto. Há outro fator ainda mais importante: o Brasil não está se posicionando de forma clara no contexto global.
Em que sentido?
Do ponto de vista geopolítico, o Brasil não é próximo de nenhum dos polos comerciais (Estados Unidos e China). E tampouco está querendo se integrar às correntes de comércio internacional – a falta de interesse em ratificar o acordo comercial com União Europeia é um exemplo. Novamente, nossa economia parece estar fazendo uma opção introspectiva, focada no mercado interno, de substituição de importações. É uma estratégia que o Brasil vem tentando há décadas e não observamos, por ora, nenhuma alteração nem nessa estratégia nem nos resultados ruins que ela trouxe. É preciso ter ambição. Ao focar nos 2% do PIB global que representa o nosso mercado interno, o País abre mão dos outros 98% do PIB global ao deixar de se internacionalizar.
O protecionismo está sendo retomado pelos países do Primeiro Mundo. O custo elevado da transição energética, como alega os EUA, é um argumento válido para a volta do protecionismo?
É uma desculpa querer ser protecionista e atribuir esse desejo à transição energética. Veja o exemplo dos painéis solares, que a China produz de forma eficiente. A decisão racional do país que deseja investir numa transição energética mais rápida é comprar esses painéis da China, e não proteger a indústria doméstica de painéis solares.
Negócios
A situação fiscal e os paralelos com o fogo de Fahrenheit 451, segundo a Kinea
A delicada situação fiscal dos países fez com que a equipe de gestão de multimercados da Kinea Investimentos adotasse um tom sombrio, com toques distópicos, na primeira carta do gestor de 2025. O relatório publicado pelo braço de investimentos alternativos do Itaú traça um paralelo com o clássico da literatura Fahrenheit 451, de Ray Bradbury.
Em linhas gerais, o livro, publicado em 1953, conta a história de uma sociedade distópica que vive uma destruição progressiva de sua base de conhecimento e cultura através da queima de livros. E os bombeiros, em vez de evitar que os livros peguem fogo, são responsáveis pela sua identificação e eliminação.
Na carta, os analistas da Kinea traçam um paralelo entre a história ficcional e o que se vê no mundo. Para eles, enquanto a sociedade em Fahrenheit 451 destrói as bases de sua cultura, os governos da vida real foram “queimando” as bases da responsabilidade fiscal na última década.
Se a destruição de livros leva à gradual degradação da sociedade imaginada por Bradbury, o desequilíbrio fiscal e a perda de poder do lado monetário, aos poucos, “degradou a confiança dos mercados na dívida pública”.
“O resultado até o momento tem sido o aumento das taxas longas de juros, um reflexo do custo de reequilibrar um sistema que foi negligenciado por muito tempo”, diz trecho da carta da Kinea. “No final, as taxas longas são como o preço para reconstruir aquilo que foi queimado.”
A degradação fiscal é uma questão que atinge países ricos e emergentes, segundo a Kinea. Nos Estados Unidos, eles destacam que o problema fiscal não para de crescer e está sem solução no horizonte.
Para eles, o caso americano pode ser dividido em duas partes. Até meados da década passada, a política fiscal era feita conforme ditam os livros de economia – em períodos de expansão da atividade, o déficit se reduz, enquanto volta a crescer quando há desaceleração (a postura anticíclica).
Os últimos dois governos, porém, romperam com esse padrão. Num momento de forte crescimento econômico, Donald Trump realizou profundos cortes de impostos no primeiro mandato e Joe Biden aumentou os gastos. A postura pró-cíclica gerou deterioração da posição fiscal, culminando em um déficit nominal na casa de 7%, “número não muito diferente do apresentado pela economia brasileira”, diz trecho do relatório.
Os analistas da Kinea dizem que a reversão dessa trajetória não será simples. Pelo lado dos juros, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) tem acenado para uma pausa dos cortes, em razão da atividade aquecida e da inflação ainda acima da meta. Do ponto de vista fiscal, será preciso cortar gastos, uma vez que Trump prometeu reduzir a carga tributária.
“Entretanto, cortar gastos em qualquer economia é algo sensível, que mexe com interesses eleitorais e sensibiliza os membros do congresso. E, do ponto de vista estrutural, o envelhecimento da população tende a acentuar o forte crescimento das despesas com saúde e seguridade social. Os quais, juntamente com os gastos de defesa, farão com que a reversão dessa trajetória seja de difícil execução”, diz o relatório.
Europa mal, Brasil em crise
A situação também não é nada simples na Europa. Segundo a Kinea, a França não conseguiu melhorar sua situação fiscal após a expansão do déficit que foi feita no mundo inteiro durante a pandemia, e a desaceleração do crescimento contribuiu para reduzir as receitas do governo.
Com o retorno dos juros europeus para território positivo, após o choque inflacionário de 2022, a trajetória crescente de déficit nominal se acentuou. E, para piorar, a indefinição política prejudica a adoção de medidas de ajuste fiscal.
No Reino Unido, o Brexit continua pesando sobre a economia britânica. A Kinea destaca o menor crescimento da economia desde a saída da União Europeia e a fragilização das contas externas do país, a partir da saída de capital no balanço de pagamentos.
“Aliado às maiores taxas de juros, também em função da alta da inflação pós-pandemia, a situação aumentou o questionamento sobre a sustentabilidade fiscal do país”, diz trecho do relatório.
Em relação ao Brasil, a Kinea diz que o País flerta com mais uma crise fiscal. Embora o governo tenha cumprido sua meta de déficit primário em 2024, os analistas dizem que ainda “estamos longe de um primário que estabilize a dívida”.
“Os problemas fiscais seguem presentes, e o ano traz desafios adicionais; como a promessa de envio da reforma do IRPF (imposto de renda pessoa física), cuja compensação da isenção para os que ganham até R$ 5 mil terá dificuldade de tramitar no congresso”, diz trecho do relatório.
Os analistas da Kinea destacam ainda que a meta de 0,25% de superávit primário para 2026 dificilmente será alcançada, o que deve forçar o governo a mudar a meta (e correr o risco de termos uma repetição do que foi abril de 2024, com piora do risco fiscal), ou manter a meta em um orçamento cuja factibilidade pode ser questionada. Para 2025, o governo pretende zerar o déficit.
Diante deste cenário, a Kinea recomenda estar comprado nas taxas longas de juros dos Estados Unidos. A expectativa de normalização do prêmio na parte longa da curva, juntamente com a atual pujança da economia, os faz manter uma posição comprada no dólar.
A carta não fala sobre recomendações para França, mas no caso do Reino Unido a casa está com posições vendidas nos juros curtos do Reino Unido, acreditando que “a fraqueza da economia se sobrepõe à inércia da inflação no curto prazo, na função de reação do Banco Central”.
“Além disso, vemos o risco fiscal como um fator adicional de pressão negativa na moeda, justificando nossas posições vendidas na libra esterlina”, diz trecho do relatório.
Para o Brasil, a Kinea tem preferido posições vendidas em Bolsa, que tendem a refletir a alta dos juros e da desaceleração da atividade.
Negócios
Na guerra comercial de Trump, setor de alumínio brasileiro vive sob ameaça de mais tarifas
Donald Trump decidiu disparar uma guerra comercial global e o Brasil está preocupado com isso. Poucas horas após tomar posse, o presidente dos Estados Unidos chegou a dizer que “o Brasil quer mal aos Estados Unidos”, em alusão às tarifas de importação aplicadas pelo País. O sinal amarelo para anúncios de taxações ao setor produtivo brasileiro ficou ainda mais forte.
A tensão comercial ficou ainda maior após o anúncio do presidente americano, no sábado, 1º de fevereiro, de taxar em 25% os produtos importados do México e Canadá, e de 10% sobre os chineses.
Nesta segunda-feira, dia 3 de fevereiro, porém, a presidente do México, Claudia Sheinbaum, anunciou um acordo com Trump para suspender em 30 dias o início da imposição da tarifa. Pela proposta, México vai reforçar sua fronteira para impedir o tráfico de drogas nos Estados Unidos, enquanto os americanos se comprometem a impedir o tráfico de armas em território mexicano.
Mas isso não amenizou a crescente preocupação em um cada vez mais provável aumento nas tarifas cobradas em produtos de outros países, incluindo o Brasil. Na indústria do alumínio, que tem 5,6% de participação no Produto Interno Bruto (PIB) industrial, a preocupação é pelo escalonamento de uma cobrança que já existe há sete anos.
Desde o governo o primeiro governo de Trump, o alumínio importado já vem sendo sobretaxado em 10%, por meio de um instrumento chamado Seção 232, sem qualquer reação formal do governo brasileiro. A norma entrou em vigor em março de 2018. E democrata Joe Biden seguiu com a cobrança.
Fato é que, se houver um aumento na taxação dos produtos ligados ao alumínio brasileiro, o setor irá perder fatia significativa de mercado. A afirmação é de Janaina Donas, presidente-executiva da Associação Brasileira do Alumínio (Abal).
“Com mais uma sobretaxa, vai haver perda de mercado do alumínio brasileiro nos Estados Unidos. O recado de Trump foi ‘venham produzir aqui’. Isso é um desvio de comércio”, disse Donas. “É fato de que o Brasil não se movimentou. O que poderia ser feito seria adotar algum tipo de retaliação e praticar a mesma sobretaxa nos produtos que chegam de outros países.”
Segundo a entidade, das 541,9 mil toneladas de alumínio e seus produtos exportadas em 2024, 72,4 mil toneladas foram destinadas aos Estados Unidos, o que corresponde a 25%. Se for levado em conta somente os semimanufaturados e manufaturados, esse número é maior: representa 32% das exportações brasileiras (58,6 mil toneladas, do total de 182,2 mil toneladas).
Em valores, o resultado também é expressivo. No ano passado, a indústria brasileira do alumínio exportou US$ 796 milhões para os Estados Unidos, o equivalente a 14% do total, alta de 16% sobre o ano anterior.
Para a executiva da Abal, está claro que o alvo principal dos Estados Unidos nessa guerra comercial é a China, mas, para isso, o governo Trump tem atingido outros mercados. “Como não é possível criar um mecanismo para atingir só um país, eles adotaram a medida e depois discutiram algumas exceções.”
Mas o problema não está somente nos riscos externos, que podem afetar nossa balança comercial. Há também uma ameaça interna, na avaliação da executiva da indústria do alumínio, que é a falta de uma ação efetiva da União em evitar que as importações, principalmente da China, resultem em produtos mais baratos do que os fabricados por aqui.
A carga tributária incidente dos produtos nacionais da metalurgia do alumínio chega a 35,2%. Já sobre os mesmos produtos, só que importados, a carga é de 22,4%. “Essa é uma grande preocupação do setor”, afirma. “Se os Estados Unidos estão protegendo o mercado deles, precisamos proteger o nosso.”
Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista da presidente-executiva da Abal, Janaina Donas, concedida ao NeoFeed.
Donald Trump tem feito ameaças constantes de sobretaxar ainda mais os produtos brasileiros. Qual o risco real disso para o setor do alumínio no Brasil?
Perda de mercado. Hoje, os Estados Unidos são um mercado consumidor interessante e já há uma sobretaxa de 10% sobre o alumínio brasileiro. Ela foi imposta no primeiro mandato de Trump. Ele quer sobretaxar vários produtos, mas ainda não falou especificamente do alumínio. Estamos atentos. Se isso acontecer, pode fazer com que o Brasil perca mercado nos Estados Unidos. Mas a gente sabe que o alvo deles era a China. Como não é possível criar um mecanismo para atingir só um país, eles adotaram a medida e depois discutiram algumas exceções.
O Brasil não poderia questionar essa sobretaxa nos órgãos internacionais?
O mecanismo legítimo junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) para questionar práticas ilegais é o antidumping, aplicado contra empresas, e reclamações contra subsídios, que é aplicado ao país. O multilateralismo está em crise. Começaram a surgir outras barreiras, como a criada pelos Estados Unidos sobre o aço e o alumínio, a Seção 232, alegando questão de soberania. O governo americano entende que os dois produtos são estratégicos para o país, já que são usados no setor de defesa. E houve uma mudança de governo, mas em nenhum momento Joe Biden pensou em revisar. É uma política de Estado nos Estados Unidos.
E não deveríamos adotar essa mesma política para proteger nosso alumínio?
Isso traz uma reflexão sobre como a gente está enxergando a nossa indústria. O governo brasileiro deveria olhar de forma mais estratégia alguns segmentos. Aço e alumínio poderiam ser considerados estratégicos, justamente por essa questão de soberania. Estamos olhando com atenção e preocupação esse movimento dos Estados Unidos, que vai criar essas retaliações. Se vir uma taxa além do que já é cobrada, vai ser muito preocupante, porque pode tirar nosso acesso a mercados.
Essa é hoje a principal preocupação do setor de alumínio no Brasil?
Temos duas preocupações. Uma delas é garantir a demanda nacional, e a gente tem capacidade para isso. Outra é ter acesso aos mercados globais. Do alumínio primário, que já é manufaturado, 32% do que é exportado têm como destino os Estados Unidos. E é isso que pode ser afetado.
Mas, na prática, o governo brasileiro não adotou nenhuma medida para evitar esse desequilíbrio no início da taxação e nem agora.
O setor deu elementos para que o governo questionasse os Estados Unidos tecnicamente. A questão é que muitas das empresas que atuam no Brasil estão nos Estados Unidos. Mas é fato de que o Brasil não se movimentou. O que poderia ser feito seria adotar algum tipo de retaliação e praticar a mesma sobretaxa nos produtos que chegam de outros países.
E o que impede que esse mecanismo seja adotado?
Aí entram as relações comerciais, os pesos dos parceiros. Normalmente uma retaliação é cruzada. Não dá para retaliar o mesmo grupo de produtos e sim outros que os países são mais dependentes. Caberia, mas não foi adotada. Isso envolve outros interesses. Agora precisamos saber qual serão as decisões americanas sobres as novas taxações e em que setores serão aplicadas.
Isso pode abrir oportunidades para as empresas brasileiras de alumínio atuem em outros mercados?
Sim, mas também há desafios. A União Europeia criou o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), um mecanismo de ajuste de fronteiras vinculada a emissões de carbono para produtos importados. Foi um instrumento para tentar buscar isonomia, para exigir do produto de fora o que eles exigem dos produtos internos. Mas é uma sobretaxa, que está sendo implementada.
E onde está a chance de o alumínio aproveitar o mercado europeu?
A grande discussão é a metodologia que eles estão utilizando e nós questionamos. Isso significa que, para a indústria brasileira exportar para lá, vai ter que atender essas regras. A exceção para reduzir essas tarifas vai ser a sustentabilidade. E, no caso do alumínio brasileiro, estamos muito bem posicionados. Se esse for o critério, pode ser positivo.
Há outra preocupação que possa afetar a indústria do alumínio no Brasil?
A nossa grande preocupação é com o desvio de comércio. O produto importado já tem uma vantagem competitiva sobre o nacional. A carga tributária incidente dos produtos nacionais da metalurgia do alumínio chega a 35,2%. Já sobre os mesmos produtos, só que importados, a carga é de 22,4%. Essa é uma grande preocupação do setor. Além de perder acesso ao mercado, temos risco de perder competitividade contra o produto importado. E a gente precisa encontrar alternativas para isso. Se os Estados Unidos estão protegendo o mercado deles, precisamos proteger o nosso.
Negócios
PIB menor e inflação mais alta: o impacto das tarifas de Trump nos EUA
O presidente americano Donald Trump completa exatas duas semanas de seu segundo mandato na Casa Branca nesta segunda-feira, 3 de fevereiro. E, em pouco tempo, já conseguiu chacoalhar os mercados globais ao começar a cumprir parte de suas promessas de campanha.
A mais recente movimentação dessa agenda veio à tona no sábado, 1 de fevereiro, quando ele anunciou a imposição de uma tarifa de 25% para produtos importados do México e do Canadá, além de uma alíquota de 10% para itens da China. As taxas entram em vigor a partir da terça-feira, 4 de fevereiro.
“Haverá alguma dor? Sim, talvez (e talvez não!). Mas faremos a América grande novamente e tudo isso valerá o preço que deve ser pago”, postou o presidente americano na Truth Social, rede social de sua propriedade, no domingo, 2 de fevereiro.
Ainda não é possível determinar o tamanho dessa conta. Mass em um termômetro das primeiras reações ao início dessa “nova guerra comercial” anunciada por Trump, o portal americano Yahoo Finance compilou algumas análises feitas por bancos e nomes relevantes de Wall Street.
“Nossos economistas esperam que as tarifas totalmente implementadas tenham consequências significativas”, escreveu o time de research de políticas públicas do Morgan Stanley projetando que o crescimento dos Estados Unidos pode ser de 0,7% a 1,1% a menos nos próximos três a quatro trimestres.
Ao estimar um aumento de 40 pontos-base na inflação americana no segundo semestre, a equipe de economia do Evercore ISI disse que o crescimento do país provavelmente sofrerá um “golpe”, à medida que os países se “afastam das exportações dos EUA, o investimento cai e o emprego diminui”.
Já o estrategista da Evercore ISI China, Neo Wang, ressaltou que o momento escolhido por Trump para o anúncio – o feriado do Ano Novo Chinês – provavelmente ofendeu tanto o governo quanto o povo chinês. E que ele roubou a atenção com suas “tarifas destruidoras de riqueza”.
Mas fez uma ressalva: “Essa primeira taxa de 10% parece, pelo menos, ter como objetivo ganhar vantagem na negociação no TikTok ou forçar Pequim a se sentar à mesa se a negociação ainda não tiver começado”, observou Wang.
Estrategista de casa de research 22V, Michael Hirson, por sua vez, entende que Trump acabará impondo, mais cedo ou mais tarde, tarifas adicionais sobre as importações da China, além desses 10% iniciais.
“A predileção de Trump por tarifas, a ótica de um déficit muito grande com a China e a política interna de mirar na China tornam improvável que ele pare aqui”, afirmou Hirson. “Não descartamos a possibilidade de um acordo comercial EUA-China, embora vejamos a barra política como bastante alta, especialmente neste primeiro ano de Trump 2.0.”
Quanto ao Canadá e ao México, as projeções a partir desse anúncio apontam para a probabilidade de uma recessão “iminente”. Para Jim Reid, estrategista do Deutsche Bank, os dois países podem testemunhar um choque maior do que o Brexit foi para o Reino Unido.
Ele também reservou espaço para comentar as críticas feitas por Trump à Europa e o discurso do presidente americano que coloca o Velho Continente como um dos próximos alvos dessa política de aumento de tarifas.
“Embora as tarifas não tenham sido cobradas da União Europeia, isso ainda é um golpe sério, dado o que provavelmente está por vir. Além das tarifas diretas, muitas montadoras alemãs atendem ao mercado dos EUA via México, onde produzem bens finais e/ou intermediários”, observou Reid.
O estrategista do Deutsche Bank acrescentou ainda que, embora os Estados Unidos estejam menos expostos às tarifas de retaliação anunciadas até o momento pelo Canadá e o México por conta do tamanho da sua economia, seria possível esperar que “vários décimos” fossem cortados do PIB americano.
Sob outra ótica, Jim Duffy, analista do Stifel, ressalta que quase todos os calçados e vestuários vendidos nos EUA são importados. E que as tarifas anunciadas no sábado provavelmente vão impactar o P&L das empresas a partir do segundo trimestre, com reflexos para todo o ano de 2026.
Duffy observa ainda que, em antecipação a tarifas potenciais, as empresas irão realinhar as cadeias de suprimento para minimizar as importações de países com alíquotas mais elevadas, adicionando risco operacionais potenciais.
“Para a maioria das empresas em nossa cobertura, a exposição direta às importações desses países é mínima. No entanto, o risco secundário de inflação e pressão relacionada sobre gastos discricionários é uma consideração”, escreveu o analista.
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