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Goldman Sachs aposta fichas na retomada do Bradesco e recomenda compra

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Goldman Sachs aposta fichas na retomada do Bradesco e recomenda compra
Tempo de Leitura:3 Minuto, 15 Segundo


O balanço financeiro do segundo trimestre do Bradesco animou o mercado e levou as ações do banco a uma valorização de aproximadamente 20% no último mês, superando em quase cinco vezes o desempenho do Ibovespa no período e contrariando a maré de preocupação vista ao longo de 2023.

Em meio a um plano complexo de reestruturação, o desempenho do Bradesco ultrapassou as barreiras de B3 e chamou a atenção do Goldman Sachs, que voltou a acreditar em sua recuperação, recomendando a compra dos papéis e vendo um potencial de valorização de 17% no valor dos ativos.

A mudança de avaliação ocorreu após o banco apurar um lucro líquido recorrente de R$ 4,71 bilhões no período, avanço de 4,4% na base anual e de 12% na comparação com o primeiro trimestre do ano. O valor veio acima das projeções, que apontavam para a faixa de R$ 4,3 bilhões.

Porém, o que realmente chamou a atenção do banco americano foi o crescimento da carteira de crédito do Bradesco. Totalizando R$ 912,1 bilhões no período, o banco registrou um avanço de 10,2% em empréstimos cedidos às pequenas e médias empresas (PMEs) e fez o Goldman acreditar em uma retomada nesse segmento.

“O crescimento dos empréstimos pode se beneficiar de um foco renovado nas PMEs, onde ainda há espaço para ganhar participação de mercado após mostrar uma melhoria significativa no trimestre”, afirmaram os analistas Tito Labarta, Tiago Binsfeld, Beatriz Abreu e Lindsey Shema no relatório.

Na visão dos especialistas, embora o Bradesco possa enfrentar alguns desafios ao expandir sua carteira de crédito ao consumidor pessoa física, devido à forte concorrência com as fintechs, existem grandes oportunidades para ganhar participação no segmento de PMEs, que costuma ser menos competitivo.

Para o Goldman Sachs, o banco também tem feito um trabalho “bastante razoável” no controle das despesas nos últimos cinco anos, que cresceram a uma taxa composta anual (CAGR) de 3% de 2018 a 2023. Porém, a entrada de dinheiro, contabilizada pela receita, continua sendo um desafio para o Bradesco.

“Acreditamos que essa falta de crescimento nas receitas tem sido impulsionada por um ambiente competitivo mais difícil, onde o banco tem consistentemente perdido participação de mercado, ao mesmo tempo em que sofre com um ciclo de crédito mais fraco, no qual foi afetado de forma mais dura do que os pares”, afirmam os analistas.

Segundo eles, porém, essa situação também parece estar começando a mudar. As trocas na gestão, que simplificaram a tomada de decisão e aumentaram o foco nos clientes, podem estar ajudando a contornar a situação.

Em relação ao retorno sobre patrimônio (ROE), o Goldman vê o Bradesco entregando números em linha com seu custo de capital nos próximos trimestres, à medida que o crescimento dos empréstimos acelera, o NIM (margem de juros líquida) se expande e a qualidade dos ativos melhora.

Para o lucro, as expectativas são ainda melhores. Os analistas acreditam que o lucro líquido da companhia deve encerrar 2024 em alta de 9%, atingindo R$ 19,5 bilhões. Para 2025 e 2026 os números devem continuar melhorando, com valorização de 7% e 4%, respectivamente. Assim, ao fim de 2026, o lucro líquido do Bradesco pode se aproximar dos R$ 30 bilhões.

“Agora esperamos ROEs de 11,9% em 2024, 14,8% em 2025 e 15,7% em 2026. Nossas estimativas estão 4% acima do consenso do Bloomberg em 2024, 5% acima em 2025 e alinhadas em 2026”, afirmam no relatório.

Neste cenário, o banco acredita que as ações do Bradesco podem atingir o valor de R$ 17,50, com um potencial de valorização de quase 17%.

“Esperamos que o Bradesco registre o segundo maior crescimento anual composto de lucros (CAGR) de 2023 a 2026 nessa recuperação, crescendo a uma taxa de 22%, atrás apenas do Santander Chile em nossa cobertura entre os bancos incumbentes da região”, complementam os especialistas.



Fonte: Neofeed

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Fundos de debêntures incentivadas triplicam de tamanho e podem bater R$ 300 bi sob gestão

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investimento debênture infraestrutura
Tempo de Leitura:8 Minuto, 29 Segundo


As debêntures incentivadas registraram um crescimento de 214% no total sob gestão em 2024, triplicando de tamanho e atingindo R$ 207 bilhões, de acordo com um levantamento da Quantum Finance preparado com exclusividade para o NeoFeed. Foi a maior alta relativa de uma classe de fundos no período.

As emissões foram recorde em 2024 e atingiram R$ 135 bilhões em 2024, o dobro do registrado no ano anterior. Um conjunto de fatores elevou a demanda do mercado por esses papéis e acelerou o crescimento desses títulos.

E ao que tudo indica, esse foi só um empurrão para mais crescimento adiante. Em conversa com sete gestoras de debêntures incentivadas para entender quais são as perspectivas para essa classe de fundos, todas são unânimes em dizer que mudanças estruturais possibilitaram que, após mais de 10 anos no mercado, esse instrumento finalmente se tornasse relevante e ocupasse o espaço que foi pensado para ter no desenvolvimento da infraestrutura nacional.

Alguns fatores específicos, como o aumento da demanda com a taxação dos fundos exclusivos em 2023, que levou os donos de grandes fortunas a buscarem formas mais eficientes de alocação de capital, em especial ativos isentos, e a restrição ao lastro de outros isentos (LCI/LCA), impulsionaram a demanda por fundos de debêntures incentivadas no ano passado. O que não se repetirá novamente este ano.

Mesmo assim, espera-se um crescimento de cerca de 50% em 2025, o que vai fazer o total sob gestão ultrapassar os R$ 300 bilhões. E a perspectiva é que a expansão dessa classe de fundos se mantenha nesse mesmo nível nos próximos anos – a média foi de 45% em 2022 e 2023.

A criação de produtos listados e exclusivos para grandes fortunas ajudou a aumentar o número de fundos específicos em 183% no ano passado, chegando a 1.383 no total, segundo levantamento da Quantum Finance. Um exemplo é a Bradesco Asset, que cresceu 300% no segmento e chegou a R$ 16 bilhões sob gestão, com o lançamento de novos produtos.

“Recebemos muita demanda do nosso private para estruturar fundos exclusivos de debêntures incentivadas como forma mais eficiente desse cliente alocar. E, apostando no crescimento dessa classe, listamos o BINC11 em setembro para alcançar o varejo”, afirma Victor Tofolo, gestor de crédito privado da Bradesco Asset.

O mercado espera que o número de fundos continue crescendo neste ano, com alguns fundos exclusivos ainda sendo desmontados e com grande chance de se optar em ter uma estrutura dedicada de debêntures incentivadas, e com mais fundos listados indo a mercado.

A Capitânia, com R$ 19 bilhões sob gestão, sendo R$ 2 bilhões apenas em debêntures incentivadas, é uma das gestoras independentes que vai concentrar a expansão em fundos listados e exclusivos.

“Estamos analisando novos fundos fechados em infra, que é um instrumento interessante que permite dar liquidez sem comprometer a estratégia de investimento, e assim fazer emissões de cotas para o público de private bank e wealth”, afirma Arturo Profili, sócio-fundador e gestor Capitânia.

A Sparta vai seguir esse mesmo caminho. A gestora liderada por Ulisses Nehmi cresceu de R$ 10 bilhões para R$ 17 bilhões o total sob gestão total, sendo que os fundos incentivados passaram de R$ 2 bilhões para R$ 7 bilhões.

“Começamos a receber muito capital e fechamos dois fundos porque resolvemos selecionar nosso passivo para quem de fato quer estar no longo prazo e não quer correr o risco de ter problemas de liquidez com investidores oportunistas”, afirma o CEO da Sparta.

O que também beneficia a demanda para essa classe de ativo é que os juros estão bem altos, o que não só atrai os investidores para a renda fixa como amplia o benefício tributário. E enquanto outros ativos estão com uma sombra de taxação pelo governo, as debêntures incentivadas parecem ilesas por serem estratégicas.

“Prevemos um fluxo de captação para esses fundos este ano na mesmo intensidade. O benefício fiscal fica ainda mais atrativo a um IPCA+7,5%, o que dobra o patrimônio em termos reais e líquidos do cliente a cada cinco anos. É muito difícil bater essa rentabilidade”, afirma Vinícius Romero, sócio e portfólio manager da XP Asset.

Pipeline de emissões

Enquanto as LCI/LCAs e CRI/CRAs tiveram restrição ao lastro pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) no ano passado, as debêntures incentivadas ganharam mais fôlego do governo com novas áreas podendo usar o benefício, como geração de energia, saúde e educação. A sinalização positiva levou os investidores a ampliar a procura.

São essas mudanças regulatórias que fizeram a emissão de debêntures incentivadas dobrar e alcançar o recorde de R$ 135 bilhões. Neste ano, espera-se um pipeline menos robusto em razão de muitos emissores terem antecipado captações em razão dessa boa janela.

“Com as mudanças do CMN, muitas empresas que não precisavam captar foram a mercado aproveitando que os spreads estavam muito comprimidos”, afirma Michelle Lauande, gestora de fundos de infraestrutura da Santander Asset Management, que detém R$ 7 bilhões em seis fundos de infraestrutura.

“A verdade é que como entrou muito dinheiro nos fundos, precisamos comprar para não nos desenquadrar. Mas não vamos aceitar essa falta de prêmio”, complementa.

Pelo menos neste primeiro semestre, as empresas estarão mais cautelosas para emitir em razão da alta dos juros – a NTN-B, que baliza esse mercado, esta na casa de IPCA+ 7,5% ao ano.

Por outro lado, os leilões de infraestrutura estão a todo vapor. Espera-se em breve emissões de novos papéis para financiar leilões de transportes (já são 15 anunciados).

“As captações serão menores, mas não quer dizer que não serão fortes. Há muitas concessões e as debêntures de infra são a melhor forma de financiamento. Esperamos emissões ainda no primeiro trimestre, mas algumas podem esperar o fim do ano ou o início de 2026 para uma acomodação maior das taxas de juros”, diz Lauande.

Ainda há um déficit enorme de investimentos no País. Segundo dados da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), em 2024, foram investidos R$ 259 bilhões em infraestrutura, mas a necessidade era de R$ 503 bilhões.

O mercado de capitais vem cada vez mais sendo protagonista neste tipo de funding, em especial os fundos de debêntures incentivadas. Segundo levantamento da Icatu Vanguarda, com dados da Anbima, em 2018, a participação dos fundos no investimento em projetos de infraestrutura foi de 5%. Em 2021, subiu para 20% e hoje já é de 40%.

“A indústria de fundos incentivados se desenvolveu e isso é muito importante para o Brasil. As debêntures incentivadas estão finalmente ganhando protagonismo no financiamento de desenvolvimento do Brasil”, diz Bernardo Schneider Goulart, CEO da Icatu Vanguarda.

“Esperamos que podemos chegar até 70% de participação nesse funding via fundos. Um instrumento mais profissional para casar a demanda da pessoa física com a complexidade e importância desses projetos de longo prazo”, complementa.

Indústria madura para crescer

Os fundos de debêntures incentivadas surgiram há cerca de 10 anos após a Lei 12.431 de 2011, que criou as debêntures incentivadas com isenção de Imposto de Renda para a pessoa física. A estrutura do fundo especializado foi criada por regulação para manter a isenção de imposto mesmo no investimento indireto (via fundo), ajudando o pequeno investidor a participar desse mercado e a conseguir diversificar. O que não é possível em outros fundos de crédito.

Os títulos de debêntures incentivadas são de longuíssimo prazo, podendo chegar a 20 anos. Eles são indexados ao IPCA mais uma taxa fixa, o que gera muita oscilação com as marcações a mercado nos fundos.

No início, isso afugentava muitos investidores desavisados, que saíam no pior momento e deixavam o gestor com um problema para gerar liquidez e honrar os pedidos de resgates. Com isso, os fundos foram ganhando uma carência maior – hoje muitos são D+90 – e não cresceram muito em seus primeiros anos.

Nos últimos anos, essa variável foi vencida com a introdução de fundos hedgeados das oscilações do mercado, algo possível com o surgimento de um derivativo. Atualmente, a maior parte da indústria é “protegida”, seja totalmente ou parcialmente. O que torna o fundo indexado ao CDI, algo vantajoso tanto para o varejo como para clientes de grandes fortunas.

“Temos um fundo completamente hedgeado e outro que é até 60% e dobramos de tamanho neles neste ano. A maior demanda veio de wealth, mas de varejo também. Vemos todos buscando prêmio em crédito privado, mas se ele é incentivado melhor ainda”, afirma Rafael Zlot, CIO da Genial Investimentos.

Outra mudança estrutural na indústria foi o ganho de liquidez dos papéis ao longo do tempo, que hoje são mais líquidos que os das debêntures tradicionais, tornando o mercado secundário muito dinâmico e permitindo às gestoras fazer uma gestão mais ativa, encurtando durations e diversificando mais o portfólio sem depender tanto do mercado primário.

Segundo dados da Anbima, o mercado secundário de debêntures incentivadas alcançou o volume recorde de R$ 254,7 bilhões entre janeiro e novembro de 2024, quase o dobro em relação ao registrado em 2023 completo. Cerca de 85% do estoque das incentivadas foi negociado em 2024, enquanto em 2023 foi de 58%.

A Bradesco Asset, por exemplo, foi responsável por negociar quase R$ 10 bilhões desse volume. “A pessoa física ao comprar direto tem o viés de comprar e ‘sentar’ no papel. Mas a gestão ativa aproveitando ciclos de alta e baixa, traz retornos muito maiores. E com a diversificação dos ativos, já é possível fazer várias estratégias diferenciadas visando alpha. E devem surgir ainda mais”, afirma Tofolo.

Foi devido a essas mudanças que a Icatu Vanguarda, com cerca de R$ 50 bilhões sob gestão, resolveu apostar na classe de fundos e hoje tem R$ 2 bilhões nesta classe de ativos.

“Gostamos de ter produtos atemporais, e nos últimos anos fomos devagar por não ter certeza se o produto e passivo iam se casar. Mas hoje já temos nove fundos que têm estratégias diferentes e vemos que o potencial de crescimento é gigantesco”, afirma Goulart.

Segundo dados da Quantum Finance, os 10 melhores fundos de entre 1º de janeiro de 2024 a 25 de janeiro deste ano tiveram um retorno médio de 18%, enquanto o CDI rendeu 11,7% no mesmo período.





Fonte: Neofeed

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A estratégia sem lógica de Trump e o desmonte da ordem mundial, na visão de ex-embaixador nos EUA e na China

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roberto abdenur embaixador
Tempo de Leitura:11 Minuto, 29 Segundo


A introdução de tarifas de importação anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra os principais parceiros comerciais do país – México, Canadá e China – não tem lógica alguma e só vai prejudicar o comércio internacional e os próprios americanos.

É o que diz, sem meias palavras, o diplomata Roberto Abdenur. Aos 82 anos, com um longo currículo no Itamaraty – onde serviu de 1963 a 2007, atuando como embaixador do Brasil não só nos Estados Unidos, como na China, Alemanha, Áustria e Equador, entre outros postos -, Abdenur atualmente é conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), um think-tank independente.

“Vamos ter tempos difíceis pela frente”, adverte o veterano diplomata, nesta entrevista ao NeoFeed onde mostra que segue afiado em sua análise da conjuntura global. “Nunca vi, em mais de seis décadas acompanhando a diplomacia e o comércio internacional, um mundo tão caótico, instável, turbulento e perigoso como o de hoje.”

Na segunda-feira, 3 de fevereiro, após Trump anunciar no final de semana tarifas de 25% para importação de produtos do México e do Canadá, além de 10% da China, os mercados globais reagiram mal.

A presidente do México, Claudia Sheinbaum, porém, revelou um acordo com Trump sobre segurança na fronteira, o que levou os EUA a suspenderem as tarifas por 30 dias. O Canadá, por sua vez, decidiu retaliar, impondo tarifas de 25% às exportações americanas.

Economistas do Goldman Sachs estimam que as tarifas sobre o Canadá e o México, se mantidas, aumentariam a inflação dos EUA em até 0,7% e reduziriam o PIB do país em 0,4%.

Para Abdenur, as medidas de Trump fazem parte do desmonte da ordem mundial criada pelos próprios Estados Unidos e em vigor desde o fim da Segunda Guerra.

“Os EUA estão deixando de agregar e abrir mercados para ampliar o uso do imenso poder político, diplomático, tecnológico, econômico e sobretudo comercial de maneira unilateral”, diz, referindo-se à política do porrete tarifário e protecionista de Trump, além de ameaças, como invadir o Panamá e anexar a Groelândia.

Esse processo teve início após a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), “que os EUA apoiaram ingenuamente, achando que levaria o país à democratização”, segundo Abdenur, e prosseguiram com a transferência das plantas da indústria americana para a Ásia e o esvaziamento da OMC pelos EUA, acentuado desde o governo Obama.

Para o diplomata, nenhum país ou bloco obterá vantagem com essa nova ordem do comércio global. Mas o bloqueio das exportações americanas em retaliação às tarifas pode abrir mercado para o agronegócio brasileiro na Europa, Ásia e Oriente Médio.

Abdenur, porém, acredita que a política de tarifas de Trump dificilmente sobreviverá no longo prazo, mas tampouco vai desaparecer no curto prazo. “Nos dois primeiros anos de governo, os efeitos deletérios de tudo o que Trump está fazendo para o povo americano devem reforçar a voz dos democratas”, diz.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista de Roberto Abdenur:

O presidente Donald Trump anunciou tarifas contra importações de México, Canadá e China e prometeu fazer o mesmo com a União Europeia. Juntos, esses atores representam 60% das importações dos EUA. Qual é a lógica?
Não há lógica alguma. Trump ganhou eleição focando em dois temas: custo de vida elevado e a imigração ilegal. A imposição de tarifas deve aumentar a inflação nos EUA e a deportação em massa tende a gerar inúmeros prejuízos pela falta de mão de obra que vai causar na colheita das safras, no trabalho em restaurantes e até na faxina das casas. Ou seja, é o triunfo da insensatez. Vamos ter tempos difíceis pela frente. Nunca vi, em mais de seis décadas acompanhando a diplomacia e o comércio internacional, um mundo tão caótico, instável, turbulento e perigoso como o de hoje.

“Nunca vi, em seis décadas, um mundo tão caótico, instável, turbulento e perigoso como o de hoje”

Quais os prejuízos para os EUA com a adoção dessa estratégia?
Essa estratégia vai prejudicar o país em múltiplas áreas porque os países afetados vão retaliar a sobretaxação de tarifas. Entre 60% e 70% das ações anunciadas ou previstas por Trump são contrárias aos interesses dos EUA. Além das tarifas, ele retirou o país do Acordo de Paris e da Organização Mundial de Saúde (OMS), o que vai inviabilizar muitas pesquisas sobre vacinas e combate a pandemias futuras.

Qual o objetivo de Trump?
Por trás dessa cartada está o desmonte da ordem mundial criada pelos próprios Estados Unidos e em vigor desde o fim da Segunda Guerra. Os EUA estão deixando de agregar e abrir mercados para ampliar o campo para o uso do imenso poder político, diplomático, tecnológico, econômico e sobretudo comercial de maneira unilateral. Daí a proposta de Trump de invadir o Panamá, anexar a Groelândia e, em tom de piada, incorporar o Canadá como 51º estado dos EUA. Isso ficou claro quando Trump e o secretário de Estado, Marco Rubio, disseram, para meu espanto e perplexidade, que a ordem internacional vigente não é boa para os EUA.

Nas justificativas de Trump para imposição de tarifas pesam mais argumentos políticos – como controle de imigração – do que comerciais. Isso reforça que as sobretaxas seriam apenas uma arma para negociar outros temas, com tendência de serem revogadas rapidamente?
Este cenário é plausível, mas não muito provável. Pode até acontecer no curto ou no médio prazo. Trump está emitindo sinais apaziguadores em relação à China, percebendo que uma ampla guerra comercial e uma confrontação estratégica na área de segurança não são boas para os EUA. Como executor de uma diplomacia transacional, é muito possível que isso aconteça. Mas enquanto não acontecer, haverá prejuízos para o mundo inteiro. Será não apenas a dissolução da globalização, mas situação de turbulência de todo o comércio e economia internacionais.

“Trump está emitindo sinais apaziguadores em relação à China. Mas enquanto não acontecer, haverá prejuízos para o mundo inteiro”

Uma mudança radical nas cadeias de suprimentos globais causaria impacto muito grande e levariam anos para se consolidar. Quais países ou blocos seriam mais beneficiados?
Numa primeira avaliação, nenhum país ou bloco terá condições de obter vantagens diante do fechamento do mercado americano. O que resta no mundo é relativamente pouco. A União Europeia, por exemplo, terá condições de negociar com o Mercosul ou, eventualmente com México e Canadá, África Oriente Médio e alguns países da Ásia. Mas é um campo relativamente limitado para obtenção de vantagens. Ou seja, haverá alguns ganhos relativos, mas não tão substantivos a ponto de corresponder à totalidade dos prejuízos sofridos com o fechamento do mercado americano.

O sr. acredita que a estratégia de Trump seria forçar mais acordos comerciais bilaterais com outros países, onde os EUA poderiam levar mais vantagem?
Acho difícil. Mesmo que chegue a um entendimento com a China para reduzir o escopo de guerra comercial, Trump deve adotar uma política protecionista em paralelo à política externa isolacionista. Não vejo Trump assinando acordos, o que ele pode fazer pontualmente é, se obtiver certas vantagens, isentar esse país das tarifas punitivas com as quais vem acenando.

Os EUA se consolidaram como superpotência econômica, com participação no PIB global de mais de 25%. Mas sua presença no comércio mundial vem caindo e hoje é bem menor, de 15%. O que causou essa queda?
Trata-se de um processo que teve início em 2001, com os atentados da Al-Qaeda e, principalmente, com a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), com apoio americano. Os EUA tinham uma visão ingênua, achando que a China ia evoluir para uma nação mais democrática. Nunca acreditei nisso, era embaixador na China na época do massacre da Praça da Paz Celestial (1989) e era claríssimo que isso nunca iria acontecer. Na verdade, houve piora, porque Xi Jinping está instalando uma ditadura mais dura do que a de Deng Xiaoping, que abriu a economia do país em 1978, e de seus sucessores.

A presença da China no comércio global aumentou na mesma proporção do recuo americano?
Grande parte do recuo americano se deve ao efeito do fenômeno da globalização, com grandes empresas dos EUA transferindo suas plantas para China, México ou Canadá, privando a capacidade exportadora do país de muitos elementos de força. Por outro lado, houve crises econômicas nos EUA que contribuíram para isso, como a de 2008 e, anos depois, a pandemia. O poder global da China, porém, cresceu muito desde a entrada na OMC, atuando no mundo inteiro e na ONU com uma diplomacia muito ativa.

Como é essa diplomacia?
A China já é o principal parceiro comercial de mais de cem países. Veja a diferença com os EUA: Xi Jinping esteve no Brasil recentemente e assinou 37 acordos comerciais. Quantos acordos os EUA assinaram com o Brasil nas últimas décadas? Só me lembro de um, para viabilizar o uso da base de Alcantara para lançamento de satélites e foguetes americanos, o que acho que não vai acontecer.

“Xi Jinping esteve no Brasil recentemente e assinou 37 acordos comerciais. Quantos acordos os EUA assinaram com o Brasil nas últimas décadas?”

Muito se fala em desglobalização, mas desde 2017 o comércio internacional se manteve estável, respondendo por 60% do PIB global. Que tipo de mudança essa política de Trump pode desencadear no comércio global?
Os EUA destruíram a OMC há muito tempo, antes mesmo do Trump – desde Obama, inviabilizaram a OMC no que tinha de mais importante, que é o mecanismo de solução de controvérsias. Os EUA bloquearam a indicação de técnicos para esse mecanismo. A OMC está paralisada há muitos anos. Não vai desaparecer, mas perdeu relevância. Isso é caótico, pois não tem mais a cláusula de nação mais favorecida aplicada de forma transversal – ao contrário, o que temos agora são tarifas aplicadas de forma ampla, com algumas diferenças conforme o resultado das pressões e negociações impostas por Trump.

Como o Brasil pode ser beneficiado dessa pressão das tarifas dos EUA contra os vizinhos, China e União Europeia? Deve ampliar o comércio com esses países, que devem barrar as exportações americanas?
O agronegócio brasileiro claramente se beneficiará, pois exporta múltiplos produtos que competem com os EUA, como soja, carne e laranja. Dadas as eventuais retaliações de outros países contra os EUA, isso ampliará muito o mercado para o Brasil na Europa, Oriente Médio e Ásia em geral.

A balança comercial do Brasil com os EUA está bem equilibrada. Mesmo assim, é possível imaginar uma ofensiva de sobretaxas de Trump contra o Brasil?
Em relação ao Brasil, minha preocupação com o Trump é mais de ordem ideológica. Ele é o campeão da extrema direita mundo afora. O Marco Rubio, secretário de Estado, filho de imigrantes cubanos, é um crítico a regimes de esquerda e inclui o Brasil não como alvo principal, mas como um país com um governo de esquerda indesejável, por mais moderada que seja. O Brics, porém, é um ponto de preocupação para o Brasil.

Por quê?
Estamos numa situação delicada, pois o Brasil terá a presidência dos Brics e o principal item da pauta da reunião de julho é a busca de alternativas ao dólar para as transações comerciais dos países do bloco. O presidente Lula terá de manejar com muito cuidado porque o Trump, em duas ocasiões, ameaçou os Brics se seguirem adiante com a proposta, prometendo impor 100% de tarifas de exportações do bloco.

Mas o Brics não tende a recuar em relação a essa pauta do dólar, uma vez que não é um tema essencial?
A China não vai abrir mão, até por questão de honra, e vai continuar pressionado pela alternativa ao dólar. Vi com muito bons olhos a formação inicial do bloco, com quatro países-membros (China Brasil, Índia e Rússia) mais a África do Sul. Mas fiquei preocupado com as sucessivas expansões do Brics por pressão da China – principalmente com a entrada do Irã, que Lula não conseguiu impedir. O Brics passou a ter uma postura anti-EUA, claramente, e o Lula tem ou tinha a ilusão de que o Brics possa melhorar a governança global. Não é possível desde que a Rússia invadiu a Ucrânia. Lula ficará entre dois fogos, uma situação descontável

Quais os riscos para nossas exportações caso os EUA incluam o Brasil na lista de sobretaxação?
Há uma diferença qualitativa entre nossas exportações para a China e para os EUA. Na nossa pauta de exportações para a China, os produtos manufaturados correspondem a apenas 20%. Para os EUA, sobem para 70% ou 80% – muito é resultado de comércio intrafirmas, multinacionais daqui exportando para a matriz. Em qualidade, nosso comércio com os EUA só perde para com o do Mercosul, que por sinal tende a desaparecer como união aduaneira, voltando a ser apenas uma associação de livre-comércio, por pressão do presidente da Argentina, Javier Milei. Há ainda preocupação com a Embraer.

Que risco a Embraer corre?
Um aumento brutal de tarifa sobre os aviões da Embraer vai afetar duramente a empresa, que terá de buscar novos mercados na Europa e Oriente Médio. Mas custa a crer que Trump imponha tarifas à Embraer, porque os aviões da empresa contêm de 30% a 40% de seus componentes provenientes dos EUA. Vendemos o produto acabado, mas usamos os insumos americanos em grande escala. De qualquer forma, é um caso especial.

Com tantos prejuízos, incluindo para os EUA, essa política de tarifas elevadas de Trump tem eficácia no longo prazo? Até quando ele consegue manter essa estratégia?
Dificilmente sobreviverá no longo prazo, mas tampouco vai desaparecer no curto prazo. Nos dois primeiros anos do governo Trump, os efeitos deletérios de tudo o que está fazendo para o povo americano deve reforçar a voz dos democratas. E provavelmente, como costuma acontecer, historicamente, nas eleições de meio de mandato presidencial, daqui a dois anos, os republicanos podem ter derrotas impressionantes.





Fonte: Neofeed

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A situação fiscal e os paralelos com o fogo de Fahrenheit 451, segundo a Kinea

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A situação fiscal e os paralelos com o fogo de Fahrenheit 451, segundo a Kinea
Tempo de Leitura:4 Minuto, 52 Segundo


A delicada situação fiscal dos países fez com que a equipe de gestão de multimercados da Kinea Investimentos adotasse um tom sombrio, com toques distópicos, na primeira carta do gestor de 2025. O relatório publicado pelo braço de investimentos alternativos do Itaú traça um paralelo com o clássico da literatura Fahrenheit 451, de Ray Bradbury.

Em linhas gerais, o livro, publicado em 1953, conta a história de uma sociedade distópica que vive uma destruição progressiva de sua base de conhecimento e cultura através da queima de livros. E os bombeiros, em vez de evitar que os livros peguem fogo, são responsáveis pela sua identificação e eliminação.

Na carta, os analistas da Kinea traçam um paralelo entre a história ficcional e o que se vê no mundo. Para eles, enquanto a sociedade em Fahrenheit 451 destrói as bases de sua cultura, os governos da vida real foram “queimando” as bases da responsabilidade fiscal na última década.

Se a destruição de livros leva à gradual degradação da sociedade imaginada por Bradbury, o desequilíbrio fiscal e a perda de poder do lado monetário, aos poucos, “degradou a confiança dos mercados na dívida pública”.

“O resultado até o momento tem sido o aumento das taxas longas de juros, um reflexo do custo de reequilibrar um sistema que foi negligenciado por muito tempo”, diz trecho da carta da Kinea. “No final, as taxas longas são como o preço para reconstruir aquilo que foi queimado.”

A degradação fiscal é uma questão que atinge países ricos e emergentes, segundo a Kinea. Nos Estados Unidos, eles destacam que o problema fiscal não para de crescer e está sem solução no horizonte.

Para eles, o caso americano pode ser dividido em duas partes. Até meados da década passada, a política fiscal era feita conforme ditam os livros de economia – em períodos de expansão da atividade, o déficit se reduz, enquanto volta a crescer quando há desaceleração (a postura anticíclica).

Os últimos dois governos, porém, romperam com esse padrão. Num momento de forte crescimento econômico, Donald Trump realizou profundos cortes de impostos no primeiro mandato e Joe Biden aumentou os gastos. A postura pró-cíclica gerou deterioração da posição fiscal, culminando em um déficit nominal na casa de 7%, “número não muito diferente do apresentado pela economia brasileira”, diz trecho do relatório.

Os analistas da Kinea dizem que a reversão dessa trajetória não será simples. Pelo lado dos juros, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) tem acenado para uma pausa dos cortes, em razão da atividade aquecida e da inflação ainda acima da meta. Do ponto de vista fiscal, será preciso cortar gastos, uma vez que Trump prometeu reduzir a carga tributária.

“Entretanto, cortar gastos em qualquer economia é algo sensível, que mexe com interesses eleitorais e sensibiliza os membros do congresso. E, do ponto de vista estrutural, o envelhecimento da população tende a acentuar o forte crescimento das despesas com saúde e seguridade social. Os quais, juntamente com os gastos de defesa, farão com que a reversão dessa trajetória seja de difícil execução”, diz o relatório.

Europa mal, Brasil em crise

A situação também não é nada simples na Europa. Segundo a Kinea, a França não conseguiu melhorar sua situação fiscal após a expansão do déficit que foi feita no mundo inteiro durante a pandemia, e a desaceleração do crescimento contribuiu para reduzir as receitas do governo.

Com o retorno dos juros europeus para território positivo, após o choque inflacionário de 2022, a trajetória crescente de déficit nominal se acentuou. E, para piorar, a indefinição política prejudica a adoção de medidas de ajuste fiscal.

No Reino Unido, o Brexit continua pesando sobre a economia britânica. A Kinea destaca o menor crescimento da economia desde a saída da União Europeia e a fragilização das contas externas do país, a partir da saída de capital no balanço de pagamentos.

“Aliado às maiores taxas de juros, também em função da alta da inflação pós-pandemia, a situação aumentou o questionamento sobre a sustentabilidade fiscal do país”, diz trecho do relatório.

Em relação ao Brasil, a Kinea diz que o País flerta com mais uma crise fiscal. Embora o governo tenha cumprido sua meta de déficit primário em 2024, os analistas dizem que ainda “estamos longe de um primário que estabilize a dívida”.

“Os problemas fiscais seguem presentes, e o ano traz desafios adicionais; como a promessa de envio da reforma do IRPF (imposto de renda pessoa física), cuja compensação da isenção para os que ganham até R$ 5 mil terá dificuldade de tramitar no congresso”, diz trecho do relatório.

Os analistas da Kinea destacam ainda que a meta de 0,25% de superávit primário para 2026 dificilmente será alcançada, o que deve forçar o governo a mudar a meta (e correr o risco de termos uma repetição do que foi abril de 2024, com piora do risco fiscal), ou manter a meta em um orçamento cuja factibilidade pode ser questionada. Para 2025, o governo pretende zerar o déficit.

Diante deste cenário, a Kinea recomenda estar comprado nas taxas longas de juros dos Estados Unidos. A expectativa de normalização do prêmio na parte longa da curva, juntamente com a atual pujança da economia, os faz manter uma posição comprada no dólar.

A carta não fala sobre recomendações para França, mas no caso do Reino Unido a casa está com posições vendidas nos juros curtos do Reino Unido, acreditando que “a fraqueza da economia se sobrepõe à inércia da inflação no curto prazo, na função de reação do Banco Central”.

“Além disso, vemos o risco fiscal como um fator adicional de pressão negativa na moeda, justificando nossas posições vendidas na libra esterlina”, diz trecho do relatório.

Para o Brasil, a Kinea tem preferido posições vendidas em Bolsa, que tendem a refletir a alta dos juros e da desaceleração da atividade.



Fonte: Neofeed

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